23 de out. de 2017

Temer e a pobreza tipo exportação

Nota: O texto do New York Times, produzido pela Associated Press traz o quadro lastimável da situação econômica do Brasil sob perspectiva estrangeira. Fala dos avanços sociais no período que é classificado como ''boom econômico'' (2003-2014) quando notou-se aumento da renda e acesso a bens de consumo em parte alavancados pelas políticas de distribuição de renda juntamente com o quadro favorável na venda de commodities no exterior resultando em geração de empregos. Sobre o quadro atual, fala da redução nos programas sociais do governo direitista de Temer junto com congelamento de verbas da saúde e educação e de uma possível volta da esquerda ao governo federal. 



Milhões retornam à pobreza no Brasil, diluindo a década do crescimento.


(Associated Press, 23/10/2017)


RIO DE JANEIRO - Quando Leticia Miranda conseguiu um emprego vendendo jornais nas ruas, ganhava por volta de R$ 550 por mês, o suficiente para pagar um pequeno apartamento em que vivia com seu filho de oito anos em uma região carente do Rio de Janeiro.

Quando perdeu o trabalho seu trabalho por volta de seis meses atrás, no meio da pior crise do país em décadas, Letícia não teve opção a não ser mudar para um prédio abandonado onde outras centenas de pessoas viviam. Todas as suas coisas - uma cama, geladeira, fogão e algumas roupas - foram colocadas em uma sala junto com pertences dos outros habitantes do prédio que tem janelas sem vidro. Os moradores tomam banho em tonéis e fazem o que podem para viver com o cheiro de montanhas de lixo e porcos passeando no meio da construção.

"Eu quero sair daqui, mas não tenho para onde ir'', diz Letícia, 28 anos vestida com um top, short e sandálias por causa do calor. ''Estou buscando trabalho e fiz duas entrevistas e até agora, nada.''

Entre 2004 e 2014, milhões de brasileiros saíram da pobreza e o país era frquentemente citado como um exemplo para o mundo. O alto preço de commodities e a descoberta de novas fontes de combustível ajudaram a financiar programas de bem estar social que colocaram renda nos bolsos dos mais pobres.

Mas essa tendência foi revertida nos últimos dois anos devido a maior recessão da história do Brasil e cortes nos programas de subsídios fizeram surgir o receio de que o país-continente havia perdido o foco no combate à desigualdade e voltando aos tempos coloniais.

''Muitas pessoas que cresceram fora da pobreza e até mesmo aquelas nascidas na classe média, recuaram'', diz Monica de Bolle, pesquisadora associada do Instituto Peterson de Economia Internacional com sede em Washington.

O Banco Mundial estima que por volta de 28,6 milhões de Brasileiros saíram da pobreza entre 2004 e 2014. Entretanto o banco calcula que desde o início de 2016 até o final deste ano, entre 2,5 milhões a 3,6 milhões de pessoas voltaram a linha da pobreza com ganhos de R$140 mensais, cerca de US$ 44 de renda com câmbio atual.

Estes números são subestimados segundo Monica e não mostram que o fato de muitos brasileiros da classe média baixa que ganharam espaço durante os anos de crescimento decaíram para o limite próximo à pobreza.

Os economistas dizem que o alto desemprego e cortes nos programas-chave de bem-estar social podem aumentar os problemas. Em julho, último mês em que os dados foram coletados, o desemprego estava perto dos 13%, um grande aumento em relação aos 4% do final de 2004.

Filas de desempregados entre vários quarteirões se tornaram rotina quando alguma empresa inicia atividades. Quando, neste mês, uma universidade do Rio ofereceu trabalhos de baixa complexidade pagando R$ 400 de salário, milhares de pessoas se candidataram, inclusive gente que ficou do lado de fora durante um dia chuvoso antes da abertura das inscrições.

Enquanto isto, prressões orçamentárias e políticas conservadoras do presidente Michel Temer estão se traduzindo em cortes nos serviços sociais. Entre estes atingidos está o Bolsa Família, programa que dá pequenos subsídios mensais para pessoas de baixa renda e que é tido como redutor da pobreza do Brasil durante a última década.

Subsídios, incluindo programas sociais como o Bolsa-Família foram responsáveis por aproximadamente 60% de redução do número de pessoas vivendo na extrema pobreza durante o boom recente, disse Emmanuel Skoufias, economista do Banco Mundial e um dos autor do relatório sobre os ''novos pobres'' do Brasil.

Agora, com a perda de empregos impulsionando pessoas para o programa, poucas estão sendo auxiliadas.

''Todo dia é uma luta para sobreviver,'' diz Simone Batista de 40 anos enquanto lágrimas correm por sua face enquanto relembra que foi cortada do Bolsa Família depois que seu filho - agora com um ano - nasceu. Ela quer recorrer, mas não tem dinheiro suficiente para a condução até a assistência social no centro da cidade. Simone vive no Jardim Gramacho, uma favela na região norte do Rio, onde ela e centenas de outros moradores excluídos encontram comida procurando entre detritos ilegalmente jogados na área.

Uma pesquisa da Associated Press sobre dados do Bolsa Familia encontrou uma redução de 4 pontos percentuais na cobertura entre maio de 2016, quando Temer tornou-se presidente e maio deste ano. Parte disto deve-se a punições em eventuais fraudes que começaram ano passado. A administração de Temer anunciou que tinha encontrado ''irregularidades'' nos registros de 1,1 milhão de beneficiados cerca de 8% dos 14 milhões de pessoas que recebem o benefício. As infrações vão de fraudes até famílias que estavam ganhando acima de R$150 mensais que é o teto pra receber o benefício.

''O governo não deveria perder o foco na prioridade'' de manter as pessoas longe da pobreza, diz Skoufias, adicionando que o Bolsa Família representou somente 0,5% do PIB nacional e o governo deveria visar disponibilizar mais e não menos recursos ao programa.

Além disso, qualquer discussão de aumento de gastos é certamente vetada no Congresso onde um limite de gastos foi aprovado neste ano e Temer está inclinado a fazer grandes cortes no sistema de previdência. A situação fiscal é ainda pior em muitos estados, incluindo o Rio.

Um ano depois de hospedar os jogos Olímpicos de 2016, o estado do Rio de Janeiro está quebrado e milhares de servidores públicos não estão recebendo salários ou sendo pagos em parcelas. Algumas recursos de verbas para coleta de lixo ou programas de policiamento comunitário tem sido drasticamente reduzidos.

Para muitos que vivem nas centenas de favelas cariocas, uma realidade já difícil parece aumentar o aspecto precário.

Maria da Penha Souza, 59 anos vive com seu filho de 24 em uma pequena casa com telhado de zinco na favela Lins, zona oeste do Rio. Eles querem se mudar poque a casa fica em um morro onde é propenso a deslisamentos perigosos. Mas seu filho não consegue arranjar serviço desde que terminou o serviço militar tempos atrás.

''Eu me mudaria se houvesse um jeito, mas não há, '' diz Maria da Penha que acrescenta: ''Quando chove, não consigo dormir.''

A depressão econômica está abrindo espaço para o retorno político do ex-presidente Luis Inacio Lula da Silva que de 2003 a 2010 presidiu o país em período de prosperidade. Depois de deixar o cargo com índices de aprovação acima dos 80% sua popularidade despencou quando ele e seu partido foram envolvidos em investigações de corrupção. Lula está apelando da acusação de quase 10 anos por corrupção, apesar de ainda liderar de modo consistente nas pesquisas de intenção para as próximas eleições presidenciais. 

Em campanha, Lula promete um retorno aos tempos melhores da economia e na atenção aos pobres.

''O Lula não é apenas o Lula'', diz o ex-presidente em recente comício no Rio, usando o nome que a maioria dos Brasileiros o chamam. ''É uma ideia representada por milhões de homens e mulheres. Preparem-se porque a classe trabalhadora vai voltar a governar este país.''


(Jornalistas da Associated Press: Peter Prengaman do Rio de Janeiro, Sarah DiLorenzo de São Paulo e Daniel Trielli de Washington . O videorrepórter Diarlei Rodrigues no Rio de Janeiro contribui para esta matéria.)

Tradução: Marcos Vinícius Gomes





24 de ago. de 2017

O repugnante Jair Bolsonaro

Nota: Este texto do news.com.au foi redigido antes à eleição de Donald Trump e portanto antes da crise institucional no governo do presidente norte-americano eleito e também antes do emblemático - e inacreditável - discurso racista de Jair Bolsonaro na Hebraica do Rio. Mas é atualizado por circunstâncias e serve de norte para eleitores e cidadãos que queiram se inteirar um pouco mais sobre as ideias do deputado brasileiro que almeja ser um novo salvador da terra brasilis. 


Este é o político mais repulsivo do mundo? 


Gavin Fernando

Senhoras e senhores, conheçam o ''Donald Trump do Brasil''.

Pensando melhor, isto não é justo para o candidato Trump. Perto dos comentários do congressista brasileiro Jair bolsonaro, a infame afirmativa de Donald Trump de ''construir um muro para manter os mexicanos longe'' poderia ter sido entoada pelos filhos do barão Von Trapp em um belo quarteto de cordas.

Há uma imensa lista de afirmações públicas e entrevistas bajuladoras para explicar a notoriedade de Bolsonaro.

O político ultraconservador apoia francamente a tortura. Ele também tem uma perspectiva favorável em relação à odienta ditadura militar que comandou o Brasil por duas décadas.

O parlamentar tem sido frequentemente manchete global por causa de comentários depreciativos sobre pessoas negras, gays e mulheres.

Assim como Trump, Jair Bolsonaro é muito criticado pela mídia da esquerda e, como faz o político norte-americano, tomas as críticas com orgulho.

''Esta ideia de oh, coitadinho do negro, oh, coitadinho do pobre, oh, coitadinho da mulher, oh, coitadinho do indígena, todo mundo é coitado em alguma coisa!", disse à Vice News. "Não pretendo agradar todo mundo.''

Também como Trump, há uma certa possibilidade dele ser eleito presidente do seu país. 

Bolsonaro e as mulheres


A grande mídia começou a se interessar por Bolsonaro há um ano e meio atrás, após seus comentários grosseiros, feitos à parlamentar Maria do Rosário, terem sido gravados pelas câmeras.

Rosário havia protestado contra as violações aos direitos humanos durante a ditadura militar a qual Bolsonaro defende abertamente - violações que incluiam tortura, estupro e assassinatos.

''Fique aí, Mariai do Rosário'', disse o deputado. ''Há poucos dias atrás você me chamou de estuprador. E eu disse que não a estupraria porque você não vale a pena.''

Rosário se sentiu ultrajada e imediatamente deixou o plenário. ''Eu fui atacada como mulher, como membro do Congresso, como mão'', disse. ''Quando chegar em casa, vou ter que explicar isso para minha filha.''. 

Ela afirmou que processaria criminalmente o deputado. 

Mas Bolsonaro foi completamente absolvido. Ele escarneceu a deputada por ter saído, dizendo que ela ''havia fugido do debate''. 

Ele até postou uma foto no Twitter para se vangloriar sobre o incidente que ele descreveu como ele ''colocou Maria do Rosário em seu devido lugar.'' 

Ambos tiveram um confronto parecido em 2008, onde ele a chamou de vadia depois de a deputada tê-lo chamado de violentador.

Deve se salientar que os membros do Congresso Nacional tem imunidade no Brasil, o que significa que os adversários podem dizer o que quiserem sem temerem processos.

Recentemente, a atriz norte-americana Ellen Page entrevistou Bolsonaro para seu documentário Gaycation no site Vice.

Quando Page - que é homossexual - perguntou a ele se ele achava que ela deveria ter apanhado quando criança devido à sua orientação sexual, ele respondeu: ''Você é muito bonita. Se eu fosse um cadete na academia militar e te visse na rua, eu assobiaria para você. Certo? Você é muito bonita.''

Ela olhou para ele atônita e ele não parecia acreditar que havia dito alguma coisa errada.

Bolsonaro e os negros


Em 2011, a cantora e atriz afro-brasileira Preta Gil lhe perguntou o que ele faria se um filho seu se apaixonasse por uma pessoa negra.

Ele respondeu que ''nunca permitiria esse tipo de promiscuidade'', acrescentando que seus filhos ''eram muito bem educados'', como se sugerisse que isso não aconteceria com ele. 

Preta ameçaou processá-lo no final do programa. ''Eu sou uma mulher negra forte'', disse. "Vou levar isso até o fim contra este repugnante deputado que é racista e homofóbico.''

Uma investigação foi iniciada, na qual Bolsonaro afirmou que ele não havia entendido a pergunta. Mas ele conseguiu piorar as coisas - afirmou que sua resposta tosca foi porque pensou que ela estivesse se referindo às pessoas gays, não às negras.

"Se eu fosse racista, não seria louco de declarar isto na televisão.''

Bolsonaro e os homossexuais


A homofobia espalhafatosa é talvez um das mais internacionalmente conhecidas características de Bolsonaro. Ela reflete e instiga um número crescente no país de religiosos conservadores e neonazistas skinheads.

Por outro lado, o Brasil parece assimilar amplamente a homossexualidade. Não há lei proibindo pessoas LGBT de servirem as Forças Armadas e suas leis não proíbem casais do mesmo sexo de adotarem crianças.

Isso também se adequa a uma das festas mais sexualmente liberais no planeta, como o Carnaval. 

Considerando que o país legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2013, podemos até dizer que os brasileiros são mais progressivos em relação aos homossexuais do que a Austrália.

Entretanto, o Brasil é com frequência citado como o país onde muitos homossexuais são assassinados.

De acordo com a maior e mais ativa associação gay do país, Grupo Gay da Bahia, um membro da comunidade LGBT é assassinado a cada dois dias por causa da homofobia.

De fato, de acordo com a LGBTQ Nation, metado dos episódios de violência contra homossexuais ocorre no Brasil.

Bolsonaro é publicamente homofóbioco e não se constrange com suas posições. Em 2013 o governo visava aprovar um projeto de lei criminalizando a homofobia e que se educassem os jovens brasileiros sobre o mal que ela causa. O deputado quis vetar a lei, fazendo campanha contra ela.

Em 2013 disse que antes preferiria que seu filho morresse um acidente de carro do que se assumisse gay. Ele também disse que a presença de um casal homossexual em sua casa depreciaria o valor do imóvel. 

Existem até reportagens onde ele comparou o casamento entre pessoas do mesmo sexo à pedofilia e encorajou a agressão física em crianças que achassem serem homossexuais.

Em uma entrevista a Stephen Fry no programa ''Out There'' da BBC, Bolsonaro explicou suas crenças e foi questionado se seus comentários não poderiam alimentar a violência anti-gay pelo país.

"Há grupos que querem usar (crimes de ódio a homossexuais) como um exemplo. Pode ser até que nem tenha nada a ver como homossexualidade'', disse.

Isto é rotulado por grupos gays que querem fazer uso do incidente e criar uma história que comova o público.''

Bolsonaro dá a entender que crimes de ódio cometidos contra homossexuais são causados por suas opções sexuais e - ironicamente - nega que exista homofobia no Brasil.

Ele disse que 90% das vítimas gays morrem ''em lugares onde há drogas e prostituição, ou são mortos por seus próprios parceiros.''

''Eu entrei em guerra contra os gays porque o governo propôs campanhas anti-homofobia no ensino fundamental'', disse Bolsonaro. ''O que poderia sem dúvida estimular a homossexualidade em crianças de seis anos de idade. 

''Eles visam nossas crianças para que elas se transformem em adultos gays para satisfazer a sexualidade deles no futurol. Estes são os grupos homossexuais fundamentalistas que estão tentando comandar a sociedade.''Isto não é normal.'' 

Ele diz que o Brasil não está preparado para aceitar a homossexualidade como norma social. ''Nenhum pai teria orgulho em ter um filho gay. Orgulho? Alegria? Celebração se seu filho virar gay? Sem essa.''

Sobre outros questionamentos, ele sempre compara sua repulsa aos homossexuais à repulsa pública do Taliban.

Apesar disto e mesmo abertamente afirmando que ''Nós brasileiros não gostamos de homossexuis'', ele insiste que as pessoas não são discriminadas ou perseguidas por suas orientações sexuias no Brasil. 

Mas, este homem pode se eleger presidente?


A popularidade de Bolsonaro está crescendo, sem dúvida. Sua página no Facebook tem por volta de três milhões de curtidas - cerca de 700 mil a mais do que o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva. Pessoas se ajuntam ao seu redor para tirar selfies quando ele faz aparições públicas e de acordo com pesquisa Datafolha de Maio/2016, sua base de apoiadores tem dobrado desde Dezembro/2015.

Considerando que em 2012, 77% da população apoiava abertamente a criminalização da hommofobia, talvez estes resultados não sejam tão assustadores. A maior ironia de tudo isto? É que o partido político a que pertence Bolsonaro é chamado de ''Partido Progressista''.

(Traduzido por Marcos V. Gomes) 

Fontes

5 de jul. de 2017

O samba da Mallu é vexame, madame

Mallu Magalhães ao dedicar a música ''Você não presta'', cantada ao vivo no ''Encontro'' de Fátima Bernardes, a quem ''é preconceituoso e diz que branco não pode tocar samba", mostrou que sua nova fase não é tão diferente daquela de nove anos atrás, quando a garota desajeitada aparecia em programas cantando suas musiquinhas folk sem rima apesar de ter arranjos aceitáveis para uma composição de alguém na casa dos quinze anos.

Mas o tempo passou e a Mallu que pedantemente quis rebater as opiniões contrárias com o famigerado discurso do ''racismo inverso contra brancos'' e assumindo uma capacidade técnica que não possui, apenas fez aumentar um sentimento de frustração entre eventuais admiradores e até entre seus seguidores/fãs que não encontravam argumentos para uma apresentação tão amadora.
 
Quando surgiu, Mallu cantava exclusivamente em inglês. Diferente do português, onde há predominância na acentuação na última/antepenúltima sílaba, no inglês prioritariamente há o acento na primeira e na segunda sílaba (ou na primeira, quando for palavra monossilábica). Assim é possível encontrar rimas em músicas e versos em português tais como ''amor-dor'', ''viagem-miragem'', ''cor-melhor'' pois todas têm acentuação na última/antepenúltima sílaba. E também pela terminação semelhante, um indicador que geralmente se observa quando se quer rimar palavras o que não ocorre no inglês, necessariamente.

Mallu, de modo relapso, tem usado essa estrutura enxertada nas letras em Língua Inglesa, demonstrando desatenção e pouco apuro na composição de suas músicas. Vejamos alguns exemplos: em sua ''Her Day Will Come" (''O Dia Dela Vai Chegar'') Mallu abusa da falta de métrica em inglês:


She's got an old mobile,
But could receive calls,
She's got a pretty smile, 
But no one gives a hand
When she falls down.
Ela tem um velho celular
E poderia receber chamadas
Ela tem um belo sorriso
Mas ninguém lhe ajuda
Quando ela cai



o problema é que ''mobile'' [móbol] [mobáil] [móbil] tem três pronúncias diferentes então qual delas escolher para rimar com ''smile'' [ismáil]?

Outro exemplo de rima mal feita na mesma música:


She's got a pretty face,
Just waiting a kiss.
She's got her own charm,
But she's never been on the hot list.
Ela tem um belo rosto
Apenas esperando um beijo
Ela tem seu charme só dela
Mas nunca está entre as melhores

Aqui temos ''kiss''[kiz] que não rima em hipótese alguma com ''list'' [list]. Finalizando, temos o trecho que se repete e merece ser citado:

She's hiding all her bubble gum,
Looking for a real chum.
She knows more than anyone,
That her day will come.
Her day will come.
Ela está escondendo toda sua goma de mascar
Buscando por um amigo verdadeiro
Ela sabe mais do que ninguém
Que seu dia vai chegar.
Seu dia vai chegar.

A palavra ''bubble gum'' (chiclete) rima com ''chum'' (camarada). A questão é que é uma rima desconectada de sentido - seria o mesmo que rimar ''broto'' com ''absorto'', palavras dicionarizadas mas sem força semântica no uso atual, principalmente na voz de uma cantora hipster-pop. Mallu usou a rima que vem de ''Got any gum, chum?" (''Tem chiclete, amigo''?) que foi uma pergunta muito utilizada por crianças inglesas durante a Segunda Guerra feita aos soldados americanos que encontravam pelo caminho, visto que havia racionamento de comida e outros produtos básicos de alimentação. Essa frase até virou tema de música composta por Murray Kane in 1944 ''Have Ya Got Any Gum, Chum?". Além disso, há a impossível rima entre ''anyone'' e ''come'', onde ela mais uma vez quis ''aportuguesar'' as rimas de palavras do inglês apenas por uma terminação semelhante entre elas.

A falta de cuidado na composição também acontece nas letras em português. Na inacreditável ''São Paulo'', Mallu abusa do descuido como letrista, escrevendo versos praticamente ''explodidos'' e que necessitam de um esforço vocal que somente seria viável se cantados por cantores líricos. Vejamos:

Sou gata da vida, eu venho do mato
Da selva de pedra, São Paulo
Você que me ature e não há quem segure
A coragem dos meu vinte e quatro

Na estrofe, o segundo e quarto versos estão comprometidos. Quando cantados na gravação, a cantora faz um esforço enorme em ''São Pa-a-a-aulo'' e em ''meus vinte e qua-a-a-tro'', o que soa ruim, deselegante. É uma espécie de falha de ignição vocal que resulta na quebra da frequência da voz e do ritmo. A performance ao vivo é mais sofrível ainda e na terceira estrofe o mesmo vício anterior permanece:

As cartas na mesa, eu aposto em mim mesma
A minha garganta é de prata
Me olha no olho, você não me assusta
A roda da sorte me abraça.

sendo que o segundo verso é cantado ''A minha garganta é de pra-a-a-a-ta'' e no quarto ''A roda da sorte me abra-a-a-a-ça''.

Já em ''Você Não Presta'' o problema é outro, a começar pelo ritmo, que nem samba é, mas que se aproxima de um ska, muito apreciado por bandas de rock nacionais como Paralamas do Sucesso, Skank, etc. A introdução com uma cuíca que beira a cafonice e com metais (!) a se perder de vista e a falta de ritmo sincopado denunciam isto; de percussão o que há uma sonolenta bateria. E, para completar, temos Mallu Magalhães cantando fora do tom tanto no estúdio quanto ao vivo.

Cantores e letristas competentes usam o melhor de si para que sua música se espalhe pelo gosto do público e não fazendo o contrário. Cazuza quando quis enveredar pela bossa nova e pelo samba fez a lição de casa corretamente: bebeu na raiz e não inventando, ouvia ''o morro'' e não seguia modismos (é inimaginável pensar Cazuza dizendo ''Esta é pra quem acha que branco não pode cantar blues, samba, bossa-nova, etc''). Renato Russo que se destacava como letrista, fazia com que letras quilométricas fossem assimiladas pelo público, graças às suas qualidades de compositor que conhecia versificação - como no caso de ''Eduardo e Mônica'' que foi escrita em versos de sete sílabas, usado por repentistas e que facilitam a memorização.

Mallu Magalhães deveria se esforçar mais, pois afinal é alma gêmea de Marcelo Camelo, cantor que quando no tempo dos ''Los Hermanos'' sempre quis ser classudo, assumindo um lado virtuose da MPB - que, evidente, era superestimado, apesar das qualidades. Com o fim do grupo ele casou e se associou a Mallu em projetos que não chegam nem perto de cantores de rock que enveredaram por algo menos híbrido (como o próprio Cazuza) e mais ''raiz''. Pelo que temos visto, esse quadro não mudará facilmente - tanto pela imagem millennial de Mallu, quanto pela falta de perspectiva pragmática possivelmente vinda do marido, mas ligado a cultura de DCE, médio-classista e alienada do mundo, da cultura e das opiniões das classes marginalizadas, tais como os negros ''cutucados'' infantilmente por Mallu. Se continuar assim, a sra. Camelo estará personificando, infelizmente, a personagem ''madame'' de João Gilberto mas só que do lado de dentro, fazendo vexame e distribuindo música ruim na Terra Brasilis.


Fontes:

4 de out. de 2016

O caviar reacionário de João Dória

Ao discursar na sede do PSDB comemorando sua vitória sobre Fernando Haddad na disputa pela prefeitura de São Paulo, João Dória Jr. fez o que todo político faz, porém com um ingrediente especial. Este ingrediente foi o apelo veemente pelo imperativo moral alicerçado em pessoas que não fazem mais parte do mundo dos vivos, além do uso do discurso piedoso-cristão remetendo-se a uma religiosidade improvável , principalmente quando o prefeito eleito é lembrado em suas performances no seu programa de entrevistas ''Show Business'', no reality-show ''O Aprendiz'' (quando fez uma versão ''queridinha da vovó'' do programa), ou ainda em seus empreendimentos impressos, entre os quais a nada transcendental revista Caviar Lifestyle.

Há que se destacar que políticos em seus discursos vitoriosos sempre recorrem à lembranças de lideranças, familiares e correligionários que já faleceram, trazendo para si a responsabilidade de prosseguir com seus legados para as futuras gerações, não sendo nada de excepcional tal ato. Mas no caso de João Dória, a rememoração vai além da mera dedicatória in memoriam justificável no
calor da emoção que o momento exige. Ela dá uma pista dos reais motivadores de sua vitória, consequência de uma guinada recente de seu partido rumo à extrema direita no campo político, renegando uma perspectiva da administração atual baseada em conquistas sociais como diretriz de políticas públicas e de uma visão menos utilitarista e imediatista de se fazer política.

Dória, evidentemente, foi vitaminado (52% dos votos) pela parcela mais conservadora do eleitorado paulistano, aquela mesma que de panelas em punho foi recorrentemente vista nos últimos meses nas sacadas gourmet dos elegantes condomínios fechados da capita
l bandeirante, como signo de desaprovação de um governo democraticamente eleito com uma plataforma social que destoava do ideário de sustentação deste mesmo eleitorado paulistano médio-classista / alto-médio-classista. Os ''coxinhas-paneleiros'' foram o símbolo da discordância e da dissonância social sempre engambelada pelos discursos midiáticos de um Brasil harmonioso e das análises dos processos históricos direcionadas por uma pretensa conciliação de classes: eles tinham percebido o quão danoso para suas castas privilegiadas seria permanecer passivos diante um projeto de ínfimas proporções que buscava a instituição da justiça social e da ampliação de horizontes para uma grande parte da população brasileira frequentemente legada a último plano pelos donos do poder desde tempos imemoriais. 

Assim, nada mais adequado para João Dória do que entrar em sintonia com o que o pensamento mediano paulistano mais queria. Mas para atingir esta meta, não bastaria endossar o fim do ciclo de governança de um partido subversivo (!) que,
segundo a mentalidade política pouco elaborada da parte ressentida, estaria sendo responsável pela destruição da nação com esquemas de corrupção e jogadas políticas nunca antes vistas nas terras macunaímicas. Seria necessário mais do que isto, seria preciso um instrumento psicológico em consonância com os anseios dessa população seleta tão deseperada e que estava vendo seus sonhos de gente de bem irem pelo ralo com o surgimento de uma outra gente que já não aceitava ser tratada como extensões simbólicas de uma genealogia associada aos escravos trazidos do continente africano para sustentar as elites. E, para combater o pensamento progressista, nada mais adequado do que se apropriar do discurso da contrapartida do pensamento reacionário.

Como intrumento antiprogressista, o ideário reacionário é a estratégia mais elementar para estancar a ruptura das estruturas, fazendo com que coletivamente haja o deslocamento da condução dos anseios de um povo para o campo obtuso e refreador das ideias conservadoras. O reacionário é antes de tudo negador daquilo que se chamou entre o século 18
de Iluminismo, que é a base para a civilização ocidental contemporânea no campo filosófico, político e social. E para atigir este patamar de negação iluminista, o reacionário busca na regressão histórica, na simbologia mítico-religiosa e nacionalista e na tradição o material para suas teses, encontrando no pantanoso campo da negação da razão o instrumento de condução rumo à felicidade (no sentido filosófico) humana, o seu farol existencial. 

Daí o uso do discurso ''político-transcendental'' proferido por Dória quando, numa mistura entre emocionado e empolgado, agradecia àqueles que lhes ajudaram a vencer o adversário Haddad por meio de seus ensinamentos dados enquanto vivos, somado às referências à simbologias
religiosas como por exemplo a oração como elemento de conduta política ética — ''Eu sempre oro''— afirmou extasiado, como se justificasse a si e aos presentes sua missão suprema de libertador escolhido, recompensado apenas por ter feito preces ao ser supremo. Estes são indícios da direcionalidade de seu repertório político ao encontro da parcela reacionária dos eleitores da cidade de São Paulo e isto sob as bençãos políticas do já piedoso governador Geraldo Alkmin, conhecido político ligado a setores mais reacionários da Igreja Católica, como a Opus Dei.

Cabe ressaltar que nem todo crente é reacionário, mas todo reacionário tem sua fé afirmada, nem que o seja de modo utilitarista. Deve-se a este fenômeno pelo fato da fé do reacionário ser em busca de um imperativo moral acima da razão, nem que para isto haja a necessidade de instrumentalizar a religião (e por conseguinte a moral), negando o seu uso como ''testemunho de vida''— pois reacionários são gregários e pouco dados a individualidades subjetivas notadas até mesmo no cristianismo da Idade Média. Isso explica o fato de políticos de extrema-direita como Jair Bolsonaro terem de um lado um discurso de essência anticristã (racista, misógino, intolerante, virulento) e de outro lado serem ''propagadores'' do ideário do cristianismo como exclusivo meio de conduta moral e de vida, exaltando suas pretensas virtudes, evidentemente moldadas às suas práticas pessoais religiosas pouco ou nada ortodoxas.

Fechando o pacote reacionário na fala de Dória, houve ainda a exaltação a simbolos nacionalistas, como a bandeira nacional, junto com a cafonice — algo recorrente no discurso conservador — de fechar seu discurso tocando o ''Tema da Vitória'' dedicado ao falecido piloto Ayrton Senna e repetindo ao fundo o slogam ''Acelera! Acelera! Acelera!''. Senna, sabemos, foi elencado goela abaixo pela Vênus Platinada como ícone esportivo de uma nação e é tido como referencial de caráter e determinação, um lugar comum nas referências bibliograficas no campo da autoajuda empresarial ou espiritual. O piloto, neste contexto, se encaixa perfeitamente em todo este repertório antiprogressista vislumbrado por Dória, pois ícones da sociedade do marketing são apaixonadamente admirados e potencializados ao extremo ainda mais quando atingem o grau de mitos humanos ao terem suas trajetórias marcadas pela tragédia, sejam eles desportistas, artistas, políticos ou empresários. O inexplicável é o alimento da mente reacionária. 

Aliás, nada mais mitológico — leia-se falso — do que a improvável eleição de um candidato que sempre transitou nos campos do poder político, tendo sido até secretário de estado e que se elegeu com um discurso onde nega a própria política. Que apregoa a ética, mas que se apossou de uma área pública em Campos do Jordão como se fosse sua. Que se arroga como empreendedor liberal e que sempre recebeu polpudas verbas estatais para seus empreendimentos. Que diz que não recebeu herança mesmo sendo descendente de família historicamente rica e dona de engenhos desde os tempos coloniais. Estes qualificantes, evidente, passarão batidos pelos eleitores, pois a tarefa maior de Dória é apagar o progressismo e mitologicamente trazer a velha política com ares de novidade para satisfação coletiva. Na terra que se esforça frequentemente para divulgar seus tradicionais mitos duvidosos — indo da ''Revolução'' de 1932, passando pelos desbravadores bandeirantes e de ser a locomotiva da nação — isto, provavelmente, não será tarefa muito difícil de se realizar.