23 de out. de 2017

Temer e a pobreza tipo exportação

Nota: O texto do New York Times, produzido pela Associated Press traz o quadro lastimável da situação econômica do Brasil sob perspectiva estrangeira. Fala dos avanços sociais no período que é classificado como ''boom econômico'' (2003-2014) quando notou-se aumento da renda e acesso a bens de consumo em parte alavancados pelas políticas de distribuição de renda juntamente com o quadro favorável na venda de commodities no exterior resultando em geração de empregos. Sobre o quadro atual, fala da redução nos programas sociais do governo direitista de Temer junto com congelamento de verbas da saúde e educação e de uma possível volta da esquerda ao governo federal. 



Milhões retornam à pobreza no Brasil, diluindo a década do crescimento.


(Associated Press, 23/10/2017)


RIO DE JANEIRO - Quando Leticia Miranda conseguiu um emprego vendendo jornais nas ruas, ganhava por volta de R$ 550 por mês, o suficiente para pagar um pequeno apartamento em que vivia com seu filho de oito anos em uma região carente do Rio de Janeiro.

Quando perdeu o trabalho seu trabalho por volta de seis meses atrás, no meio da pior crise do país em décadas, Letícia não teve opção a não ser mudar para um prédio abandonado onde outras centenas de pessoas viviam. Todas as suas coisas - uma cama, geladeira, fogão e algumas roupas - foram colocadas em uma sala junto com pertences dos outros habitantes do prédio que tem janelas sem vidro. Os moradores tomam banho em tonéis e fazem o que podem para viver com o cheiro de montanhas de lixo e porcos passeando no meio da construção.

"Eu quero sair daqui, mas não tenho para onde ir'', diz Letícia, 28 anos vestida com um top, short e sandálias por causa do calor. ''Estou buscando trabalho e fiz duas entrevistas e até agora, nada.''

Entre 2004 e 2014, milhões de brasileiros saíram da pobreza e o país era frquentemente citado como um exemplo para o mundo. O alto preço de commodities e a descoberta de novas fontes de combustível ajudaram a financiar programas de bem estar social que colocaram renda nos bolsos dos mais pobres.

Mas essa tendência foi revertida nos últimos dois anos devido a maior recessão da história do Brasil e cortes nos programas de subsídios fizeram surgir o receio de que o país-continente havia perdido o foco no combate à desigualdade e voltando aos tempos coloniais.

''Muitas pessoas que cresceram fora da pobreza e até mesmo aquelas nascidas na classe média, recuaram'', diz Monica de Bolle, pesquisadora associada do Instituto Peterson de Economia Internacional com sede em Washington.

O Banco Mundial estima que por volta de 28,6 milhões de Brasileiros saíram da pobreza entre 2004 e 2014. Entretanto o banco calcula que desde o início de 2016 até o final deste ano, entre 2,5 milhões a 3,6 milhões de pessoas voltaram a linha da pobreza com ganhos de R$140 mensais, cerca de US$ 44 de renda com câmbio atual.

Estes números são subestimados segundo Monica e não mostram que o fato de muitos brasileiros da classe média baixa que ganharam espaço durante os anos de crescimento decaíram para o limite próximo à pobreza.

Os economistas dizem que o alto desemprego e cortes nos programas-chave de bem-estar social podem aumentar os problemas. Em julho, último mês em que os dados foram coletados, o desemprego estava perto dos 13%, um grande aumento em relação aos 4% do final de 2004.

Filas de desempregados entre vários quarteirões se tornaram rotina quando alguma empresa inicia atividades. Quando, neste mês, uma universidade do Rio ofereceu trabalhos de baixa complexidade pagando R$ 400 de salário, milhares de pessoas se candidataram, inclusive gente que ficou do lado de fora durante um dia chuvoso antes da abertura das inscrições.

Enquanto isto, prressões orçamentárias e políticas conservadoras do presidente Michel Temer estão se traduzindo em cortes nos serviços sociais. Entre estes atingidos está o Bolsa Família, programa que dá pequenos subsídios mensais para pessoas de baixa renda e que é tido como redutor da pobreza do Brasil durante a última década.

Subsídios, incluindo programas sociais como o Bolsa-Família foram responsáveis por aproximadamente 60% de redução do número de pessoas vivendo na extrema pobreza durante o boom recente, disse Emmanuel Skoufias, economista do Banco Mundial e um dos autor do relatório sobre os ''novos pobres'' do Brasil.

Agora, com a perda de empregos impulsionando pessoas para o programa, poucas estão sendo auxiliadas.

''Todo dia é uma luta para sobreviver,'' diz Simone Batista de 40 anos enquanto lágrimas correm por sua face enquanto relembra que foi cortada do Bolsa Família depois que seu filho - agora com um ano - nasceu. Ela quer recorrer, mas não tem dinheiro suficiente para a condução até a assistência social no centro da cidade. Simone vive no Jardim Gramacho, uma favela na região norte do Rio, onde ela e centenas de outros moradores excluídos encontram comida procurando entre detritos ilegalmente jogados na área.

Uma pesquisa da Associated Press sobre dados do Bolsa Familia encontrou uma redução de 4 pontos percentuais na cobertura entre maio de 2016, quando Temer tornou-se presidente e maio deste ano. Parte disto deve-se a punições em eventuais fraudes que começaram ano passado. A administração de Temer anunciou que tinha encontrado ''irregularidades'' nos registros de 1,1 milhão de beneficiados cerca de 8% dos 14 milhões de pessoas que recebem o benefício. As infrações vão de fraudes até famílias que estavam ganhando acima de R$150 mensais que é o teto pra receber o benefício.

''O governo não deveria perder o foco na prioridade'' de manter as pessoas longe da pobreza, diz Skoufias, adicionando que o Bolsa Família representou somente 0,5% do PIB nacional e o governo deveria visar disponibilizar mais e não menos recursos ao programa.

Além disso, qualquer discussão de aumento de gastos é certamente vetada no Congresso onde um limite de gastos foi aprovado neste ano e Temer está inclinado a fazer grandes cortes no sistema de previdência. A situação fiscal é ainda pior em muitos estados, incluindo o Rio.

Um ano depois de hospedar os jogos Olímpicos de 2016, o estado do Rio de Janeiro está quebrado e milhares de servidores públicos não estão recebendo salários ou sendo pagos em parcelas. Algumas recursos de verbas para coleta de lixo ou programas de policiamento comunitário tem sido drasticamente reduzidos.

Para muitos que vivem nas centenas de favelas cariocas, uma realidade já difícil parece aumentar o aspecto precário.

Maria da Penha Souza, 59 anos vive com seu filho de 24 em uma pequena casa com telhado de zinco na favela Lins, zona oeste do Rio. Eles querem se mudar poque a casa fica em um morro onde é propenso a deslisamentos perigosos. Mas seu filho não consegue arranjar serviço desde que terminou o serviço militar tempos atrás.

''Eu me mudaria se houvesse um jeito, mas não há, '' diz Maria da Penha que acrescenta: ''Quando chove, não consigo dormir.''

A depressão econômica está abrindo espaço para o retorno político do ex-presidente Luis Inacio Lula da Silva que de 2003 a 2010 presidiu o país em período de prosperidade. Depois de deixar o cargo com índices de aprovação acima dos 80% sua popularidade despencou quando ele e seu partido foram envolvidos em investigações de corrupção. Lula está apelando da acusação de quase 10 anos por corrupção, apesar de ainda liderar de modo consistente nas pesquisas de intenção para as próximas eleições presidenciais. 

Em campanha, Lula promete um retorno aos tempos melhores da economia e na atenção aos pobres.

''O Lula não é apenas o Lula'', diz o ex-presidente em recente comício no Rio, usando o nome que a maioria dos Brasileiros o chamam. ''É uma ideia representada por milhões de homens e mulheres. Preparem-se porque a classe trabalhadora vai voltar a governar este país.''


(Jornalistas da Associated Press: Peter Prengaman do Rio de Janeiro, Sarah DiLorenzo de São Paulo e Daniel Trielli de Washington . O videorrepórter Diarlei Rodrigues no Rio de Janeiro contribui para esta matéria.)

Tradução: Marcos Vinícius Gomes





2 comentários:

  1. "muitos brasileiros da classe média baixa que ganharam espaço durante os anos de crescimento decaíram para o limite próximo à pobreza." Essa é a realidade que não se é notada pelos demais.

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  2. Pois é Alberto e talvez não pare por aí...nos EUA a classe média (vitrine do ''american dream'') já não é maioria entre a população. A classe média daqui (que se imagina intocável) só vai perceber a onda neoliberal quando a água bater no pescoço...

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