11 de out. de 2018

Bolsonaro em busca da barbárie


A pergunta inicial carrega a princípio, uma dose de imprecisão, visto que está genericamente formulada; o certo seria dizer Quem não tem medo de Jair Bolsonaro? e desta forma o tema pode ser melhor desenvolvido. Assim passamos de um contingente de pessoas que temem/admiram seu discurso ou sua conduta carregada de simbologia militar (e isso conta muito num país que já sofreu golpes militares) para um outro menos restrito, que talvez apenas admirem o ex-capitão do exército por ele representar a simbologia do cotidiano de boa parte da população onde o palco é a violenta sociedade brasileira.

Falar de Bolsonaro por meio de uma análise de perfil é tarefa não muito difícil, visto que o personagem não tem a psique bem eleborada, prima pela falta de carisma humanista, de tino verbal, de ideias práticas ou ao mínimo originais e bem conduzidas, de polidez representativa encontrada na média de lesgisladores e tribunos, enfim, todas as qualidade encontrada em alguém minimamente preparado para ser componente do poder legislativo. 

Assim como também não parece ser difícil falar de seus eleitores-padrão conhecidos como bolsominions, fusão de ''Bolso(naro)''+''minion''(lacaio, servo em inglês) e que fazem jus às personagens do desenho animado, pois assim como os minions, são subservientes àqueles que lhes extraem os sentimentos mais mesquinhos e execráveis, devotando-lhes uma paixão doentia, sendo, obedientes e sempre buscando servir de modo irracional.

Bolsonaro como pode ser visto nas primeiras impressões, representa a direita mais extrema, braço do espectro político guiado pelo populismo, negação da intelectualidade, dos direitos humanos patrocinados pelo Estado - Estado este que deve servir, sob perspectiva reacionária, prioritariamente às oligarquias e plutocracias que confortavelmente manipulam proletários de direita com discursos e práticas que ofuscam suas intenções verdadeiras para com os chamados ''pobres de direita'' que nada vislumbram a não ser repetir os mantras dos ricos. Delimitado o território bolsonarista, o público que o segue e suas características, voltamos à questão inicial: Quem não tem medo de Jair Bolsonaro?

A figura de Bolsonaro não é atemorizante, mas o que se teme é a conjuntura que sua idologia obscura busca em inúmeros anos de política; se olhassemos para seu jeito jeca, seus tiques, sua incultura, sua tosquice aliada à imensurável prepotência idiotizada de adolescente em busca de auto-afirmação não poderíamos dizer que ali há alguém que pudesse estar entre indivíduos altamente perigosos à manutenção do status quo (digo status quo no sentido político, da normalidade institucional). Mas por outro lado, há o aspecto simbólico que sua verve reacionária alimenta e esse componente - que é o adubo do fascismo que ronda a sociedade brasileira há tempos, e não de agora - deve ser revisto para perceber-se e compreender o fenômeno dos votos recebidos pelo mito no primeiro turno das eleições presidenciais de 2018.

Quem não tem medo do Bolsonaro? é a pergunta primordial e pode ser buscada nos símbolos mais primordiais que rondam o imaginário dos servos bolsonaristas. Os que não o temem e abraçam a simbologia que é denunciada exaustivamente pela esquerda como ''discurso de ódio'' são aqueles mesmos que convivem com o ódio simbólico que o Estado tem para com eles e é ingenuidade e mostra de desconhecimento das bases do ''Brasil profundo'' afirmar ser incompreensível que os não temerosos de Bolsonaro e toda sua política de truculência abracem o discurso que podem os levar à ruína sem perceberem o risco que correm.

O eleitor de Bolsonaro que não o teme é aquele possui um repertório existencial vivido por meio da violência institucional, sua família e comunidade onde vive: começa na mais tenra infância com a criança que vivienciou mais corpos de vítimas da violência em seu bairro do que datas de aniversários vividas, que tem em serviços precários como falta de creche e escola somadas ao atendimento sofrível da saúde pública como elementos integrantes deste caos; há ainda a violência estatal por parte da polícia Militar que fazem com que os discursos do capitão candidato à presidência denunciados como fascistas pela esquerda - num grito de alerta aos bolsonaristas - soem como surreais por aquele apoiadores que não veem nada de mais a cantilena verbal de violência que é realmente vivida in loco por seus eleitores e simpatizantes.

A mídia colabora para esse paradigma de violência cotidiana vivida pelo eleitor bolsonarista, principalmente o braço histórico da jornalismo conhecido como imprensa marrom com seus jornais com cadáveres à perder de vista ao lado de matérias nonsense, discursos moralistas televisivos contra a violência e aumento da criminalidade e emissões radiofônicas de programas policiais recheadas de demagogia visando a ''busca da verdade''. A imprensa marrom tal como é, pode ser considerada o nascedouro das fake news , esse instrumento primordial para se atingir objetivos políticos eleitoreiros da extrema-direita na internet, como fizeram Donald Trump nos EUA e como está fazendo aqui no Brasil, Jair Bolsonaro.

Questionar alguém que vive o cotidiano da violência o porquê de apoiar um candidato a presidente que é assumidamente fascista é desconhecer os mecanismos de exclusão da sociedade brasileira. A violência seja ela simbólica por meio dos aparelhos do Estado, como justiça, polícia militar ou a que é mostrada de forma midiática e que se retroalimenta na espiral infindável que não enxerga (ou não quer enxergar) a raiz matriz dos problemas se segurança pública é há décadas um caldeirão de caos que parecia em tempos passados uma possibilidade de vivência apenas na classe trabalhadora em seus roteiros diários nas periferias do Brasil tropical abençoado por Deus. A classe média, média-alta e elites sempre se respaldaram em produtos midiáticos distanciados da realidade da escatologia do universo oferecido da imprensa marrom de jornais sanguinários e de programas eletrônicos do rádio e da tv que se alimentam do sensacionalismo - o dono da rádio Jovem Pan, Tuta Amaral, uma vez afirmou que os resultados do Ibope eram errados porque as ouvintes não permitiam que as empregadas atendessem os questionários de audiência nas portarias de prédios de alto padrão da burguesia paulistana, dando à sua rádio índices menores dos reais, segundo seu raciocínio, que indica elitismo/classismo.

O bolsonarista que não tem medo do Bolsonaro e de seu discurso anticivilizatório sempre esteve por aí vivendo o perigo pleno relatado nas mídias marrons, mas com o surgimento das ferramentas digitais de comunicação disponíveis em computadores e telefones móveis conectados com uma gama de aplicativos de difusão de notícias, textos, fotos e vídeos tornou-se de consumidor passivo a protagonista na guerra das fake news e das campanhas de difamação que tanto alavancam a candidatura do opositor de Fernando Haddad.

Aliás, algo que geralmente não é lembrado, inclusive por setores da esquerda, é que o fascismo tem como base o culto ao perigo, já prenunciava o ''Manifesto do Futurismo'' do escritor ítalo-egípcio F.T. Marinetti, porta-voz do movimento, com destaque aos temas originais que são apreciados por Bolsonaro e seus seguidores:

1) Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e à temeridade

2) Os elementos essenciais de nossa poesia serão a coragem, a audácia e a revolta. (nota:o voto no fascismo é o voto da revolta)

3) Tendo a literatura até aqui enaltecido a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono, nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril o passo ginástico, o salto mortal, a bofetada e o soco (...)

9) Nós queremos glorificar a guerra - única higiene do mundo -, o militarismo, o patriotismo, o gesto destrutor dos anarquistas, as belas ideias que matam e o menosprezo à mulher.

10) nós queremos demolir os museus, as bibliotecas, combater o moralismo, o feminismo e todas as covardias oportunistas e utilitárias.


No contraponto ao fascismo bolsonarista, não há espaço para excitações ou especulações nem recuos,
pois o terreno já é delimitado, pois o fascismo vive de ciclos, assim como os ciclos do capitalismo. Seus adeptos - os que não temem Bolsonaro se encaixam plenamente nos termos daquilo que é almejado pelo ideal fascista: vivem o perigo constantemente, enfatizam a ação sobre a reflexão, usam a audácia e a revolta como instrumento de auto-afirmação, possuem visão pouco elaborada sobre grupos como imigrantes, negros, homossexuais ou mulheres em seus direitos de cidadania, são anti-utilitários (no sentido filosófico do utilitarismo, ou seja a ação ética visando o benefício de maior número de pessoas).

Para vencer o fascismo deve-se lembrar sempre do tempo-ação/resposta, pois pode-se vencer pela fadiga apenas sabendo dos movimentos e investidas do opositor sem divagar em demasia, apenas analisando os passos do adversário. As redes sociais e aplicativos como o Whats up são prova de que sistematicamente os fascistas tem feito jus às palavras provocadoras do manifesto de Marinetti que explica arrogante as qualidades espartanas dos adeptos da ideologia de Bolsonaro e seus destemidos seguidores:

Olhem-nos! nós não estamos esfalfados...Nosso coração não tem a menor fadiga! Porque ele está nutrido pelo fogo, pelo ódio e pela velocidade!...Isso o espanta? É que você não se lembra mesmo de ter vivido. De pé sobre o cimo do mundo, nós lançamos ainda uma vez mais o desfio às estrelas!

Este é o perfil de quem não tem medo do Bolsonaro: destemido, arrogante e adepto da velocidade a todo custo. E a ação é a palavra-chave no mundo da informação instantânea que pode e deve ser utilizada como contra-ofensiva às investidas fascistas que ameaçam a democracia brasileira.


Fonte:
TELES, Gilberto Mendonça, Vanguarda Europeia & Modernismo Brasileiro: Apresentação crítica dos principais manifestos vanguardistas. José Olímpio Editora, 2012