24 de ago. de 2017

O repugnante Jair Bolsonaro

Nota: Este texto do news.com.au foi redigido antes à eleição de Donald Trump e portanto antes da crise institucional no governo do presidente norte-americano eleito e também antes do emblemático - e inacreditável - discurso racista de Jair Bolsonaro na Hebraica do Rio. Mas é atualizado por circunstâncias e serve de norte para eleitores e cidadãos que queiram se inteirar um pouco mais sobre as ideias do deputado brasileiro que almeja ser um novo salvador da terra brasilis. 


Este é o político mais repulsivo do mundo? 


Gavin Fernando

Senhoras e senhores, conheçam o ''Donald Trump do Brasil''.

Pensando melhor, isto não é justo para o candidato Trump. Perto dos comentários do congressista brasileiro Jair bolsonaro, a infame afirmativa de Donald Trump de ''construir um muro para manter os mexicanos longe'' poderia ter sido entoada pelos filhos do barão Von Trapp em um belo quarteto de cordas.

Há uma imensa lista de afirmações públicas e entrevistas bajuladoras para explicar a notoriedade de Bolsonaro.

O político ultraconservador apoia francamente a tortura. Ele também tem uma perspectiva favorável em relação à odienta ditadura militar que comandou o Brasil por duas décadas.

O parlamentar tem sido frequentemente manchete global por causa de comentários depreciativos sobre pessoas negras, gays e mulheres.

Assim como Trump, Jair Bolsonaro é muito criticado pela mídia da esquerda e, como faz o político norte-americano, tomas as críticas com orgulho.

''Esta ideia de oh, coitadinho do negro, oh, coitadinho do pobre, oh, coitadinho da mulher, oh, coitadinho do indígena, todo mundo é coitado em alguma coisa!", disse à Vice News. "Não pretendo agradar todo mundo.''

Também como Trump, há uma certa possibilidade dele ser eleito presidente do seu país. 

Bolsonaro e as mulheres


A grande mídia começou a se interessar por Bolsonaro há um ano e meio atrás, após seus comentários grosseiros, feitos à parlamentar Maria do Rosário, terem sido gravados pelas câmeras.

Rosário havia protestado contra as violações aos direitos humanos durante a ditadura militar a qual Bolsonaro defende abertamente - violações que incluiam tortura, estupro e assassinatos.

''Fique aí, Mariai do Rosário'', disse o deputado. ''Há poucos dias atrás você me chamou de estuprador. E eu disse que não a estupraria porque você não vale a pena.''

Rosário se sentiu ultrajada e imediatamente deixou o plenário. ''Eu fui atacada como mulher, como membro do Congresso, como mão'', disse. ''Quando chegar em casa, vou ter que explicar isso para minha filha.''. 

Ela afirmou que processaria criminalmente o deputado. 

Mas Bolsonaro foi completamente absolvido. Ele escarneceu a deputada por ter saído, dizendo que ela ''havia fugido do debate''. 

Ele até postou uma foto no Twitter para se vangloriar sobre o incidente que ele descreveu como ele ''colocou Maria do Rosário em seu devido lugar.'' 

Ambos tiveram um confronto parecido em 2008, onde ele a chamou de vadia depois de a deputada tê-lo chamado de violentador.

Deve se salientar que os membros do Congresso Nacional tem imunidade no Brasil, o que significa que os adversários podem dizer o que quiserem sem temerem processos.

Recentemente, a atriz norte-americana Ellen Page entrevistou Bolsonaro para seu documentário Gaycation no site Vice.

Quando Page - que é homossexual - perguntou a ele se ele achava que ela deveria ter apanhado quando criança devido à sua orientação sexual, ele respondeu: ''Você é muito bonita. Se eu fosse um cadete na academia militar e te visse na rua, eu assobiaria para você. Certo? Você é muito bonita.''

Ela olhou para ele atônita e ele não parecia acreditar que havia dito alguma coisa errada.

Bolsonaro e os negros


Em 2011, a cantora e atriz afro-brasileira Preta Gil lhe perguntou o que ele faria se um filho seu se apaixonasse por uma pessoa negra.

Ele respondeu que ''nunca permitiria esse tipo de promiscuidade'', acrescentando que seus filhos ''eram muito bem educados'', como se sugerisse que isso não aconteceria com ele. 

Preta ameçaou processá-lo no final do programa. ''Eu sou uma mulher negra forte'', disse. "Vou levar isso até o fim contra este repugnante deputado que é racista e homofóbico.''

Uma investigação foi iniciada, na qual Bolsonaro afirmou que ele não havia entendido a pergunta. Mas ele conseguiu piorar as coisas - afirmou que sua resposta tosca foi porque pensou que ela estivesse se referindo às pessoas gays, não às negras.

"Se eu fosse racista, não seria louco de declarar isto na televisão.''

Bolsonaro e os homossexuais


A homofobia espalhafatosa é talvez um das mais internacionalmente conhecidas características de Bolsonaro. Ela reflete e instiga um número crescente no país de religiosos conservadores e neonazistas skinheads.

Por outro lado, o Brasil parece assimilar amplamente a homossexualidade. Não há lei proibindo pessoas LGBT de servirem as Forças Armadas e suas leis não proíbem casais do mesmo sexo de adotarem crianças.

Isso também se adequa a uma das festas mais sexualmente liberais no planeta, como o Carnaval. 

Considerando que o país legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2013, podemos até dizer que os brasileiros são mais progressivos em relação aos homossexuais do que a Austrália.

Entretanto, o Brasil é com frequência citado como o país onde muitos homossexuais são assassinados.

De acordo com a maior e mais ativa associação gay do país, Grupo Gay da Bahia, um membro da comunidade LGBT é assassinado a cada dois dias por causa da homofobia.

De fato, de acordo com a LGBTQ Nation, metado dos episódios de violência contra homossexuais ocorre no Brasil.

Bolsonaro é publicamente homofóbioco e não se constrange com suas posições. Em 2013 o governo visava aprovar um projeto de lei criminalizando a homofobia e que se educassem os jovens brasileiros sobre o mal que ela causa. O deputado quis vetar a lei, fazendo campanha contra ela.

Em 2013 disse que antes preferiria que seu filho morresse um acidente de carro do que se assumisse gay. Ele também disse que a presença de um casal homossexual em sua casa depreciaria o valor do imóvel. 

Existem até reportagens onde ele comparou o casamento entre pessoas do mesmo sexo à pedofilia e encorajou a agressão física em crianças que achassem serem homossexuais.

Em uma entrevista a Stephen Fry no programa ''Out There'' da BBC, Bolsonaro explicou suas crenças e foi questionado se seus comentários não poderiam alimentar a violência anti-gay pelo país.

"Há grupos que querem usar (crimes de ódio a homossexuais) como um exemplo. Pode ser até que nem tenha nada a ver como homossexualidade'', disse.

Isto é rotulado por grupos gays que querem fazer uso do incidente e criar uma história que comova o público.''

Bolsonaro dá a entender que crimes de ódio cometidos contra homossexuais são causados por suas opções sexuais e - ironicamente - nega que exista homofobia no Brasil.

Ele disse que 90% das vítimas gays morrem ''em lugares onde há drogas e prostituição, ou são mortos por seus próprios parceiros.''

''Eu entrei em guerra contra os gays porque o governo propôs campanhas anti-homofobia no ensino fundamental'', disse Bolsonaro. ''O que poderia sem dúvida estimular a homossexualidade em crianças de seis anos de idade. 

''Eles visam nossas crianças para que elas se transformem em adultos gays para satisfazer a sexualidade deles no futurol. Estes são os grupos homossexuais fundamentalistas que estão tentando comandar a sociedade.''Isto não é normal.'' 

Ele diz que o Brasil não está preparado para aceitar a homossexualidade como norma social. ''Nenhum pai teria orgulho em ter um filho gay. Orgulho? Alegria? Celebração se seu filho virar gay? Sem essa.''

Sobre outros questionamentos, ele sempre compara sua repulsa aos homossexuais à repulsa pública do Taliban.

Apesar disto e mesmo abertamente afirmando que ''Nós brasileiros não gostamos de homossexuis'', ele insiste que as pessoas não são discriminadas ou perseguidas por suas orientações sexuias no Brasil. 

Mas, este homem pode se eleger presidente?


A popularidade de Bolsonaro está crescendo, sem dúvida. Sua página no Facebook tem por volta de três milhões de curtidas - cerca de 700 mil a mais do que o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva. Pessoas se ajuntam ao seu redor para tirar selfies quando ele faz aparições públicas e de acordo com pesquisa Datafolha de Maio/2016, sua base de apoiadores tem dobrado desde Dezembro/2015.

Considerando que em 2012, 77% da população apoiava abertamente a criminalização da hommofobia, talvez estes resultados não sejam tão assustadores. A maior ironia de tudo isto? É que o partido político a que pertence Bolsonaro é chamado de ''Partido Progressista''.

(Traduzido por Marcos V. Gomes) 

Fontes

5 de jul. de 2017

O samba da Mallu é vexame, madame

Mallu Magalhães ao dedicar a música ''Você não presta'', cantada ao vivo no ''Encontro'' de Fátima Bernardes, a quem ''é preconceituoso e diz que branco não pode tocar samba", mostrou que sua nova fase não é tão diferente daquela de nove anos atrás, quando a garota desajeitada aparecia em programas cantando suas musiquinhas folk sem rima apesar de ter arranjos aceitáveis para uma composição de alguém na casa dos quinze anos.

Mas o tempo passou e a Mallu que pedantemente quis rebater as opiniões contrárias com o famigerado discurso do ''racismo inverso contra brancos'' e assumindo uma capacidade técnica que não possui, apenas fez aumentar um sentimento de frustração entre eventuais admiradores e até entre seus seguidores/fãs que não encontravam argumentos para uma apresentação tão amadora.
 
Quando surgiu, Mallu cantava exclusivamente em inglês. Diferente do português, onde há predominância na acentuação na última/antepenúltima sílaba, no inglês prioritariamente há o acento na primeira e na segunda sílaba (ou na primeira, quando for palavra monossilábica). Assim é possível encontrar rimas em músicas e versos em português tais como ''amor-dor'', ''viagem-miragem'', ''cor-melhor'' pois todas têm acentuação na última/antepenúltima sílaba. E também pela terminação semelhante, um indicador que geralmente se observa quando se quer rimar palavras o que não ocorre no inglês, necessariamente.

Mallu, de modo relapso, tem usado essa estrutura enxertada nas letras em Língua Inglesa, demonstrando desatenção e pouco apuro na composição de suas músicas. Vejamos alguns exemplos: em sua ''Her Day Will Come" (''O Dia Dela Vai Chegar'') Mallu abusa da falta de métrica em inglês:


She's got an old mobile,
But could receive calls,
She's got a pretty smile, 
But no one gives a hand
When she falls down.
Ela tem um velho celular
E poderia receber chamadas
Ela tem um belo sorriso
Mas ninguém lhe ajuda
Quando ela cai



o problema é que ''mobile'' [móbol] [mobáil] [móbil] tem três pronúncias diferentes então qual delas escolher para rimar com ''smile'' [ismáil]?

Outro exemplo de rima mal feita na mesma música:


She's got a pretty face,
Just waiting a kiss.
She's got her own charm,
But she's never been on the hot list.
Ela tem um belo rosto
Apenas esperando um beijo
Ela tem seu charme só dela
Mas nunca está entre as melhores

Aqui temos ''kiss''[kiz] que não rima em hipótese alguma com ''list'' [list]. Finalizando, temos o trecho que se repete e merece ser citado:

She's hiding all her bubble gum,
Looking for a real chum.
She knows more than anyone,
That her day will come.
Her day will come.
Ela está escondendo toda sua goma de mascar
Buscando por um amigo verdadeiro
Ela sabe mais do que ninguém
Que seu dia vai chegar.
Seu dia vai chegar.

A palavra ''bubble gum'' (chiclete) rima com ''chum'' (camarada). A questão é que é uma rima desconectada de sentido - seria o mesmo que rimar ''broto'' com ''absorto'', palavras dicionarizadas mas sem força semântica no uso atual, principalmente na voz de uma cantora hipster-pop. Mallu usou a rima que vem de ''Got any gum, chum?" (''Tem chiclete, amigo''?) que foi uma pergunta muito utilizada por crianças inglesas durante a Segunda Guerra feita aos soldados americanos que encontravam pelo caminho, visto que havia racionamento de comida e outros produtos básicos de alimentação. Essa frase até virou tema de música composta por Murray Kane in 1944 ''Have Ya Got Any Gum, Chum?". Além disso, há a impossível rima entre ''anyone'' e ''come'', onde ela mais uma vez quis ''aportuguesar'' as rimas de palavras do inglês apenas por uma terminação semelhante entre elas.

A falta de cuidado na composição também acontece nas letras em português. Na inacreditável ''São Paulo'', Mallu abusa do descuido como letrista, escrevendo versos praticamente ''explodidos'' e que necessitam de um esforço vocal que somente seria viável se cantados por cantores líricos. Vejamos:

Sou gata da vida, eu venho do mato
Da selva de pedra, São Paulo
Você que me ature e não há quem segure
A coragem dos meu vinte e quatro

Na estrofe, o segundo e quarto versos estão comprometidos. Quando cantados na gravação, a cantora faz um esforço enorme em ''São Pa-a-a-aulo'' e em ''meus vinte e qua-a-a-tro'', o que soa ruim, deselegante. É uma espécie de falha de ignição vocal que resulta na quebra da frequência da voz e do ritmo. A performance ao vivo é mais sofrível ainda e na terceira estrofe o mesmo vício anterior permanece:

As cartas na mesa, eu aposto em mim mesma
A minha garganta é de prata
Me olha no olho, você não me assusta
A roda da sorte me abraça.

sendo que o segundo verso é cantado ''A minha garganta é de pra-a-a-a-ta'' e no quarto ''A roda da sorte me abra-a-a-a-ça''.

Já em ''Você Não Presta'' o problema é outro, a começar pelo ritmo, que nem samba é, mas que se aproxima de um ska, muito apreciado por bandas de rock nacionais como Paralamas do Sucesso, Skank, etc. A introdução com uma cuíca que beira a cafonice e com metais (!) a se perder de vista e a falta de ritmo sincopado denunciam isto; de percussão o que há uma sonolenta bateria. E, para completar, temos Mallu Magalhães cantando fora do tom tanto no estúdio quanto ao vivo.

Cantores e letristas competentes usam o melhor de si para que sua música se espalhe pelo gosto do público e não fazendo o contrário. Cazuza quando quis enveredar pela bossa nova e pelo samba fez a lição de casa corretamente: bebeu na raiz e não inventando, ouvia ''o morro'' e não seguia modismos (é inimaginável pensar Cazuza dizendo ''Esta é pra quem acha que branco não pode cantar blues, samba, bossa-nova, etc''). Renato Russo que se destacava como letrista, fazia com que letras quilométricas fossem assimiladas pelo público, graças às suas qualidades de compositor que conhecia versificação - como no caso de ''Eduardo e Mônica'' que foi escrita em versos de sete sílabas, usado por repentistas e que facilitam a memorização.

Mallu Magalhães deveria se esforçar mais, pois afinal é alma gêmea de Marcelo Camelo, cantor que quando no tempo dos ''Los Hermanos'' sempre quis ser classudo, assumindo um lado virtuose da MPB - que, evidente, era superestimado, apesar das qualidades. Com o fim do grupo ele casou e se associou a Mallu em projetos que não chegam nem perto de cantores de rock que enveredaram por algo menos híbrido (como o próprio Cazuza) e mais ''raiz''. Pelo que temos visto, esse quadro não mudará facilmente - tanto pela imagem millennial de Mallu, quanto pela falta de perspectiva pragmática possivelmente vinda do marido, mas ligado a cultura de DCE, médio-classista e alienada do mundo, da cultura e das opiniões das classes marginalizadas, tais como os negros ''cutucados'' infantilmente por Mallu. Se continuar assim, a sra. Camelo estará personificando, infelizmente, a personagem ''madame'' de João Gilberto mas só que do lado de dentro, fazendo vexame e distribuindo música ruim na Terra Brasilis.


Fontes:

4 de out. de 2016

O caviar reacionário de João Dória

Ao discursar na sede do PSDB comemorando sua vitória sobre Fernando Haddad na disputa pela prefeitura de São Paulo, João Dória Jr. fez o que todo político faz, porém com um ingrediente especial. Este ingrediente foi o apelo veemente pelo imperativo moral alicerçado em pessoas que não fazem mais parte do mundo dos vivos, além do uso do discurso piedoso-cristão remetendo-se a uma religiosidade improvável , principalmente quando o prefeito eleito é lembrado em suas performances no seu programa de entrevistas ''Show Business'', no reality-show ''O Aprendiz'' (quando fez uma versão ''queridinha da vovó'' do programa), ou ainda em seus empreendimentos impressos, entre os quais a nada transcendental revista Caviar Lifestyle.

Há que se destacar que políticos em seus discursos vitoriosos sempre recorrem à lembranças de lideranças, familiares e correligionários que já faleceram, trazendo para si a responsabilidade de prosseguir com seus legados para as futuras gerações, não sendo nada de excepcional tal ato. Mas no caso de João Dória, a rememoração vai além da mera dedicatória in memoriam justificável no
calor da emoção que o momento exige. Ela dá uma pista dos reais motivadores de sua vitória, consequência de uma guinada recente de seu partido rumo à extrema direita no campo político, renegando uma perspectiva da administração atual baseada em conquistas sociais como diretriz de políticas públicas e de uma visão menos utilitarista e imediatista de se fazer política.

Dória, evidentemente, foi vitaminado (52% dos votos) pela parcela mais conservadora do eleitorado paulistano, aquela mesma que de panelas em punho foi recorrentemente vista nos últimos meses nas sacadas gourmet dos elegantes condomínios fechados da capita
l bandeirante, como signo de desaprovação de um governo democraticamente eleito com uma plataforma social que destoava do ideário de sustentação deste mesmo eleitorado paulistano médio-classista / alto-médio-classista. Os ''coxinhas-paneleiros'' foram o símbolo da discordância e da dissonância social sempre engambelada pelos discursos midiáticos de um Brasil harmonioso e das análises dos processos históricos direcionadas por uma pretensa conciliação de classes: eles tinham percebido o quão danoso para suas castas privilegiadas seria permanecer passivos diante um projeto de ínfimas proporções que buscava a instituição da justiça social e da ampliação de horizontes para uma grande parte da população brasileira frequentemente legada a último plano pelos donos do poder desde tempos imemoriais. 

Assim, nada mais adequado para João Dória do que entrar em sintonia com o que o pensamento mediano paulistano mais queria. Mas para atingir esta meta, não bastaria endossar o fim do ciclo de governança de um partido subversivo (!) que,
segundo a mentalidade política pouco elaborada da parte ressentida, estaria sendo responsável pela destruição da nação com esquemas de corrupção e jogadas políticas nunca antes vistas nas terras macunaímicas. Seria necessário mais do que isto, seria preciso um instrumento psicológico em consonância com os anseios dessa população seleta tão deseperada e que estava vendo seus sonhos de gente de bem irem pelo ralo com o surgimento de uma outra gente que já não aceitava ser tratada como extensões simbólicas de uma genealogia associada aos escravos trazidos do continente africano para sustentar as elites. E, para combater o pensamento progressista, nada mais adequado do que se apropriar do discurso da contrapartida do pensamento reacionário.

Como intrumento antiprogressista, o ideário reacionário é a estratégia mais elementar para estancar a ruptura das estruturas, fazendo com que coletivamente haja o deslocamento da condução dos anseios de um povo para o campo obtuso e refreador das ideias conservadoras. O reacionário é antes de tudo negador daquilo que se chamou entre o século 18
de Iluminismo, que é a base para a civilização ocidental contemporânea no campo filosófico, político e social. E para atigir este patamar de negação iluminista, o reacionário busca na regressão histórica, na simbologia mítico-religiosa e nacionalista e na tradição o material para suas teses, encontrando no pantanoso campo da negação da razão o instrumento de condução rumo à felicidade (no sentido filosófico) humana, o seu farol existencial. 

Daí o uso do discurso ''político-transcendental'' proferido por Dória quando, numa mistura entre emocionado e empolgado, agradecia àqueles que lhes ajudaram a vencer o adversário Haddad por meio de seus ensinamentos dados enquanto vivos, somado às referências à simbologias
religiosas como por exemplo a oração como elemento de conduta política ética — ''Eu sempre oro''— afirmou extasiado, como se justificasse a si e aos presentes sua missão suprema de libertador escolhido, recompensado apenas por ter feito preces ao ser supremo. Estes são indícios da direcionalidade de seu repertório político ao encontro da parcela reacionária dos eleitores da cidade de São Paulo e isto sob as bençãos políticas do já piedoso governador Geraldo Alkmin, conhecido político ligado a setores mais reacionários da Igreja Católica, como a Opus Dei.

Cabe ressaltar que nem todo crente é reacionário, mas todo reacionário tem sua fé afirmada, nem que o seja de modo utilitarista. Deve-se a este fenômeno pelo fato da fé do reacionário ser em busca de um imperativo moral acima da razão, nem que para isto haja a necessidade de instrumentalizar a religião (e por conseguinte a moral), negando o seu uso como ''testemunho de vida''— pois reacionários são gregários e pouco dados a individualidades subjetivas notadas até mesmo no cristianismo da Idade Média. Isso explica o fato de políticos de extrema-direita como Jair Bolsonaro terem de um lado um discurso de essência anticristã (racista, misógino, intolerante, virulento) e de outro lado serem ''propagadores'' do ideário do cristianismo como exclusivo meio de conduta moral e de vida, exaltando suas pretensas virtudes, evidentemente moldadas às suas práticas pessoais religiosas pouco ou nada ortodoxas.

Fechando o pacote reacionário na fala de Dória, houve ainda a exaltação a simbolos nacionalistas, como a bandeira nacional, junto com a cafonice — algo recorrente no discurso conservador — de fechar seu discurso tocando o ''Tema da Vitória'' dedicado ao falecido piloto Ayrton Senna e repetindo ao fundo o slogam ''Acelera! Acelera! Acelera!''. Senna, sabemos, foi elencado goela abaixo pela Vênus Platinada como ícone esportivo de uma nação e é tido como referencial de caráter e determinação, um lugar comum nas referências bibliograficas no campo da autoajuda empresarial ou espiritual. O piloto, neste contexto, se encaixa perfeitamente em todo este repertório antiprogressista vislumbrado por Dória, pois ícones da sociedade do marketing são apaixonadamente admirados e potencializados ao extremo ainda mais quando atingem o grau de mitos humanos ao terem suas trajetórias marcadas pela tragédia, sejam eles desportistas, artistas, políticos ou empresários. O inexplicável é o alimento da mente reacionária. 

Aliás, nada mais mitológico — leia-se falso — do que a improvável eleição de um candidato que sempre transitou nos campos do poder político, tendo sido até secretário de estado e que se elegeu com um discurso onde nega a própria política. Que apregoa a ética, mas que se apossou de uma área pública em Campos do Jordão como se fosse sua. Que se arroga como empreendedor liberal e que sempre recebeu polpudas verbas estatais para seus empreendimentos. Que diz que não recebeu herança mesmo sendo descendente de família historicamente rica e dona de engenhos desde os tempos coloniais. Estes qualificantes, evidente, passarão batidos pelos eleitores, pois a tarefa maior de Dória é apagar o progressismo e mitologicamente trazer a velha política com ares de novidade para satisfação coletiva. Na terra que se esforça frequentemente para divulgar seus tradicionais mitos duvidosos — indo da ''Revolução'' de 1932, passando pelos desbravadores bandeirantes e de ser a locomotiva da nação — isto, provavelmente, não será tarefa muito difícil de se realizar.

27 de set. de 2016

O PowerPoint da injustiça

Nota: O uso do PowerPoint como recurso visual visando potencializar indícios comprometedores e induzir a opinião pública sobre a culpabilidade dos réus no processo da ''Lava Jato'' , feito por Deltan Dallagnol com grande estardalhaço, não é invenção do Ministério Público Federal de Curitiba. O procurador skatista se espelhou em uma prática já recorrente nos EUA, onde promotores usam slides com diagramações tendenciosas, frases de efeito retiradas de filmes blockbusters entre outros recursos puramente visuais para fomentar a percepção de dolo nos tribunais — além de estratégias antiéticas para manipular o corpo de jurados. Estas práticas, como não poderia ser diferente, tem sido criticadas por especialistas norte-americanos. O texto abaixo é uma tradução de um artigo do site Wired.

Por Ken Armstrong

No estado de Washington no início deste mês, uma corte de apelação rejeitou uma acusação de assassinato baseados em um trabalho capenga de defesa. Além disto a corte também levou o promotor a perguntar sobre algo muito estranho: uma má apresentação em PowerPoint.

O promotor tinha enfeitado seus argumentos conclusivos para o júri com uma série de slides recheados ''com efeitos sonoros e animação'', escreveu a corte de apelação. Em um dos slides, pegadas eram mostradas ao fundo da tela. Outros slides exibiam ''anéis concêntricos num alvo'' com cada anel correspondendo a uma evidência; o nome do acusado, Sergey Fedoruk estava no centro. O slide final da acusação — a cereja do bolo — foi aberto com os dizeres ''Assassino nº2''. Então, debaixo da legenda, uma única palavra piscava em letras maiúsculas, no formato 96 em vermelho: ''CULPADO''. Enquanto as letras piscavam, o promotor dizia ao juri: ''O acusado é culpado, culpado, culpado.''

Pelo menos em 10 vezes nos últimos dois anos, cortes norte-americanas reverteram condenações porque os promotores haviam violado as regras do argumento justo usando o PowerPoint. E em muitos casos uma corte de apelação observou tais erros de conduta enquanto sustentava a acusação mesmo assim ou enquanto a revertia para outros campos (como ocorreu com  o caso de Sergey Fedoruk). Observadores legais tem relatado há tempos que os promotores usam várias formas de, sorrateiramente,  adulterarem a balança da justiça — tal como esconder evidências abonadoras, eliminar membros do corpo de jurados baseados em raça e entre outras coisas. Agora eles podem acrescentar outra categoria: acusação por PowerPoint. ''Isto é o clássico Uma imagem vale mais do que mil palavras '', disse Eric Broman, um advogado de Seattle que atua em apelações criminais. ''Até onde as cortes digam onde estão os limites, os promotores continuaram a testar estes limites''.

Talvez o mau uso mais comum daquilo que alguns juristas chamam ''advocacia visual'' é a diagramação da palavra ''Culpado'' sobre a foto do acusado. Quase sempre as letras são vermelhas — a ''cor do sangue e a cor usada para denotar perdas'', como uma corte escreveu. Dois meses atrás a Corte de Apelações do estado de Missouri julgou um caso onde a acusação no desfecho da argumentação apresentou um slide usando esta diagramação.

O réu Chadwick Leland Walter havia sido acusado por fabricação de metanfetamina e de subversão da ordem pública. A foto usada para o slide era do arquivo prisional de fotos de Walter — daí a roupa laranja de detento. Como a corte de apelação notou, o estado não poderia forçar Walter a aparecer perante o juri em roupa de presidiário, porque aquilo poderia diluir a presunção de inocência; e o uso  do arquivo legal de fotos pela promotoria teve o mesmo efeito. A corte de apelação disse que é um ''desprezo à lógica'' que um promotor efetue um julgamento equivocado usando uma tática tão ''odienta''. Entretanto a corte reafirmou a culpa de Walter porque o advogado de defesa não apelou até mesmo depois do veredito e porque a evidência de acusação era ''avassaladora'' fazendo com que uma conduta errada de julgamento fosse desconsiderada como fator decisivo.

Em um caso fora da comarca de Pierce, Washington, os promotores foram além. Edward Glasmann foi acusado de assalto, roubo, sequestro e por obstruir um policial. Quando a polícia o prendeu, usaram um revólver de choque que foi dispado em sua cabeça. No argumento final, os promotores usaram o arquivo legal de fotos de Glasmann em três slides consecutivos. No primeiro foi sobreposto — diagonalmente — a palavra "CULPADO" (''GUILTY") em cima da face desfigurada do acusado. No seguinte slide adicionou-se uma segunda diagonal ''CULPADO" formando um X. O último slide mostrou mais um ''CULPADO", este disposto horizontalmente. Não pudemos obter as versões coloridas dos slides (a cor das letras era vermelha, ressalte-se), mas existe uma versão das fotos em branco-e-preto.

Em dezembro de 2012 a Suprema Corte de Washington anulou a acusação de Glasmann baseada nos slides ''altamente sensacionalistas''. Como regra geral, as cortes não querem que promotores expressem suas opiniões pessoais para um juri; deles se esperam que expressem seus argumentos baseados naquilo que as evidências mostram. Colocar a palavra ''CULPADO" em um slide — não uma ou duas, mas três vezes — foi uma ''flagrante e mal intencionada'' violação deste princípio, sentenciou a Suprema Corte de Washington. As legendas sobrepostas nas fotos foram ''equivalentes a evidência sem valor''.

Um juiz, Tom Chambers, escreveu que ficou estupefato com a argumentação do estado de que não havia nada de errado com alterações digitais do álbum do acusado. ''Sob a lógica do estado, em um caso de disparo por arma de fogo, não haveria nada de impróprio com o fato do Estado alterar uma imagem do acusado com Photoshop colocando uma arma em sua mão'', Chambers escreveu.

Jeffey Ellis, um advogado de Portland, Oregon representou Glasmann em apelação. "Nós sabemos todos que a publicidade pode tentar persuadir as pessoas em níveis de subconsciência'', disse Ellis em uma entrevista. ''Mas não penso que o sistema da justiça criminal queira entrar neste campo de batalha.'' Este ano, em Junho, Ellis ganhou em outra apelação que desafiou o uso dos promotores com PowerPoint. O cliente de Ellis naquele caso, Jay Earl McKague tinha sido acusado em Washington por roubo a residência e assalto — e sentenciado como um criminoso não primário sem direito a liberdade condicional. Uma corte de apelação de Washington revogou a sentença por causa de um slide que mostrava o acusado com a legenda ''CULPADO'' colocada sobre seu rosto centralizado em um esquema de acusações disponibilizadas em círculo tais como ''pegou um balde de ostras'', ''praticou lesão corporal'', ''ofereceu forte resistência'', ''usou da força para obstruir a lei'', ''premeditou o roubo à casa'', '''o acusado lançou mão de força na captura'', etc.

A corte denominou este slide — composto de um retrato de McKague tirado por uma câmera de segurança —''um artifício calculado usado pelo promotor para manipular a deliberação racional do juri e prejudicar sua função elucidadora  dos fatos.''

Os promotores, por sua vez, reconhecem que eles precisam tomar o mesmo cuidado com seus recursos visuais como eles fazem com o discurso falado. ''O apelo visual são uma parte de qualquer acusação moderna '', disse o promotor público do condado de Pierce, Mark Lindquist em entrevista. ''Nós usamos agora o PowerPoint no lugar de giz e lousa. Mas as ideias básicas permanecem as mesmas.'' Assim como os promotores há 30 anos atrás não podiam escrever em um exibição em tinta vermelha, eles não podem fazer isto hoje com um software, disse, adicionando: ''Novas ferramentas, velhas regras.''

O uso de recursos visuais sofisticados no tribunal se expandiu nos últimos anos, graças às pesquisas sobre o poder do método pedagógico infantil do ''aponte-e-fale''. A empresa de consultoria em julgamentos DecisionQuest diz aos advogados que quando eles dão aos jurados infomações verbais, somente 10 por cento do juri retêm estas informações após três dias. Mas se os advogados providenciam informações visuais, a retenção dos jurados sobre para 65 por cento. Os advogados sejam em casos civis ou criminais tem aproveitado desta vantagem, integrando recursos visuais indo de simples slides a gráficos animados em suas apresentações nos tribunais. Em um caso de processo civil na comarca de Los Angeles, um querelante gastou US$ 60,000 em um slide show com PowerPoint. 

Os promotores, enquanto isto, têm usado slides em uma variedade de formas criativas, desde mostrar uma faca de açougueiro ensanguentada em uma tela de 1,50 cm x 1,50 cm (no Missouri), passando a citações de Marlon Brando de ''O Poderoso Chefão'' (no Havaí), até descrever o réu como a personificação do diabo  — isto aconteceu em Ohio, onde uma corte do estado se referiu a imagem como um ''flagrante excesso dos limites do profissionalismo e do decoro'', mas que manteve a acusação assim mesmo.

Em 2003 o setor de treinamento da Associação Nacional dos Advogados Distritais — ''Escola Americana de Promotores'' como eles se autodenominam — publicou um livro de 290 páginas que ensina aos promotores como usar os recursos visuais. Em uma tentativa de rigor, o livro diz, ''descarte as cores delicadas''. Piadas nada sutis se destacam entre as lições; um dos gráficos mostra a evidência em uma fatia de pão: ''SE VOCÊ CORTÁ-LO, O ACUSADO SERÁ CULPADO''.  Em outro gráfico, que resume as evidências da promotoria em tijolos empilhados, lê-se: ''O TEXTO ESTÁ NA PAREDE". Os truques verbais — ''impactantes para os jurados'' — funcionam bem especialmente com slideshow, recomenda o livro, que dá o exemplo da palavra ''CULPADO'' (em inglês ''GUILTY") — neste caso um acrônimo reunindo expressões no idioma como ''deu um falso nome ao policial'', ''não explicou o que fazia ali'', ''eu não sei o que tem na mala'', ''deixou a cena do crime depressa'', ''a droga não é minha'' e ''você não confia nos agentes''.

O livro tem várias ilustrações criativas (e por vezes questionáveis) que fazem uso de um retrato prisional — colocando tudo centralizado, como se fosse um alvo — e dá muitas sugestões de visualização do conceito de ''razoabilidade da dúvida'', um conceito que tem posto promotores em apuros com as cortes de apelação inúmeras vezes. Um recurso citado lembra o game-show norte-americano  ''Roda da Fortuna'' (no Brasil, ''Roda a Roda Jequiti''), sugerindo slides que remontem a um painel da atração televisiva, deixando algumas palavras-chave retiradas da frase ''O Réu é Culpado'' e pedindo aos jurados que tentem resolver o jogo. 

Outro estilo de acusação pelo PowerPoint: slides que tentam explicar princípios legais. Dois meses atrás, uma corte de apelação em Nova Jersey lançou duas acusações de assalto em um caso onde o acusado dizia que tinha medo de ser linchado. No argumentação final, o promotor apresentou slides com ''trechos sobre a lei de legítima defesa que eram tão simplórias quanto enganosas'', a corte relatou. ''O mais grave, estas simplificações extremadas proporcionavam conteúdo de apelo ''fast-food'' , como aqueles ensinados nas apresentações de PowerPoint habilmente propostos.'' 

Talvez por coincidência, o estado onde os promotores tiverem mais problemas devido ao uso equivocado dos slides é Washington — terra da Microsoft, a fabricante do PowerPoint. Desde Agosto de 2012, as cortes de apelação reverteram pelo menos sete casos no estado. Algumas centradas em imagens sensacionalistas; em outras os promotores usaram slides que descaracterizavam além do tolerável o padrão da razoabilidade da dúvida ou infringiam o direito do réu de ficar em silêncio, e acordo com as regras da apelação.

Os juízes também criticaram os promotores da comarca de Pierce em casos onde as convicções se mantinham. No último ano, por exemplo, a Corte de apelações estadual manteve a condenação de assassinato para Odies Delandus Walker, apesar de acharem que os promotores usaram inadequadamente fotos modificadas que tinham sido aceitas como prova. Em dois slides, a promotoria usou linguagem chula em cima da foto prisional de Walker.

Este artigo foi redigido pelo Projeto Marshall, uma organização sem fins lucrativos que cobre o sistema da justiça criminal nos Estados Unidos. 
(Tradução: Marcos Vinícius Gomes)


Fonte
https://www.wired.com/2014/12/prosecutors-powerpoint-presentations/