10 de jan. de 2015

Eu não sou Charlie Hebdo

por David Brooks

(Nota: o autor traz um texto que mostra o teor de superestima do humor como ferramenta de desconstrução de grupos, religiões, tabus ou instituições, algo visto na defesa da liberdade proposta pelo semanário Charlie Hebdo. Mesmo sendo um contexto como os EUA, o argumento também pode ser válido para o Brasil, um país com recente tradição democrática e onde tem crescido a visibilidade de comentaristas, jornalistas, humoristas e analistas que provavelmente se sentariam na ''mesa infantil'' proposta pelo autor, ao lado da ''mesa adulta''. O traço comum entre todos eles é a reivindicação de uma outorga de seriedade e respeitabilidade que não possuem e que dificilmente conseguirão ter.)

Os jornalistas do Charlie Hebdo estão sendo agora celebrados como mártires defensores da liberdade de expressão. Entretanto, vamos ser realistas: se eles tivessem tentado publicar seu jornal satírico em qualquer campus de universidades americanas nas últimas duas décadas, ele não teria durado 30 segundos. Os alunos e grupos da faculdade teriam lhes acusado de discurso de ódio e a administração teria cortado o financiamento e fechado-lhe as portas.


A reação pública ao ataque em Paris revelou que existem muitas pessoas que são rápidas para mitificar aqueles que ofendem os pontos de vista dos terroristas islâmicos na França, mas que são muito menos tolerantes contra aqueles que ofendem seus próprios pontos de vista domésticos.

Observe todas as pessoas que reagiram de forma veemente às pequenas agressões dos campi de universidades. A Universidade de Illinois demitiu um professor que ensinou a homossexualidade sob a perspectiva da Igreja Católica. A Universidade do Kansas suspendeu outro professor por ter escrito um duro tweet contra a N.R.A (Associação Nacional do Rifle dos EUA). Já a Universidade Vanderbilt desautorizou um grupo cristão que insistia que a instituição deveria ser dirigida por cristãos.

Os norte-americanos podem aclamar o Charlie Hebdo por sua coragem em publicar cartuns ridicularizando o profeta Maomé, mas se Ayaan Hirsi Ali for convidada nas universidades, sempre haverá justificativas para negar-lhe um lugar de destaque. (N.T.: Ayann Hirsi Ali é uma escritora somali naturalizada norte-americana defensora dos diretos das mulheres e ateia).

Este pode ser então um momento de aprendizagem — enquanto estamos aterrorizados pela carnificina sofrida pelos escritores e editores em Paris, é um bom momento para termos uma proposta menos hipócrita em relação a nossas próprios ícones controversos, provocadores e satíricos.

A primeira coisa a dizer, eu imagino, é que independente do que você tenha postado em sua página do Facebook ontem, é equivocado para a maioria de nós dizermos Je suis Charlie Hebdo ou Eu sou Charlie Hebdo. Na verdade, nós não somos comprometidos com o tipo de humor estritamente ofensivo que aquele jornal é especializado.

Podemos partir do seguinte princípio: quando você tem 13 anos, parece desafiador e provocativo ''impressionar a burguesia'', apontar o dedo no olho da autoridade ou ridicularizar as crenças religiosas de outras pessoas.

Mas depois de certo tempo isto parece pueril. A maioria das pessoas vai contra pontos de vista mais complicados e tem uma percepção mais tolerante para com outros — o ridículo se torna menos engraçado quando você fica mais ciente de seus recorrentes atos ridículos. Grande parte de nós tenta mostrar um pouco de respeito por pessoas de diferentes credos e religiões, em um esforço de iniciar conversações ouvindo em vez de insultar.

E, ao mesmo tempo , grande parte de nós sabemos que os provocadores e outras figuras bizarras constituem personagens importantes. Os satíricos e zombadores expõem nossas fraquezas e vaidades quando nos sentimos orgulhosos, ridicularizam a auto-glorificação do sucesso e sublimam as injustiças sociais desmascarando os poderosos. Quando eles são eficazes, nos ajudam a direcionar nossos pontos fracos em conjunto, já que o riso é um dos maiores incentivadores de coesão social.

Além do mais, os provocadores e zombadores expõem a estupidez dos fundamentalistas, que são pessoas que consideram tudo de modo literal. Estes são incapazes de ter pontos de vista divergentes, e não veem que enquanto suas religiões podem merecer a mais profunda reverência, é verdade que a maioria delas são um pouco obscuras. Os humoristas expõem aqueles que são incapazes de rir de si mesmos e ensinar para nós o que provavelmente deveríamos fazer.

Resumindo, ao nos lembrarmos sobre os provocadores e debochados, queremos manter os padrões de civilidade e respeito e ao mesmo tempo dando espaço para estas pessoas criativas e desafiadores que são não são inibidas pelas boas maneiras e pelo bom gosto.

Se você tentar conduzir este equilíbrio com leis, códigos de expressão e banimento de comentaristas, terminará com a censura pura e simples e um diálogo reprimido. É quase sempre um equívoco instigar a repressão de opinião, criando legislações com a segregação dos comentaristas.

Felizmente a conduta social é mais maleável e flexível do que leis e regulações. A maioria das sociedades tem mantido, com sucesso, padrões de civilidade e respeito enquanto mantém abertos caminhos para aqueles que são engraçados, incivilizados e ofensivos.

Em muitas sociedades existe a mesa dos adultos e a mesa das crianças. As pessoas que leem o Le Monde e outros jornais, estão na mesa dos adultos. Os bufões, piadistas natos e pessoas como Ann Coulter e Bill Maher estão na mesa infantil (N.T.: Ann Coulter é uma autora conservadora norte-americana e Bill Maher é um apresentador de talk-show americano que é defensor e usuário da maconha). Eles não têm assegurada a plena respeitabilidade, mas são ouvidos porque em sua artilharia, por vezes, dizem coisas necessárias que ninguém mais está falando.

As sociedades tolerantes, em outras palavras, não reprimem a opinião, mas outorgam diferentes padrões para diferentes tipos de pessoas. Notáveis e conceituados professores são ouvidos com respeito. Os satíricos são ouvidos com um semi-respeito confuso. Os racistas e antissemitas são ouvidos por meio de um filtro de opróbrio e desrespeito. As pessoas que querem serem ouvidas atentamente têm que conquistar o respeito através de suas condutas.

O massacre no Charlie Hebdo deveria ser uma ocasião para o cessamento de legislações sobre opinião. E isto deveria nos lembrar de sermos legalmente tolerantes contra vozes ofensivas, mesmo quando se é socialmente discriminador. 

(Traduzido por Marcos Vinícius Gomes)

24 de out. de 2014

Aécio Neves e a plutocracia

O texto a seguir é uma tradução integral da matéria publicada na edição de 24/02/1977 do jornal The Franklin News-Record, da cidade de Franklin, estado da Virgínia, nos Estados Unidos. A edição pertence à biblioteca pública de Franklin e se tornou notória pelo fato de mostrar uma entrevista com o candidato do PSDB à presidência da República Aécio Neves, na época com 17 anos e que fazia um intercâmbio estudantil.

A entrevista possui elementos suficientes para que se tenha, em tese, uma noção exata de como é a visão sociológica e de mundo de nossas elites. Os pareceres do jovem Aécio, excetuando-se uma certa imaturidade que seria justificável comum a alguém de sua idade, mostram suas ideias equivocadas sobre a organização da sociedade brasileira, em suas características e estruturas mais elementares.

O destaque que se deu à matéria antiga, foi a declaração do candidato mineiro ao The Franklin de que nunca havia arrumado a cama, pois todo mundo no Rio de Janeiro, onde ele vivia então, tinha ''uma ou duas empregadas'', além de assegurar ao jornalista que o entrevistou, que a maioria das mulheres brasileiras não trabalhavam porque não precisavam financeiramente disto (o incauto futuro candidato apenas havia se esquecido que as empregadas que arrumavam as camas de garotos da elite como ele, eram também mulheres...)

Ao ler a entrevista podemos perceber a falta cosmovisão do garoto Aécio — o casuísmo é sua referência. Há sim, um ou outro lampejo, mas no geral o que se nota é que o pensamento voluntarista do futuro governador Mineiro e suas perspectivas foram corroborados em sua trajetória de homem público. A falta de tino social e altruísmo (na entrevista Aécio compara as escolas de elite do Rio de 400 alunos com as escolas públicas norte-americanas com mais de 1000 estudantes, além de afirmar que os brasileiros não estudavam inglês porque não queriam), a falta de cultura geral associada a um viés pernóstico, fazem-nos ver o porquê de a plutocracia e setores médio-classistas o terem como candidato ideal para governar o Brasil.


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A vida não muito diferente de um adolescente do Rio 


Por Bob Bradis, da redação

Para muitos de nós, o Rio de Janeiro é um ponto turístico onde o sol está sempre brilhando, as águas são cristalinas e a temperatura nunca está abaixo dos 21ºC. Deste modo, quando você pergunta porque alguém sairia de lá para vir aos Estados Unidos encarando um inverno rigoroso, deve haver uma boa justificativa.

Para Aécio Neves Cunha há um bom motivo — ele está em um intercâmbio estudantil brasileiro e esteve as últimas semanas na casa de Roger e Pat Davis em Franklin, estado da Virgínia.

Enquanto esquiava num fim de semana o filho do casal, Glenn, conheceu Aécio que lhe contou não ter feito muitas coisas desde que havia chegado ao país. Ele estava hospedado na casa de uma garota juntamente seus pais já há duas semanas e meia, mas disse que não tinha feito nada porque a moça não era muito sociável.

Então, depois de um acordo feito pelas duas famílias, Aécio veio para Franklin para ficar uma semana com a família Davis.

Ele estva cursando a Escola Arlington em Poughkeepsie, Nova York, tendo aulas de cerâmica, transportes, instalação elétrica, educação física e Espanhol. Isto poderia soar como uma rotina tranquila, mas as facilidades no Brasil não são muitas o suficiente para oferecer aos alunos cursos como estes.

Aécio veio para os Estados Unidos pelo programa ''Portas Abertas'' que custou-lhe por volta de US$1000,00. ''A razão de ser tão caro é porque o governo brasileiro quer desencorajar as pessoas a deixarem o país'', explicou na entrevista da última semana.

COMO QUALQUER OUTRO adolescente, Aécio ouve os mesmos grupos de rock e assiste aos mesmos programas de TV. Seus grupos favoritos são Led Zeppelin, The Who, Crosby, Stills, Nash e Young, Prampton e Bob Dylan — de quem ''gosta muito''. Os programas de televisão que assiste são ''Os Waltons'' e ''Kojak''.

Seus esportes favoritos são futebol e vôlei. ''No Brasil todo mundo joga futebol e vôlei. Há um estádio que abriga 150 mil pessoas (NT—ele se refere ao Maracanã) e todo mundo vai ver os jogos dos times de futebol'', diz. 

O futebol americano e o hóquei são difíceis de entender, esta é a sua justificativa para não gostar de assistir aos jogos.

"A comida também é diferente da do Brasil. Lá nós comemos arroz, feijão e mais arroz''. Ele descreve a comida no Brasil como sendo muito apimentada e temperada, por isso ele põe muito sal e pimenta na comida daqui. 

''As pessoas no Brasil não querem aprender Inglês, mas muita gente estuda para trabalhar nas empresas americanas'', diz. Há muitas delas no país, como Shell e Exxon, onde muitos brasileiros trabalham.

A idade permitida para dirigir carros no Rio de Janeiro é 18 anos, mas não é raro ver alguém menor de idade dirigindo. Muitas pessoas tem carros da Chevrolet e da Ford que custam por volta de US$9000,00. Há um carro conhecido como ''Puma'' que é feito no país; Aécio o descreve como sendo muito confortável e bem equipado. As motocicletas são usadas também por muitas pessoas por causa do problema de trânsito intenso na cidade do Rio de Janeiro.

''As escolas no Brasil são bem pequenas comparadas às dos Estados Unidos. Uma escola com quatrocentos alunos é considerada grande no Brasil'', explica Aécio.

Os alunos de lá somente ficam meio período na escola. Existem dois turnos que eles escolhem para frequentar. O primeiro começa às 8h00 e vai até às 12h30; o segundo começa às 13h00 e vai até às 17h30. O ano escolar vai de Março a Junho e então as aulas recomeçam e vão até Novembro. Julho é considerado como mês das férias de inverno.

APÓS O ENSINO MÉDIO a maioria dos estudantes vão, ou para as universidades federais que pagam pelo seu curso, ou para as universidades estaduais que têm mensalidade de US$300,00 em média, paga pelo aluno (NT —há um equívoco na matéria, Aécio confundiu universidades estaduais com ''particulares''). A maioria dos alunos estuda medicina ou direito e pensam em 
conseguir emprego em uma das empresas americanas.

Se o aluno não for para a universidade, pode conseguir um trabalho que pague por volta de US$100,00 mensais — não há salário pago por hora no Brasil.

As mulheres brasileiras tem uma vida tranquila, segundo Aécio. A maioria das mulheres não trabalham porque não precisam, diz, então na maioria do tempo elas passam na praia ou fazendo compras em lojas.

''Todo mundo no Rio tem uma ou duas empregadas, uma para cozinhar e outra para limpar''. Ele acrescenta ainda ''Eu nunca arrumei minha própria cama.''

Aécio planeja se formar em engenharia civil e então provavelmente entrará na política assim como seu pai e seu avô. O pai é deputado federal e seu avô é líder do Partido Democrático (NT—PMDB)no país.

Os brasileiros somente votam em senadores e deputados e são estes mandatários que escolhem o residente do país. O Jornal do Brasil e O Globo são os jornais brasileiros que mantêm a população informada sobre o governo.

Uma coisa de que faz Aécio ter saudades de casa é que nesta semana acontece a maior celebração do país. É o carnaval, que é festejado antes do
início da quaresma e no qual todo mundo celebra. ''Este é o único momento em que as classes baixa e alta se reúnem'', diz Aécio. Ele prosseguiu descrevendo como todos dançam nas ruas, comem, bebem até altas horas e então vão para casa nadar um pouco e então retornam às ruas para celebrar mais. Isto, diz ele, prossegue direto por quatro dias. ''É a melhor época do ano''.

Aécio já voltou para o Rio, mas disse que ele espera retornar e ver outros lugares dos Estados Unidos. ''Especialmente a Disneylândia''.

(Traduzido por Marcos V. Gomes)


Fontes:
http://www.franklintwp.org
http://www.franklintwp.org:85/FDATA/70s/News-Record/1977/1977-02-24.pdf

14 de out. de 2013

Etnias e culturas

Muita coisa equivocada se diz sobre a questão étnica no Brasil. Um dos argumentos mais impressionantes (e com certeza um pensamento preguiçoso) é de que a discriminação, junto com o racismo, seria algo ''da cabeça das pessoas'', pessoas essas, evidente, que fazem parte do lado desfavorável das relações sociais, econômicas e étnicas do Brasil. Ou seja, se uma pessoa se sente discriminada por sua cor/etnia, essa percepção/sensação se daria mais por um estado psicológico da parte ofendida — uma espécie de defesa, um complexo — do que por um sistema simbólico injusto de um país que foi um dos últimos a abolir a escravidão no mundo.

Nós somos seres racionais, naturalmente. Evidente que uma ação, ideia ou ideologia se dá inicialmente no campo da construção de sentidos para depois partirmos para o campo pragmático. Tudo ''vem da mente'', isso é óbvio. Mesmo na área do Direito, onde se julga um assassinato, por exemplo, se observa e se analisa se houve ou não a intenção (ideia) de se matar, sendo algo sempre muito subjetivo na análise das intenções do réu, e daí se parte para a valoração moral que foi, essa sim, construída em sociedade (assim como a simbologia de racismo e superioridade nas sociedades) e essa mesma moral será utilizada para que se puna o culpado pelo ato concreto. No Brasil, quando se fala de injúria ou preconceito racial sempre partimos da premissa (senso comum) de que isso é algo subjetivo, mas na verdade é concebido por meio da construção de sentidos em conjunto com a sociedade.

Daí o absurdo de se dizer que o ''racismo está na cabeça das pessoas'' - seria o mesmo que dizer que ''a defesa da pedofilia está na cabeça dos pedófilos'' ou que ''o nazismo está na cabeça das pessoas nazistas'', sendo que essas ideologias partiram obviamente de ideias (ou da mente) de certos indivíduos, mas que precisam de todo um referencial simbólico e cultural para que sejam disseminadas por todas as sociedades, incluindo publicidade, produções artísticas, livros, etc.

Em alguns setores da mídia — televisão, cinema, publicidade — há, mesmo que de modo não intencional, a construção social do ideário de ''eugenia estética'' — um dos mais elementares instrumentos de afirmação do racismo. Em tempos de pré-racismo científico, o escritor francês Montesquieu (1689-1755) dizia que os negros não poderiam ser considerados gente, pois Deus não seria capaz de colocar alma em pessoas como eles (ele usava o argumento estético para argumentar seu ponto de vista). Isso é um argumento de segregação, pois ainda não havia os tais estudos que tentavam demonstrar a superioridade racial no mundo do século 19. E mesmo estando em uma era pós-racismo científico — onde se media a capacidade mental das pessoas usando a fita métrica (!) — ainda continuamos com o argumento de estética étnica superior/inferior em nossa sociedade e em seu imenso espelho deformado da mídia.

No Brasil a televisão, principalmente, tem papel preponderante na construção da identidade nacional, identidade que todos sabemos é pautada pela tendência prioritária ao padrão estético importado, tanto na utilização de atores, quanto na referenciação de gostos nos mais diferentes campos, como música, cultura ou mesmo a moda. E assim não é difícil deduzirmos que não há, sob essa diretriz, muitas vezes imposta pelo monopólio da televisão, a possibilidade de escolhas de referenciais por cada pessoa em específico para que haja a percepção de uma adequabilidade e construção de uma identidade pessoal, algo geralmente citado por defensores do argumento de que não há discriminação racial no país. Dizer — usando a justificativa subjetiva — que o racismo é a construção do pensamento ''de cada um'' é o argumento mais pueril que se pode ouvir de uma sociedade (do latim socius = ''companheiro'') que, — como o próprio nome já diz — tem a significação gregária e que não geraria uma ''idiossincrasia étnica'' que mudaria de critério e de cor de acordo com o pensamento individual.

25 de jul. de 2013

Lua cheia 'atrapalha' uma boa noite de sono

Lua cheia pode atrapalhar uma boa noite de sono, acreditam os cientistas


Michelle Roberts, Editora de saúde, BBC News online

Pesquisadores encontraram evidências de uma 'influência lunar' em um estudo com 33 voluntários que dormiram em condições estritamente controladas em laboratório.

Quando a lua estava cheia, os voluntários demoraram para adormecer e tiveram uma pior qualidade de sono, apesar de estarem em um quarto escuro, diz o jornal científico ''Current Biology''.

Eles (os voluntários) também tiveram um declínio do hormônio chamado melatonina, que é ligado aos ciclos do relógio biológico.

Quando está escuro, o corpo produz mais melatonina. E produz menos, quando há luz.

Estar exposto à luz brilhante na noite ou com pouca luz durante o dia, pode quebrar os ciclos naturais de melatonina do corpo.

Entretanto, a pesquisa do professor Christian Cajochen e equipe da Universidade Basel, na Suiça, sugere que os efeitos da lua talvez não estejam ligados ao seu brilho. 

Ritmos lunares

Os voluntários não estavam cientes do propósito do estudo e não podiam ver a lua em suas camas durante as pesquisas no laboratório do sono. 

Cada um passou duas noites distintas no laboratório sob observação atenta. 

Os resultados revelaram que próximo à lua cheia, a atividade do cérebro ligada ao sono profundo caiu aproximadamente em um terço. Os níveis de melatonina também caíram. 

Os voluntários também levaram cinco minutos a mais para adormecer e dormiram 20 minutos a menos quando havia lua cheia. 

O professor Cajochen diz: "O ciclo lunar parece influenciar o sono humano, até mesmo quando não se vê a lua e não se sabe qual é a sua atual fase."Algumas pessoas podem ser extraordinariamente sensíveis à lua, dizem os pesquisadores. 

O estudo não foi feito originalmente estabelecido para investigar o efeito lunar. Os pesquisadores tiveram a ideia de fazer a análise lunar anos atrás, enquanto conversavam e bebiam. 

Eles retornaram a seus antigos dados e calcularam se houve ou não lua cheia nas noites que o voluntários tinham dormido no seu laboratório. 

O especialista britânico de sono, Dr. Neil Stanley disse, entretanto, que o pequeno estudo parece ter indicadores significantes. 

''Existe uma forte anedota cultural em relação à lua cheia que não seria surpreendente se ela tivesse influência." 

"É uma destas coisas folclóricas que você suspeita que tem uma raiz de verdade." 

"Agora a ciência está próxima de descobrir qual é o motivo pelo qual nós podemos dormir de modo diferente quando há lua cheia.''

(Tradução: Marcos Vinícius Gomes)

28 de jan. de 2013

Viadutos e boates

Não existem 'ex-honestos'. Ou se é honesto, ou não se é. Existem sim 'ex-corruptos', que por meio da redenção após os erros, podem chegar a esse estágio. Mas para isso não basta o esquecimento, é preciso que haja o reparo e para isso existem leis que protegem a sociedade desse tipo de conduta corrupta. O problema é que a corrupção é endêmica, e no Brasil todos temos o hábito de apontar culpados iniciais, sem percebermos as causas e os efeitos dos acontecimentos que envolvem corrupção. Em Santa Maria, no caso do incêndio da boate Kiss na madrugada de 27/01/2013 e que vitimou 233 pessoas, o que se viu é o resultado da mais pura corrupção da lei, que envolve o público (prefeitura e órgãos fiscalizadores) e o privado (boate, empresários artísticos). Inúmeros indícios mostram isso - irregularidades no funcionamento do estabelecimento, entre elas superlotação e saídas de emergências insuficientes para casos de incêndio, fato que deveria ser fiscalizado pela outra ponta corrompida, o poder público local.

A indústria do entretenimento atual é a antiga 'indústria das empreiteiras', que são lucrativas eleitoralmente tanto quanto construir pontes, viadutos, estradas e túneis e que são ainda fonte de muita corrupção no Brasil. Hoje não há tanto lucro político em mostrar construções de concreto armado, o mais provável é que prefeitos, governadores, principalmente de cidades pequenas e médias, invistam em espetáculos e shows onde essa relação de corrupção aparece. Provavelmente os proprietários da casa onde ocorreu a tragédia de S. Maria tem alto prestígio junto à prefeitura em questão. Donos de casas de shows tem grande movimentação no mundo do entretenimento, sendo alguns deles sócios com artistas e cantores nessas casas. Sendo assim, os prefeitos, na ânsia de conseguir capital eleitoral, tem nos donos de casas de entretenimento aliados importantes para seus intentos. Quem nunca já presenciou ou já foi em um 'show gratuito' em alguma cidade patrocinado pela prefeitura com grande alarde?

Isso talvez explique a negligência na verificação da validade do alvará de funcionamento da boate. O órgão fiscalizador não fez o seu papel, certamente sob orientação superior, a saber, a prefeitura. E isso não tem sido comentado na mídia em geral. Apontam-se culpados isolados, mas sem se atentar para toda essa estrutura de corrupção, do qual, de uma forma ou de outra, estamos imersos. O prefeito da cidade, Cézar Schimer, em entrevistas, apenas faz o de praxe: se exime da responsabilidade, jogando a culpa nos bombeiros. Diz que a casa 'estava liberada' não estando liberada. A boate estava funcionando com o alvará sem valor em processo de renovação desde Agosto de 2012, mas há relatos inciais de que extintores estavam zerados (vencidos) e a casa não tinha saídas necessárias em caso de incêncio. A honestidade (ética) não existiu neste lamentável episódio, então para que se possa reparar o erro irreparável em grande parte impulsionado pela corrupção, que seja aplicada a justiça, não somente apenas judicial, mas a que corrija esse sistema corrupto que tirou a paz de tantas pessoas. Pois sem justiça não há paz, e paz é a única coisa que resta para a remissão de quem teve familiares e conhecidos atingidos pela irresponsabilidade maior do poder público que alimenta toda esta cadeia de corrupção.


http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2013/01/28/boate-kiss-nao-atendia-normas-de-seguranca-diz-engenheiro-do-corpo-de-bombeiros.htm
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/01/28/presos-tentaram-obstruir-ou-manipular-provas-sobre-o-incendio-diz-mp.htm
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1221232-alvara-da-boate-kiss-estava-vencido-desde-agosto-de-2012.shtm
http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/tragedia-desperta-prefeitos-do-brasil-inteiro
http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/tragedia-em-santa-maria/rs-comeca-pericia-na-boate-kiss-em-santa maria,d14c24bd7a08c310VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html

27 de set. de 2012

As princesas lésbicas contra o rato bronzeado

A mostra War Dirty Tortures do mexicano Rodolfo Loaíza, exposta na galeria La luz de Jesus, em Los Angeles, EUA, pode ser chamada de uma exposição iconoclasta que se utiliza de recursos da pop art para seus intentos. Nela são mostrados personagens de filmes de animação clássicos produzidos pela The Walt Disney Company em cenas consideradas provocadoras. Ali há, por exemplo, personagens femininas que povoam há décadas o imaginário de crianças em diversas partes do mundo em cenas de lesbianismo, consumo de drogas ou em situações de degradação moral. Também compondo esse quadro vanguardista, há um discurso intertextual entre várias produções, onde ícones da cultura pop interagem com as criações de Disney em situações bizarras - há uma ilustração onde Branca de Neve é ameaçada de morte pelo personagem Jason, o serial killer da série de filmes de terror 'Sexta-Feira 13'. Ele, nesse quadro, se prepara para dizimar Branca, após já ter decapitado dois coelhinhos e um passarinho. Não é a primeira vez que personagens Disney são utilizados em projetos de releituras traduzidas em obras de pop art. Essas releituras são as preferenciais quando algum artista vanguardista quer transmitir uma atmosfera de engajamento, questionando a gigante do entretenimento e sua ideologia disseminada em produção cultural de escala internacional. A estética kitsch, essencial nestas situações, é amenizada pelo viés de contestação, na criação da possibilidade de reescrita dos valores arraigados nesses produtos culturais com seus ícones, que na visão do artista, são representações de uma inadequação histórica, algo que não pode, sob um olhar crítico, permanecer intocado. É uma espécie de paródia cínica de uma realidade cultural. 

E em uma primária análise de sua linguagem, a pop art contestadora poderia ser classificada como uma obra partidária do contemporâneo politicamente incorreto, expressão certamente desprovida de significado genuíno assim como o politicamente correto, pois a política (no sentido primeiro dado pelos gregos à essa palavra), visaria o bem coletivo, justo, tendo como por base a ética. Veja que a palavra político, pode ser usada no sentido de alguém cortês, polido, em situações diversas. Uma pessoa politicamente incorreta, estaria fora deste contexto e de qualquer possibilidade de ser considerada ética e justa, desprovida de referenciais necessários para a manutenção da vida política (social) plena. O que sobraria nessa classificação da proposta da arte vista na exposição do mexicano Rodolfo Loaíza, seria a nomenclatura de arte politicamente correta (redundância). Pode ser estranho isso, uma arte que visa chocar ser vista como 'correta', mas é um vetor de um mesmo processo que está constituindo as bases do pensamento correto. Na outra ponta deste vetor, está uma espécie de contrapartida. A arte de Loaíza com seus personagens contestadores não teriam razão de ser se não instigassem no observador de sua arte, o desejo de repulsa que culminaria provavelmente no sentimento de repreensão, censura. Mas não há, no atual  estágio o necessário vigor coletivo para isso, pois alguém que censurasse os intentos do artista, seria tido como retrógrado, ou insensível aos ares democráticos e libertários que a mostra se propõe a trazer. Entretanto a censura deve existir, de modo irrevogável, não neste lado do processo, mas apenas em sentido contrário, onde haveria uma tentativa de reescrita histórica, uma reparação de injustiças, para que a proposta politicamente correta tenha razão de ser em sua essência. Porém, necessário dizer, essa censura é constituída de uma representação que alardeia a justiça e a equanimidade, caso alguém questione os meios para que se chegue a esse resultado equânime por meio da patrulha e do cerceamento de ideias, indispensáveis aqui.

É o que ocorre no impasse do personagem de desenhos animados Speedy Gonzales (no Brasil conhecido por Ligeirinho) que foi banido do canal Cartoon Network americano, em uma orquestração de censura visando satisfazer as diretrizes do politicamente correto em voga nos EUA. O personagem da Warner Bros, outra gigante do entretenimento, foi enjaulado por conter, segundo a relações públicas da CN Laurie Goldberg em entrevista ao site FoxNews, mensagens inadequadas para o século 21. E qual seriam essas mensagens? O uso de estereótipos étnicos na construção do personagem de desenho animado. Para Goldberg, é inaceitável o fato de existir um ratinho mexicano que convive com outros ratos (alguns deles que bebem) em aventuras onde os gatos gringos inimigos como Sylvester (no Brasil, chamado de Frajola) são sempre enfrentados com habilidade e inteligência. Nem mesmo a premiação de seu desenho com o Oscar em 1955 e indicações ao prêmio em filmes em 1957 e 1961 foram suficientes para que Speedy fosse liberado da censura no canal para o público americano, o que contemplaria a vontade de centenas de milhares de fãs, inclusive fãs mexicanos. Mas ironicamente, ele não foi banido da versão do Cartoon Network Latin America, direcionado ao público latino, onde é muito popular. Neste caso, o mexicano Rodolfo Loaíza levou a melhor sobre o 'conterrâneo' Ligeirinho. Neste contexto, eles 'formam' forças contrárias, são uma espécie de vetor, um de cabo de guerra que se puxa em apenas um sentido.

Daí a impossibilidade de que se afirme ser o politicamente incorreto a antítese do seu correlato correto. Um mesmo possível apreciador da iconoclastia da exposição War Dirty Tortures que defenda a liberdade de expressão na utilização irrestrita de ícones da cultura pop, dos desenhos infantis em situações de quebra de paradigmas morais, provavelmente seja favorável à censura da exibição de Speedy Gonzales e seu sombrero, juntamente com seus brados de Arriba! Arriba! no Cartoon Network. E este apreciador usaria os argumentos mais desconexos para tal - a preservação das crianças de estereótipos, de situações de violência, de disputa, de concorrência irrestrita entre protagonistas e antagonistas. A censura de um simples personagem de desenho animado seria a reescrita como 'preservação da integridade' das crianças. É uma da pontas do processo, a outra é a tentativa de desconstruir os referenciais que representem a 'cultura indesejável' a ser eliminada (no caso a cultura americana com os personagens Disney). É um paradoxo a situação descrita, ainda mais quando está vinculada às simbologias lúdicas apreendidas pelas crianças. Esse processo de paradoxos politicamente corretos também tem sido visto na justiça - principalmente na brasileira, onde de um lado temos um excessivo instrumental jurídico que favorece de certa forma a não responsabilização de atos infracfionais de menores perante a lei nos mais diversos contextos, sendo que na outra ponta temos o processo de desconstrução das simbologias mais elementares que são a base de uma sociedade justa e que proteja suas crianças e adolescentes. Um exemplo prático de desconstrução de simbologias mais elementares, é a absolvição de um rapaz de 20 anos, acusado de estupro de uma garota de 12, feita pela justiça gaúcha em 2009, sob a alegação de que a garota não era mais virgem quando iniciou o namoro com o jovem maior de idade. Quando existe em um mesmo contexto o nonsense que choca e parece apenas querer desconstruir de modo iconoclástico jogando fora toda uma possibilidade de construção, ao lado de uma certa reescrita das significações de paradigmas justificando-se para isso a reparação de injustiças, temos a mais elementar e contraditória face do politicamente correto. 


14 de ago. de 2012

O dia em que até a rainha virou pop

Em texto sobre a festa de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres 2012 Reinaldo Azevedo destoou do evento, classificando-lhe como 'uma das coisas mais horrorosas de todos os tempos', destacando o fator do  'multiculturalismo', algo negativo na perspectiva do jornalista. Esse 'multiculturalismo' notado por Azevedo foi marcado principalmente pela presença do rapper britânico Dizzee Rascal, que ao lado de outros artistas representantes do mundo pop, foi responsável pela linguagem plural que desagradou a ele e a alguns jornalistas esportivos (Galvão Bueno classificou a festa como 'pouco animada').

Na essência, não houve uma tentativa de se fazer uma festa que transmitisse a ideia de que o Reino Unido é um país multiculturalista, porque a terra da Rainha Elizabeth II já é em si uma mescla cultural há tempos, já desde quando o império que dominou os quatro cantos do planeta por mais de 200 anos caiu em declínio no período do pós-guerra, nos meados do século XX. Só que essa característica multiculturalista do país pop foge da classificação mais comum que essa palavra possa carregar, de aceitação irrestrita de referenciais culturais externos (geralmente de países que foram colonizados e oprimidos pelas potências coloniais europeias), em uma atitude de mea culpa que talvez trouxesse um fardo mais leve para povos  despojados de suas riquezas pelas colônias e que agora sofrem na mão de dirigentes pouco aliados à democracia, entre eles presidentes de países árabes e da África subsaariana.

Desde o início da cerimônia percebeu-se a proposta de se narrar a história e a cultura do país, sem que se utilizasse, necessariamente, a simbologia mais comumente associada à Grã-Bretanha - a pompa e circunstância. Nada de referencias medievais, tudo começa na Inglaterra de Shakespeare concomitante com o reinado de Elizabeth I, período onde se estabeleceram os pilares do que viria a ser o império britânico, uma época de grande progresso cultural e científico. Após isso, vem a Revolução Industrial com a produção em série e com suas chaminés e a expansão de mercados mundo afora. A guerra e suas agruras que são esmaecidas com a arte da literatura com contos infantis, uma especialidade britânica. Mas, esse já é um Reino Unido que não consegue viver apenas do passado relembrando os tempos de glória - decide então usar de sua 'criatividade pragmática' para se reinventar tornando-se, dessa forma, o grande assimilador-transformador de cultura do século XX em inúmeras áreas, o que lhe dará novo fôlego para seguir como uma das mais importantes nações do mundo.

Foi isso o que se mostrou na festa de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres 2012. Os ingleses não tem um ritmo nacional próprio? Não tem importância, pega-se o rock americano que ia mal das pernas nos anos 1960, dá-se uma revigorada nos acordes, na composição, na formação (os grupos de rock praticamente nasceram na Grã-Bretanha) e daí é só esperar o melhor resultado: uma escola que virou referência mundial no ritmo. Na cerimônia havia tantos representantes do rock e do pop, de várias épocas e estilos, que provavelmente não houve quem não se identificasse com um deles. Também um destaque especial para a utilização de percussão nas apresentações, algo que remete às culturas das antigas colônias africanas, que com sua influência, tem importância ímpar na formação de vários ritmos como jazz, blues e o próprio rock-and-roll, algo ignorado por boa parte dos consumidores desses ritmos.

Mas no meio de tanta assimilação de ritmos, estilos e sons diversificados, absorvidos de vários cantos do mundo por onde a Grã-Bretanha já fincou sua bandeira desde os tempos em que o país tinha a maior frota naval do mundo, até à geração Beatles, houve um momento genuinamente britânico. O país que não conseguiu assimilar o cinema, mas que criou Charles Chaplin, teve Elizabeth II como protagonista de uma cena que representa muito bem o humor nonsense inglês (que foi representado na festa de abertura também pelo  genuinamente inglês Mr. Bean). Ela ao lado do personagem James Bond (Daniel Craig) 'tomou parte em uma missão importante' ao lado do espião mais famoso do mundo: 'embarcou' em um helicóptero no Castelo de Buckingham  e 'saltou' no estádio olímpico. Um marcante exemplo de que os ingleses, inclusive a rainha com seu universo burocrático e de formalidades que a faz parecer distante, sabem se reinventar e conseguiram mostrar isso ao mundo nessas olimpíadas, fazendo um evento com criatividade e ousadia, mesmo em tempos difíceis. Tomara que o Brasil consiga também um bom desempenho nesse quesito, e que possa surpreender a todos nós nas próximas olimpíadas.


23 de mai. de 2012

A máscara de O Teatro Mágico

O Teatro Mágico, como o próprio grupo se define, é uma trupe que tem como bandeira a divulgação de sua música por meios digitais através de downloads das canções, disponibilizadas gratuitamente, além de uso maciço de recursos de mídias como as redes sociais. Com esse discurso de produtores independentes de cultura, O Teatro Mágico tem nos últimos oito anos conquistado muitos fãs, na maioria estudantes do Ensino Médio e universitários, que aderem à sua proposta de interatividade que vai além das mídias sociais. Suas apresentações são uma mistura de show musical, teatro, espetáculo circense com saraus. Todos os integrantes, liderados pelo idealizador e dono do grupo, Fernando Anitelli, usam maquiagem de palhaço. A diferenciação está na maquiagem do líder, uma espécie de cópia da máscara de Coringa, arquirrival do personagem dos quadrinhos Batman. A imagem de Anitelli, apesar do apelo em entrevistas de um certo espírito de coletivismo, se sobrepõe sobre os demais integrantes nos materiais de divulgação. Ou ele está representado isoladamente - tal como no cd 'Segundo Ato, onde ele é mostrado segurando uma máscara acompanhado com ilustrações subliminares de uma vagina dilatada sendo cortejada por um espermatozoide - ou então em fotos onde o grupo é mostrado em estilo banda de pagode com ele a frente do grupo disposto em 'v'.
 
As músicas são do próprio Fernando Anitelli em composições de parcerias. Há uma pretensão literária em suas letras, algo explícito em entrevistas de Anitelli e repetido nos depoimentos de fãs d' O Teatro Mágico. O último disco da trilogia do OTM é apresentado como um trabalho que ''representa o amadurecimento musical da banda no último período''. O Teatro é um pacote e tem data para acabar. Como sendo um produto cultural 'validado', talvez daí venha de modo implícito o grande sucesso entre os jovens principalmente, sempre ávidos por vanguardas. O referido cd é o 'A sociedade do espetáculo', termo cunhado por Guy Debord (1931-1994), filósofo francês que fez vários estudos culturais e de comunicação sob uma perspectiva marxista. Neste trabalho, uma das músicas ''O mundo não vale o mundo meu bem'' é mostrada como de inspiração 'drummondiana'. Esse é o mote principal do grupo - o discurso do diálogo com formas ''elevadas'' de cultura (entre elas a literatura), tentando desviar o trajeto da trupe em relação às formas industrializadas de produção musical e cultural atuais.

A questão é que o público principal do grupo de Anitelli são jovens, geralmente os de melhor instrução com acesso a bens culturais inacessíveis a grande parte da população. Um desses bens culturais seriam estudos de língua portuguesa e literatura, literatura que nem sempre é estudada de modo tradicional. É comum entre professores de língua portuguesa a utilização de textos de música popular brasileira para o desenvolvimento de suas aulas. Chico Buarque, Caetano, Renato Russo, Cazuza, e mais recentemente rap, são recorrentes em leituras e exercícios nessas aulas. 
 
O problema maior não é a utilização desses autores, que certamente tem seu valor, mas a utilização única e exclusiva desses autores que, podem ter bebido em fontes de escritores, mas nunca poderão ser comparados a eles. E nessa falha de referenciais de textos autênticos, que certamente deixam lacunas no aprendizado dos alunos, é que se sustém a aura vanguardista de O Teatro Mágico. As letras do grupo, em si, não possuem elementos literários, mas sim o puro e simples jogo de palavras, trava-línguas, comparações. Não existem figuras de linguagem tais como metáforas (p. ex ''Lua, balão dourado sobre mim''), hipérboles ou exageros (p. ex.''Vou te dar a lua''), paradoxos (p. ex. ''Eu amo enquanto te odeio''), prosopopeias ou personificações (''A chuva sussurrou no meu ouvido''). Enfim, esses referenciais não são vistos nas obras do grupo.

Abaixo, alguns trechos (em itálico) de três composições de OTM, que desenvolvem este argumento acima. Eles estão em ordem cronológica de suas produções: 'Entrada para raros' (2003), prosseguindo com 'Segundo Ato' (2008) e com o atual 'A Sociedade do Espetáculo' (2012). O primeiro texto é Sintaxe à vontade, de Fernando Anitelli:

''Sintaxe à vontade''

Sem horas e sem dores,
Respeitável público pagão,
Bem-vindos ao teatro magico.
A partir de sempre
Toda cura pertence a nós.
Toda resposta e dúvida.
Todo sujeito é livre para conjugar o verbo que quiser,
Todo verbo é livre para ser direto ou indireto.
Nenhum predicado será prejudicado,
Nem tampouco a frase, nem a crase, nem a vírgula e ponto final!
Afinal, a má gramática da vida nos põe entre pausas, entre vírgulas,
E estar entre vírgulas pode ser aposto,
E eu aposto o oposto: que vou cativar a todos


O uso da palavra sintaxe (estudo gramatical que analisa na frase os arranjos tais como o sujeito, o predicado, o objeto direto , o indireto,etc) é o tema, que é confundido com 'sinta-se'. Há referências a termos gramaticais, ''aposto''(que é associado com ''oposto''), predicado (que é associado a 'prejudicado'). Nada além disso. O destaque é mesmo os jogos de palavras, comuns em práticas pedagógicas com alunos do ensino fundamental das primeiras séries, mas certamente defasadas para um público de nível secundário ou universitário. A composição, certamente estaria adequada na redação de um programa humorístico de conteúdo familiar e acessível a todos. A seguir, um trecho de ''Pena'' de Fernando Anitelli e Maíra Viana:

''Pena''

O poeta pena quando cai o pano
E o pano cai
Um sorriso por ingresso
Falta assunto, falta acesso
Talento traduzido em cédula
E a cédula tronco é a cédula mãe solteira
O poeta pena quando cai o pano
E o pano cai
Acordes em oferta, cordel em promoção
A Prosa presa em papel de bala
Música rara em liquidação
E quando o nó cegar
Deixa desatar em nós
Solta a prosa presa
A Luz acesa
Lá se dorme um Sol em mim menor

Aqui temos uma brincadeira da ''língua do p''. ''O poeta pena quando cai o pano/ E o pano cai''. Mas não avança mais do que isso,além da associação de 'poeta' e 'pena' (pena com significado de sofrimento e de caneta). Os trocadilhos seguem - ''cédula tronco'' (célula tronco) é a ''cédula mãe (célula mãe) solteira''. E que venham as associações: ''E quando o nó cegar''/''A luz acesa/Lá se dorme um Sol em mim menor''. É pouco motivador saber que uma composição se utiliza de significações do dicionário, ainda mais sabendo que inúmeras palavras do dicionário tem mais de uma significação. Banco (casa de poupança), banco (da praça), banco (de areia) e por aí vai. O que Anitelli propõe é o óbvio exercício de aproximação, algo semelhante àquelas composições que se fazem na escola com recortes de palavras de revista, compondo-se palavras, frases e períodos. 

A seguir, o epílogo da trilogia com Esse mundo não vale o mundo meu bem, onde temos uma diferenciação - infelizmente não no estilo, mas, na ideologia. Nesta última composição analisada, além dos monótonos jogos de palavras, há o engajamento. A parceria universal e fraterna é composta pelos irmãos Fernando e Gustavo Anitelli: 

''Esse Mundo Não Vale o Mundo meu bem''

É preciso ter pra ser ou não ser
Eis a questão
Ter direito ao corpo e ao proceder
Sem inquisição
A impostura cega, absurda e imunda
A quem convém?
Esta hétero-intolerância branca te faz refém
Esse mundo não vale o mundo meu bem
Grita a Terra mãe que nos pariu: Parou
Beleza de natureza vã e vil, cegou
Ser indiferente ao ser diferente
É sem senso.
Agoniza um povo estatisticamente, seu tempo

Na maneira, que for
Na bandeira, na cor

Colonizam o grão, as dores da estação
Somos massas e amostras
Contaminam o chão, família e tradição
Nossas castas encostas


Esqueçamos os óbvios ''Grita a Terra mãe que nos pariu: Parou'' ou então o ''Beleza de natureza vã e vil, cegou'' que podem ser encontrados a varejo em semelhantes de certos setores sofisticadíssimos da MPB. Atentemos para o discurso novo, talvez alimentado pelo entusiasmo para com novas correntes ongueiras, dissociadas dos referenciais históricos, éticos e culturais que são jogados na vala das intenções vanguardistas. Anitelli aposta na mais marqueteiras formas de pensamento, tomando carona no mainstream isento, negador da política, que quer transformar o mundo, mas que não sabe nem governar a própria cozinha.

É lamentável ter que deglutir trechos sem estética, como em ''Ter direito ao corpo e ao proceder / Sem inquisição/ A impostura cega, absurda e imunda/ A quem convém/ Esta hétero-intolerância branca te faz refém/ Contaminam o chão, família e tradição''. Anitelli abusa do tom ao, seguindo a corrente atual, associar clichés históricos e sociológicos misturados com uma boa dose do tempero demagógico. Aonde se encontram indícios que a heterossexualidade é prerrogativa branca? A associação de palavras - ideias - espúrias (''direito ao corpo inquisição/impostura cega, absurda e imunda/intolerância branca te faz refém'') somente faz confundir, trapacear e simular de forma parcial, temas que deveriam ser iluminados de forma competente através da música, cinema, literatura, enfim, da arte. Arte e competência que infelizmente faltam ao O Teatro Mágico.

Somos um país racista, das senzalas e elevadores de serviço. Violento. Desumano. Corrupto. Entretanto, pegar conceitos estereotipados e no mais abjeto processo de pasteurização cultural impor aos jovens e ao público em geral a reescrita de seus ideais, que pelo andar da carruagem - ou da trilogia - não são tão nobres assim, é forçar a nota. Mesmo que se arrogue o justificativa da mudança. O que é mais frustrante é saber, que mesmo se arrogando independente, vanguardista e inovador, O Teatro Mágico é o mais do mesmo. Disponibiliza músicas em um período onde o cantor/compositor ganha irrisoriamente por vendas de cd's. Faz coro contra o mainstream cultural, mas canta em salas de espetáculos ''nobres'' e caras. Tem o discurso da fraternidade incondicional, mas a refuta ao abraçar ideologias que satisfazem suas necessidades egoísticas imediatas que afrontam, sem direito ao debate, os seus semelhantes, suas crenças, histórias, posturas morais e éticas. E o mais frustrante ainda, entre aquilo que já não poderia ser mais desabonador, é saber que muitos continuam bebendo da fonte jorrada por Anitelli e sua trupe. São jovens que em pouco tempo terão suas vidas mundo afora alimentados certamente pelos conceitos pouco altrístas do O Teatro Mágico. É sabido que Anitelli tem tido problemas de alergia devido à maquiagem facial. Quando a máscara cair e o circo tiver descido a lona, o estrago já estará feito. Ele contará os lucros, enquanto o público jovem, já tão manipulado e mal orientado terá, ecoando em suas mentes, a didática nada fraterna da trilogia de O Teatro Mágico.

Fontes:
http://tramavirtual.uol.com.br/o_teatro_magico/
http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Teatro_M%C3%A1gico
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Anitelli
http://www1.folha.uol.com.br/folhateen/939798-trupe-do-teatro-magico-prepara-terceiro-disco-para-setembro.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u414584.shtml
http://oteatromagico.mus.br/