23 de mai. de 2012

A máscara de O Teatro Mágico

O Teatro Mágico, como o próprio grupo se define, é uma trupe que tem como bandeira a divulgação de sua música por meios digitais através de downloads das canções, disponibilizadas gratuitamente, além de uso maciço de recursos de mídias como as redes sociais. Com esse discurso de produtores independentes de cultura, O Teatro Mágico tem nos últimos oito anos conquistado muitos fãs, na maioria estudantes do Ensino Médio e universitários, que aderem à sua proposta de interatividade que vai além das mídias sociais. Suas apresentações são uma mistura de show musical, teatro, espetáculo circense com saraus. Todos os integrantes, liderados pelo idealizador e dono do grupo, Fernando Anitelli, usam maquiagem de palhaço. A diferenciação está na maquiagem do líder, uma espécie de cópia da máscara de Coringa, arquirrival do personagem dos quadrinhos Batman. A imagem de Anitelli, apesar do apelo em entrevistas de um certo espírito de coletivismo, se sobrepõe sobre os demais integrantes nos materiais de divulgação. Ou ele está representado isoladamente - tal como no cd 'Segundo Ato, onde ele é mostrado segurando uma máscara acompanhado com ilustrações subliminares de uma vagina dilatada sendo cortejada por um espermatozoide - ou então em fotos onde o grupo é mostrado em estilo banda de pagode com ele a frente do grupo disposto em 'v'.
 
As músicas são do próprio Fernando Anitelli em composições de parcerias. Há uma pretensão literária em suas letras, algo explícito em entrevistas de Anitelli e repetido nos depoimentos de fãs d' O Teatro Mágico. O último disco da trilogia do OTM é apresentado como um trabalho que ''representa o amadurecimento musical da banda no último período''. O Teatro é um pacote e tem data para acabar. Como sendo um produto cultural 'validado', talvez daí venha de modo implícito o grande sucesso entre os jovens principalmente, sempre ávidos por vanguardas. O referido cd é o 'A sociedade do espetáculo', termo cunhado por Guy Debord (1931-1994), filósofo francês que fez vários estudos culturais e de comunicação sob uma perspectiva marxista. Neste trabalho, uma das músicas ''O mundo não vale o mundo meu bem'' é mostrada como de inspiração 'drummondiana'. Esse é o mote principal do grupo - o discurso do diálogo com formas ''elevadas'' de cultura (entre elas a literatura), tentando desviar o trajeto da trupe em relação às formas industrializadas de produção musical e cultural atuais.

A questão é que o público principal do grupo de Anitelli são jovens, geralmente os de melhor instrução com acesso a bens culturais inacessíveis a grande parte da população. Um desses bens culturais seriam estudos de língua portuguesa e literatura, literatura que nem sempre é estudada de modo tradicional. É comum entre professores de língua portuguesa a utilização de textos de música popular brasileira para o desenvolvimento de suas aulas. Chico Buarque, Caetano, Renato Russo, Cazuza, e mais recentemente rap, são recorrentes em leituras e exercícios nessas aulas. 
 
O problema maior não é a utilização desses autores, que certamente tem seu valor, mas a utilização única e exclusiva desses autores que, podem ter bebido em fontes de escritores, mas nunca poderão ser comparados a eles. E nessa falha de referenciais de textos autênticos, que certamente deixam lacunas no aprendizado dos alunos, é que se sustém a aura vanguardista de O Teatro Mágico. As letras do grupo, em si, não possuem elementos literários, mas sim o puro e simples jogo de palavras, trava-línguas, comparações. Não existem figuras de linguagem tais como metáforas (p. ex ''Lua, balão dourado sobre mim''), hipérboles ou exageros (p. ex.''Vou te dar a lua''), paradoxos (p. ex. ''Eu amo enquanto te odeio''), prosopopeias ou personificações (''A chuva sussurrou no meu ouvido''). Enfim, esses referenciais não são vistos nas obras do grupo.

Abaixo, alguns trechos (em itálico) de três composições de OTM, que desenvolvem este argumento acima. Eles estão em ordem cronológica de suas produções: 'Entrada para raros' (2003), prosseguindo com 'Segundo Ato' (2008) e com o atual 'A Sociedade do Espetáculo' (2012). O primeiro texto é Sintaxe à vontade, de Fernando Anitelli:

''Sintaxe à vontade''

Sem horas e sem dores,
Respeitável público pagão,
Bem-vindos ao teatro magico.
A partir de sempre
Toda cura pertence a nós.
Toda resposta e dúvida.
Todo sujeito é livre para conjugar o verbo que quiser,
Todo verbo é livre para ser direto ou indireto.
Nenhum predicado será prejudicado,
Nem tampouco a frase, nem a crase, nem a vírgula e ponto final!
Afinal, a má gramática da vida nos põe entre pausas, entre vírgulas,
E estar entre vírgulas pode ser aposto,
E eu aposto o oposto: que vou cativar a todos


O uso da palavra sintaxe (estudo gramatical que analisa na frase os arranjos tais como o sujeito, o predicado, o objeto direto , o indireto,etc) é o tema, que é confundido com 'sinta-se'. Há referências a termos gramaticais, ''aposto''(que é associado com ''oposto''), predicado (que é associado a 'prejudicado'). Nada além disso. O destaque é mesmo os jogos de palavras, comuns em práticas pedagógicas com alunos do ensino fundamental das primeiras séries, mas certamente defasadas para um público de nível secundário ou universitário. A composição, certamente estaria adequada na redação de um programa humorístico de conteúdo familiar e acessível a todos. A seguir, um trecho de ''Pena'' de Fernando Anitelli e Maíra Viana:

''Pena''

O poeta pena quando cai o pano
E o pano cai
Um sorriso por ingresso
Falta assunto, falta acesso
Talento traduzido em cédula
E a cédula tronco é a cédula mãe solteira
O poeta pena quando cai o pano
E o pano cai
Acordes em oferta, cordel em promoção
A Prosa presa em papel de bala
Música rara em liquidação
E quando o nó cegar
Deixa desatar em nós
Solta a prosa presa
A Luz acesa
Lá se dorme um Sol em mim menor

Aqui temos uma brincadeira da ''língua do p''. ''O poeta pena quando cai o pano/ E o pano cai''. Mas não avança mais do que isso,além da associação de 'poeta' e 'pena' (pena com significado de sofrimento e de caneta). Os trocadilhos seguem - ''cédula tronco'' (célula tronco) é a ''cédula mãe (célula mãe) solteira''. E que venham as associações: ''E quando o nó cegar''/''A luz acesa/Lá se dorme um Sol em mim menor''. É pouco motivador saber que uma composição se utiliza de significações do dicionário, ainda mais sabendo que inúmeras palavras do dicionário tem mais de uma significação. Banco (casa de poupança), banco (da praça), banco (de areia) e por aí vai. O que Anitelli propõe é o óbvio exercício de aproximação, algo semelhante àquelas composições que se fazem na escola com recortes de palavras de revista, compondo-se palavras, frases e períodos. 

A seguir, o epílogo da trilogia com Esse mundo não vale o mundo meu bem, onde temos uma diferenciação - infelizmente não no estilo, mas, na ideologia. Nesta última composição analisada, além dos monótonos jogos de palavras, há o engajamento. A parceria universal e fraterna é composta pelos irmãos Fernando e Gustavo Anitelli: 

''Esse Mundo Não Vale o Mundo meu bem''

É preciso ter pra ser ou não ser
Eis a questão
Ter direito ao corpo e ao proceder
Sem inquisição
A impostura cega, absurda e imunda
A quem convém?
Esta hétero-intolerância branca te faz refém
Esse mundo não vale o mundo meu bem
Grita a Terra mãe que nos pariu: Parou
Beleza de natureza vã e vil, cegou
Ser indiferente ao ser diferente
É sem senso.
Agoniza um povo estatisticamente, seu tempo

Na maneira, que for
Na bandeira, na cor

Colonizam o grão, as dores da estação
Somos massas e amostras
Contaminam o chão, família e tradição
Nossas castas encostas


Esqueçamos os óbvios ''Grita a Terra mãe que nos pariu: Parou'' ou então o ''Beleza de natureza vã e vil, cegou'' que podem ser encontrados a varejo em semelhantes de certos setores sofisticadíssimos da MPB. Atentemos para o discurso novo, talvez alimentado pelo entusiasmo para com novas correntes ongueiras, dissociadas dos referenciais históricos, éticos e culturais que são jogados na vala das intenções vanguardistas. Anitelli aposta na mais marqueteiras formas de pensamento, tomando carona no mainstream isento, negador da política, que quer transformar o mundo, mas que não sabe nem governar a própria cozinha.

É lamentável ter que deglutir trechos sem estética, como em ''Ter direito ao corpo e ao proceder / Sem inquisição/ A impostura cega, absurda e imunda/ A quem convém/ Esta hétero-intolerância branca te faz refém/ Contaminam o chão, família e tradição''. Anitelli abusa do tom ao, seguindo a corrente atual, associar clichés históricos e sociológicos misturados com uma boa dose do tempero demagógico. Aonde se encontram indícios que a heterossexualidade é prerrogativa branca? A associação de palavras - ideias - espúrias (''direito ao corpo inquisição/impostura cega, absurda e imunda/intolerância branca te faz refém'') somente faz confundir, trapacear e simular de forma parcial, temas que deveriam ser iluminados de forma competente através da música, cinema, literatura, enfim, da arte. Arte e competência que infelizmente faltam ao O Teatro Mágico.

Somos um país racista, das senzalas e elevadores de serviço. Violento. Desumano. Corrupto. Entretanto, pegar conceitos estereotipados e no mais abjeto processo de pasteurização cultural impor aos jovens e ao público em geral a reescrita de seus ideais, que pelo andar da carruagem - ou da trilogia - não são tão nobres assim, é forçar a nota. Mesmo que se arrogue o justificativa da mudança. O que é mais frustrante é saber, que mesmo se arrogando independente, vanguardista e inovador, O Teatro Mágico é o mais do mesmo. Disponibiliza músicas em um período onde o cantor/compositor ganha irrisoriamente por vendas de cd's. Faz coro contra o mainstream cultural, mas canta em salas de espetáculos ''nobres'' e caras. Tem o discurso da fraternidade incondicional, mas a refuta ao abraçar ideologias que satisfazem suas necessidades egoísticas imediatas que afrontam, sem direito ao debate, os seus semelhantes, suas crenças, histórias, posturas morais e éticas. E o mais frustrante ainda, entre aquilo que já não poderia ser mais desabonador, é saber que muitos continuam bebendo da fonte jorrada por Anitelli e sua trupe. São jovens que em pouco tempo terão suas vidas mundo afora alimentados certamente pelos conceitos pouco altrístas do O Teatro Mágico. É sabido que Anitelli tem tido problemas de alergia devido à maquiagem facial. Quando a máscara cair e o circo tiver descido a lona, o estrago já estará feito. Ele contará os lucros, enquanto o público jovem, já tão manipulado e mal orientado terá, ecoando em suas mentes, a didática nada fraterna da trilogia de O Teatro Mágico.

Fontes:
http://tramavirtual.uol.com.br/o_teatro_magico/
http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Teatro_M%C3%A1gico
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Anitelli
http://www1.folha.uol.com.br/folhateen/939798-trupe-do-teatro-magico-prepara-terceiro-disco-para-setembro.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u414584.shtml
http://oteatromagico.mus.br/

21 de mai. de 2012

Plutocracia televisiva

O programa 'Agora é tarde' de Danilo Gentili apresentou em uma de suas edições,  durante o quadro Mesa Vermelha (uma espécie de resenha), um trecho do programa 'Caldeirão do Huck', onde o apresentador Luciano Huck interagia com uma dançarina de escola de samba. Neste vídeo, um descontraído Huck perguntava qual era a profissão da moça (ela era professora de Língua Portuguesa) para, em sequência, pedir para que ela repetisse algumas palavras complexas, além do trava-língua 'Em um ninho de mafagafos'. De pronto ela respondeu a ele que era professora e não fonoaudióloga. Ao fim da exibição do vídeo, Ronald Rios, que é repórter do 'CQC', afirmou de modo jocoso, que Huck não consegue viver com a ideia que alguém pode ter 'dois talentos'. E ainda salientou que Luciano Huck teve entre suas criações as dançarinas Feiticeira e Tiazinha, além de ter copiado a ideia do programa 'Pimp my ride' da MTV americana, que 'repagina' carros velhos de telespectadores. Detalhe: neste programa, o participante não precisa se submeter a provas vexatórias, para fazer jus à reforma.

Luciano Huck, faz parte de uma linhagem, tal como Roberto Justus e em menor escala, João Dória Jr, que poderia ser chamada de 'plutocracia televisiva'. Trazem à televisão, além de conteúdos agregados aos seus talentos individuais e suas imagens, também um conceito diferente daquele geralmente associado às pessoas do veículo, um tipo de ideal de bem-aventurança já construído mesmo antes do ingresso nas mídias onde trabalham. Esse ideal de profissionais de mídia bem sucedidos, ligado a uma imagem de habilidade nos negócios e  administração da carreira parece ser um fenômeno pós 1990, quando diretores executivos (também conhecidos como CEO's) começaram a ganhar destaque em noticiários, jornais em revistas, sendo alardeados como novos referenciais de visão empreendedora, empenho pessoal, arrojo e senso de oportunidade. Seriam, de forma abreviada, novos ícones neoliberais. 

Além de terem suas trajetórias vislumbradas pela mídia especializada em economia e negócios, seus exemplos de bem-aventurança foram disponibilizados para o público leigo por meios de livros best-sellers de auto-ajuda, com dicas de conduta para se chegar ao sucesso profissional e pessoal. Verdadeiros manuais para aqueles que vislumbravam algo a mais do que uma carreira modesta acompanhada de uma modesta visualização social, comumente propagada como algo secundário, mas de modo pragmático, requisitada em qualquer núcleo social. Jack Welch, Abílio Diniz, Donald Trump entre outros gurus começaram a discorrer, para o leitor necessitado de iluminações e dicas para suas carreiras, como venceram os desafios, inovaram subjugando propostas ultrapassadas, lideraram grupos, instituíram novos conceitos, assegurando seus nomes entre aqueles que fazem a diferença no inclemente mundo corporativo. Enfim, como fizeram, cada qual a seu modo, suas reengenharias. Reengenharia é um termo muito recorrente nesse meio empresarial, algo como 'reajustes operacionais' - eufemismo para readequações que culminam quase sempre em demissões, terceirizações, precarização de contratos trabalhistas, entre outros 'reajustes'.

Mas o grande desafio no caso específico dos 'bem-aventurados' nos negócios que enveredaram pelos corredores da mídia televisiva, difundindo seus valores e conceitos através das telas dos mais diversos telespectadores, é conseguir justificar seus talentos de comunicadores, eliminando a desconfiança que o público em geral tem para com eles e em relação a seus eventuais potenciais de apresentadores. Algo que tire o estigma de aventureiros em busca de 'realizações egocêntricas', que mostre ao público que eles tem potencial para transformar suas habilidades de gerência em algo mais subjetivo e mais empático, e consequentemente, mais artístico. O apresentador Silvio Santo talvez transmita isso, já que consegue conciliar as facetas de administrador e artista de forma satisfatória diante do público.

Entretanto - e isso pode ser justificado pelo comentário de Ronald Rios - essa é uma possibilidade que ainda não foi atingida pelos 'novos artistas' televisivos citados. Analisando-os um a um, não temos boas perspectivas. Peguemos inicialmente Dória Jr, que parece mais um propagandista nato das virtudes (ninguém quer questioná-las aqui) dos entrevistadores em seu 'Show Business', com citações de casuísmos  e anedotas de 'homens de valor' que deixam qualquer 'mortal' telespectador ressabiado, pedindo para que o programa acabe logo. Já sua performance de showman no nefando 'O Aprendiz', quando assume o chefe 'morde-assopra' é de fazer arrepiar os cabelos já arrepiados de Donald Trump. 

O que dizer então de Roberto Justus, o apresentador-cantor que, de forma canastrona personificou a megalomania filistina misturada a um toque de brejeirice tupiniquim? Como justificar a encenação de si próprio, dialogando com seu próprio ego em situações de um reality show que, enevoado sob a aura de entretenimento pedagógico, traduz o que há de mais caricatural e 'representativo' do mundo corporativo? 

Finalizando, como justificar Luciano Huck, o mais palatável e bem sucedido dos self made men que continua a sua sina de apresentador iniciada 'por cima' quando, empresário da noite, arrendava horários de madrugada na televisão para fazer sua versão 'Amaury Jr. descolada'? Como ser condescendente com alguém que lançou dois 'personagens fetiches sexuais', além de cópias de quadros de  programas  tanto nacionais  quanto estrangeiros? Luciano, por ser o mais novo dos três apresentadores, poderia olhar para sua trajetória e repensá-la com mais atenção. Um bom talento pode valer mais do que mil moedas. Mas quem tem mil moedas, talvez não encontre um talento disponível para aquisição imediata, mesmo que procure de modo eficiente dia e noite.


13 de fev. de 2012

Maconha nos olhos alheios nem sempre é refresco

O episódio ocorrido no show de despedida de Rita Lee em Aracaju quando ela, de modo incivilizado, censurou os policiais militares de Sergipe por terem abordado usuários de maconha infiltrados entre seus fãs, poderia ser apenas mais um evento alavancador do intrigante debate sobre legalização de drogas ilícitas e liberdades individuais. Entretanto, o fato pode ser considerado mais proveitoso se analisado sob uma outra perspectiva - a leitura do uso político nas políticas de combate às drogas.

Para tanto, vejamos o impasse detectado na operação da PM de São Paulo que, na região central da capital, está atuando de forma efetiva na área conhecida como 'cracolândia', região esta caracterizada pelo intensivo comércio de crack, acompanhada, a olhos vistos, das consequências que o consumo desta droga causa em seus usuários. Nos primeiros dias da operação do poder público, que englobou polícia, serviços de saúde e de assistência social, houve grande resistência por parte de setores progressistas. Por mais que se justificasse a ação do poder público em favorecimento dos usuários largados à própria sorte, associada à repressão ao comércio de entorpecentes na região, o que beneficiaria a população como um todo, legítima dona dos espaços públicos antes ocupados pela delinquência, não faltaram os discursos contrários à ostensiva do poder público.

A mídia foi invadida por ongueiros, por defensores da descriminação do uso de drogas ilícitas e por representantes do Ministério Público paulista que, ligados ao discurso da esquerda nacional, bradaram seus já cansados slogans 'anti-opressão'. Inúmeros argumentos brotaram no mar das intenções libertárias: que os usuários estariam sendo cerceados em seus direitos e a operação não estaria sendo eficiente (o promotor Eduardo Ferreira Valério chegou a afirmar que a operação trazia 'dor e sofrimento' aos usuários, em uma crítica politizada à questão de segurança e saúde pública); que haveria uma tentativa de higienização social na região. Após discussões entre representantes do Ministério Público e setores da PM, e outros representantes dos governos estaduais e municipal, a operação na região central da capital paulista prosseguiu com resultados positivos para a sociedade, que apóia de modo maciço a ocupação da área degradada pelo poder público, para posterior devolução aos cidadãos.

Voltando ao episódio de Aracaju, poderíamos fazer um paralelo. No show de Rita Lee, a PM sergipana foi hostilizada com palavrões pela cantora paulistana, uma reação inconsequente para com a força policial, que tem em suas metas principais, proteger e servir a população, patrocinando a ordem e a observância às leis. Ali, a polícia, sob o comando máximo do governador Marcelo Déda, situou-se entre a cruz e a caldeirinha - se não reagisse com rigor, frente aos impropérios de Lee, seria tachada como leniente para com a delinquência; se tentasse a retirada dos fãs usuários de maconha, poderia haver tumulto (o que seria provável, visto que os neurônios da musa mutante pareciam propensos a tal ato de apologia à violência contra os policiais). Felizmente prevaleceu o bom senso e sob o comando do governador Déda, os integrantes da PM saíram das proximidades do palco durante o show - o que não significou vistas grossas, pois Rita Lee foi levada para a delegacia para depoimentos. Como toda revolucionária de shopping center, ao retornar a SP, Rita ficou muda, justificando-se estar seguindo recomendações de seu advogado.

O paralelo que se quer fazer aqui é o da efetividade do discurso tão querido e difundido pela esquerda em favor de supostas liberdades individuais, sempre endossadas pelo discurso 'progressista' dos setores mais liberais de nosso país. E o mais intrigante, é a contrariedade entre a teoria e a prática (algo comum entre sistemas direcionados pelo pensamento de esquerda). Vejamos no caso de Aracaju: porque não houve um bom senso em se abordar os usuários? Em um grupo reduzido de usuários que foi detectado, um ou dois policiais militares seriam suficientes e não haveria problemas de acirramento de ânimos. Por que a polícia, sob o comando do petista Déda não fez isso? Ela agiria com a mesma efetividade em situações corriqueiras? 

Evidente que não, pois o estado, sob a perspectiva da esquerda, é supremo, suprimindo sempre as liberdades individuais, sendo por vezes exaltado em situações arbitrárias, onde são justificadas incoerências em favor de ideais da revolução. Certamente Rita foi para a delegacia mais por ter desrespeitado a PM (que certamente deve ser respeitada) do que pela apologia às drogas. Um argumento efetivo para esta afirmativa? Basta olharmos a falta de políticas e campanhas estatais do governo federal visando o combate às drogas - para sermos justos,diga-se de passagem, atualmente há uma campanha contra o crack, mas pelas circunstâncias e pela proximidade de seu lançamento com as operações da polícia paulistana na 'cracolândia', percebe-se o viés político nesta campanha. E além disso, por que apenas contra o crack? Maconha, cocaína e drogas sintéticas não são danosas também à saúde e à população? Ou teriam essas drogas um charme impossível de ser encontrado em seu concorrente mais letal, crack? 

Sempre que se discute uma eventual legislação que favoreça a descriminação das drogas, estudos são mostrados, evidências colhidas de países de primeiro mundo discutidas, discursos intelectualizados de artistas, formadores de opinião são exaustivamente disseminados numa tentativa de que a comunidade aceite os argumentos dos defensores da canábis. Mas será que os atuais defensores da descriminação das drogas em uma sociedade democrática como a nossa teriam argumentos para continuar a defendê-las em sociedades que são modelos de repressão aos direitos individuais, de desrespeito aos direitos humanos, de cerceamento à liberdade de expressão e de imprensa? Será que o fariam com tanta propriedade em países 'democráticos' (sob uma visão esquerdista) como Cuba ou então na China? Certamente que não, pois o que está sendo analisado, não são as liberdades individuais em si, mas sim situações de poder, onde os ideais políticos libertários que pavimentaram o caminho para a ascensão ao poder nunca são coerentes com a prática política de forma efetiva.

Déda deve ser louvado por sua atitude, sob todos os aspectos. Entretanto ela é, de uma forma ou de outra, incoerente com o discurso de seus outros correligionários, que provavelmente jogariam uma sofisticadíssima retórica das 'liberdades individuais' no gesto do governador sergipano (o deputado federal Paulo Teixeira, PT-SP, afirmou que drogas na universidade fazem parte de um 'rito de passagem'). Ou seja, nesta situação, a fumaça, que nos olhos dos outros é refrescante, ardeu nos próprios olhos do governador. Quem saiu ganhando realmente foram os maconheiros de Aracaju e do Brasil inteiro que conseguiram mais subsídios para seus argumentos em defesa de seu vício, direcionados pelo direito às liberdades individuais. Deixo essa expressão 'liberdades individuais', tão repetida (e desvirtuada) nos dias atuais, a critério de interpretação do leitor. Justifico apenas citando situações onde o estado, senhor supremo do pensamento da esquerda, tem dado mostras de invasão dos verdadeiros direitos individuais do cidadão. Cito a 'lei da palmada', votada recentemente (não se quer discutir seu aspecto ético, familiar e psicológico, apenas a invasão estatal em domínios domésticos), além da fanfarronice midiática patrocinada pela primeira dama norte-americana, Michelle Obama, em sua saga contra as batatinhas fritas consumidas no país do Tio Sam.


15 de nov. de 2011

Adolescência sem fim

A desoneração de pagamento de alimentos (despesas de subsistência) concedida pelo Superior Tribunal de Justiça a um pai que se eximia de pagar auxílio à filha maior de idade em seu curso de mestrado, é um indicador de nosso tempo no campo das relações familiares e de sua estrutura fragilizada, que tem se acentuado fortemente nos últimos anos.

A adolescência, segundo a Organização Mundial de Saúde vai do período entre os 10 e 19 anos; já para o ECA, Estatudo da Criança e do Adolescente, a fase vai dos 12 aos 18 anos. Entretanto, pela prática cotidiana sabemos que, devido a causas sociais, econômicas e de condicionamentos extra-familiares, esse período é prorrogado além da idade determinada oficialmente. Inúmeros fatores fazem com que esse período seja alongado nos dois extremos - de um lado temos a redução da infância impulsionada pela mídia, que exerce forte influência no desejo, principalmente de meninas, de serem adultas precoces, padronizando comportamentos, trajes e linguajar, além de ser um condicionador do adiantamento da puberdade. Já dentro do período da adolescência propriamente dita, entre os garotos, é comum o assédio por parte da propaganda de consumo de bebidas, o que fortalece o ciclo de doenças como o alcoolismo na vida adulta, além da divulgação da sexualidade inconsequente com risco na aquisição de doenças sexualmente transmissíveis e traumas psicológicos. E no extremo oposto, temos filhos que, mesmo tendo um repertório de habilidades e capacitações distintas da grande maioria da população de um país como o Brasil, ainda subsistem graças ao auxílio financeiro dos pais. Isso é algo comum e até compreensível em tempos onde se exige alta qualificação que demanda tempo e dinheiro, o que faz com que os filhos adiem sua entrada definitiva no mundo do trabalho e das responsabilidades sociais. Entretanto, se não forem essas situações bem administradas pelos pais no sentido de incentivarem a independência filial, problemas acontecerão mais cedo ou mais tarde na 'adolescência extensa'.

Tal fase é um fenômeno da modernidade. Em tempos passados, a passagem da vida de infância para a maioridade se dava em períodos cronológicos menores, tanto pelas necessidades da época, que exigiam menor especialização educacional - com consequente entrada mais rápida no mercado de trabalho - quanto pelos fatores biológicos que acompanhavam os ditames deste período; praticamente a adolescência era um período breve, sem grande relevância. A industria cultural não produzia tanto impacto na vida das famílias e os laços familiares e sociais eram traduzidos em valores que, se não fossem ideais, ao menos possibilitavam a convivência pautada pelo auxílio mutuo e confiança entre as partes envolvidas. As escolhas passadas - sejam de grupo social, de amizade, de enlaces matrimoniais - podem, numa visão apressada com olhos pós-modernos, serem caracterizadas como monótonas, sem sentido, sem liberdade. Entretanto é forçoso questionar se as atuais escolhas são verdadeiramente democráticas para nós, isentas de influências (boas ou más) pautadas por sistemas ideológicos, mídia, paradigmas decadentes, conveniências sociais, entre outros fatores. 

Neste período de grandes transformações físicas, biológicas e psicológicas, o adolescente deveria, a princípio, ser assessorado, para que seu desenvolvimento neste espaço de tempo culminasse com uma vida adulta embasada em fortes referenciais de responsabilidade, indicadores de uma adolescência plena. Entretanto não é isso que ocorre. O site da OMS, citada acima, traz um panorama das necessidades do adolescente: "Adolescentes devem aprender a lidar com o estresse pscicológico, a controlar pressões que surjam, aprender a lidar com suas emoções, a resolver conflitos, estabelecer laços com amigos e família, desenvolver autoconfiança, a manterem-se isentos da pressão das estratégias de marketing, particularmente da indústria do álcool, assim como ter habilidades para lidar com questões como competição acadêmica no meio escolar e para lidar com o desejo por lucros materiais. Entretanto, raramente estas questões primordiais são tratadas nas escolas e dentro das famílias"

A perspectiva do que deve ser priorizado no desenvolvimento da adolescência segundo a OMS - e que é imediatamente constatado pelo próprio órgão ser uma condição difícil nos dias atuais - pode muito bem resumir o que está por detrás do pedido da mestranda paulista que, certamente reprovada nesses quesitos de construção de sua maturidade no período adolescente, veio cobrar, embasada em ideais insustentáveis, o direito de ser tutelada pelo pai, já em uma fase onde deveria ostentar a emancipação financeira, profissional e educacional, além da psicológica. Ela é um exemplo, uma representante ideal do fracasso da educação formal, cultural, social e ética do jovem contemporâneo. Assim como são representantes do fracasso educacional, os 'revolucionários' da USP, que mal-orientados por pais e professores, não sabiam o que queriam, nem aonde queriam chegar - o máximo que conseguiram é reproduzir de modo exaustivo, bordões decadentes aprendidos de ouvidos, ouvidos pouco acostumados a captar a realidade, graças ao desmazelo dos pais. Este 'defeito' de distorção da realidade é certamente um dos responsáveis pelo hedonismo, inconsequência e irresponsabilidade tão visíveis na sociedade vigente.

Provavelmente a jovem que recorreu à justiça contra o pai não teve seu desenvolvimento pleno, sua adolescência não foi um período favorecido pela construção de ideais de cooperação e solidariedade, da formação da identidade crítica, da percepção das características da vida em sociedade alicerçados no binômio direitos e deveres. Provavelmente seus dias de teen , esta fase cantada em verso e prosa por artistas juvenis, foi prejudicada pelas urgências da vida moderna, pelos referenciais equivocados apresentados como direitos infindáveis a uma geração que tem feito pouco por merecer tanto. A luta pelo conforto não possibilitou que a jovem fosse melhor orientada, acolhida pelos pais, visando uma verdadeira educação alimentada por valores consistentes. Quando seu pai percebeu, já era tarde - a obrigação facultativa tanto pelo lado moral, quanto pelo familiar, de auxiliar os filhos adultos já graduados em seus aprimoramentos e especializações, ganhou ares de quimera judicial, pois disseram para a mestranda pseudo-emancipada que seus direitos eram sagrados, esquecendo-se apenas de lhe avisar que seus deveres deveriam ser religiosamente cumpridos. Venceu a justiça, o bom senso prevaleceu. 

É um momento oportuno para que os pais de filhos em formação revejam seus conceitos a fim de que, no futuro, sua autoridade não precise do auxílio da justiça para se sobressair, para se livrar do autoritarismo nos atos egoístas dos próprios filhos. Os adolescentes precisam de norteadores, de paradigmas e pouco importa se a adolescência atual seja uma fase estendida - uma tendência que parece irreversível. O que interessa é que ela seja uma fase de construção de princípios e valores essenciais para o desenvolvimento da sociedade e que se observados, renderão bons frutos no futuro, orgulho para as famílias e agregação de mais cidadãos conscientes para a sociedade. 
 

11 de nov. de 2011

O desejo realizado

Alberto Magalhães

As pessoas almejam obter ótimos empregos, altos cargos, polpudos salários, empreender grandes negócios, possuir todos os bens de consumo disponíveis no mercado, imóveis bonitos e confortáveis, querem estar muito belas, com seus corpos em forma, rijos, “sarados”, cabelos e pele viçosos, brilhantes ansiosas por agradar ao mundo e serem agraciadas por ele. Querem ser bem sucedidas em tudo o que o seu coração deseja. Mas mesmo as pessoas que conseguem isso, nem sempre conseguem conhecer o sentimento de realização plena, de felicidade alcançada. Como se o espaço interior da realização pessoal fosse um vazio incomensurável. Temos o exemplo da atriz americana Marilyn Monroe, que apesar de linda, famosa, rica, desejada e admirada no mundo não se sentia feliz e teve um final deprimente. Elvis Presley, Michael Jackson, Amy Winehouse, entre tantos que não conseguiram encontrar felicidade na realização pessoal física, financeira, social, profissional. Parecia que quanto mais realizavam seus desejos, mais definhavam na frustração de superar a sua condição de pessoa vulnerável, frágil, fisiologicamente comum.

Pareciam demonstrar que quando prosperavam e ocupavam todos os espaços que podiam, ficavam limitados, tolhidos, deficientes, engessados na sua própria condição humana que não lhes permitia subir além, transcender, ser nada mais do que já eram. E havia tantos artistas, tantas beldades, tantos talentos em cada área em que eles se destacavam. Embora a soma dos seus talentos e qualidades não os fizessem sentir-se realmente especiais e plenamente realizados. Precisavam agora galgar um nível de excelência que outra pessoa ao seu redor não tivesse alcançado.

A realização de um desejo é a sua morte, ou seja: quando realizamos um desejo o matamos e então fica essa sede interminável de realizar outros desejos e vamos desprezando o que já realizamos, anulando-o como valor elementar ou pondo-o em segundo plano e abandonando ou negligenciando a nossa responsabilidade com o que foi conquistado, às vezes arduamente, preterindo pessoas que nos são caras e subestimando afetos que nos prendem à estrutura basilar da nossa alma. Lembro-me daquela frase tão comum na minha infância, e tão sem validade atualmente, gravada na traseira dos caminhões: “Não tenho tudo o que amo, mas amo tudo o que tenho.” Epicuro disse que a dor nasce do desejo. Certamente haverá algo ou alguém sublime que preencha esse espaço faminto do homem, esse vazio que parece imenso. Cada desejo a se realizar – com suas conseqüências -, é um convite para o caminhar fecundo e uma porta aberta para a descoberta do abismo interior.

Alberto Magalhães é funcionário público em Aracaju, SE e autor do blog Tempo de palavras e pedras

18 de set. de 2011

Nem o FBI salva Scarlett

O episódio da divulgação de fotos colhidas por hackers dos arquivos digitais de Scarlett Johansson e a consequente investigação do FBI para a localização dos culpados, é um bom indicador de que seja o momento propício para uma revisão dos conceitos de virtualidade e realidade na transmissão de dados digitais na internet e suas possíveis consequências. As fotos de Scarlett nua circularam por um dia na rede. No dia posterior, seu advogado ameaçou os sites que estavam divulgando as fotos da cliente tiradas em casa, mas o estrago já tinha atingido um tamanho diretamente proporcional à fama da atriz americana. 

Certamente cópias foram feitas, e nessa era de divulgação instantânea de dados - para o bem e para o mal - é impossível medir a dimensão exata dos efeitos causados por um acontecimento como esse a longo prazo. Provavelmente Scarlett tenha algumas dificuldades inicias para conseguir dissociar sua imagem de uma leitura que a associe à vulgaridade, algo que talvez seja imaginado por algum patrocinador ou contratante de seus préstimos artísticos-estéticos. Basta apenas convencer os donos do mundo que pagam seus graúdos cachês, que ela é uma atriz competente e que as fotos de caráter íntimo foram roubadas por pessoas inescrupulosas. E tudo ficará bem, pois Scarlett nasceu para ser Scarlett e isso já é um bom e suficiente álibi.

Assim como Scarlett Johansson teve sua intimidade mostrada em rede mundial, inúmeras outras pessoas não famosas nem prestigiadas tem seus momentos íntimos divulgados pelos mais variados motivos. Algumas são vítimas de verdadeiros criminosos que desejam a ridicularização, afetando a auto-estima das pessoas divulgando dados digitais, sejam fotos ou vídeos,  para constrangê-las. Isso é muito comum em rompimentos traumáticos de relacionamentos, onde uma das partes tenta compensar suas frustrações emocionais expondo a outra parte à vexação pública, publicando materiais que não deveriam sair do âmbito doméstico. Já em outro lado, estão as pessoas que tem seus momentos íntimos mostrados na internet graças a um certo 'consentimento inconsequente', típico de alguém que tem atitudes direcionadas prioritariamente por referenciais de inconsequência - em especial o adolescente e o jovem.

Se no primeiro caso temos a possibilidade de apontarmos mais diretamente o responsável pela divulgação indevida da intimidade de outra pessoa,  para que sejam aplicadas as sanções necessárias pelo ato, no segundo temos todo um repertório simbólico que nos faz confusos, e dentro desse repertório, as mais variadas explicações e divagações sobre de quem seria a responsabilidade pelo constrangimento da divulgação de imagens inapropriadas, mesmo que sejam feitas 'de comum acordo' (geralmente relações sexuais gravadas em câmeras de celular em lugares inimagináveis, tendo sido registrados até mesmo casos de filmagens feitas em escolas). E geralmente - tratando-se do Brasil - não acontecerá provavelmente nada em relação a isso, os adolescentes em sua inconsequência continuarão desorientados, carregando para sempre a associação de suas imagens e de suas condutas com os vídeos inapropriados postados na net, e consequentemente nem eles, nem seus pais e responsáveis serão responsabilizados pelo ato anti-ético e difamatório.

Podemos já aqui, com essa explanação, rejeitar de forma veemente o aspecto 'virtual', geralmente associado à internet. Essa argumento de falsa virtualização é comum em discursos onde se tenta analisar os impactos do uso dos computadores e da internet na vida social das pessoas. Não é levado em conta a simbologia dos dados - fotos ou filmes neste caso - que circulam de forma rápida e são reproduzidos/reprocessados numa velocidade inimaginável. Assim como as idéias se interligam de forma virtual no cérebro e somente terão efeito prático através de ações, os dados da internet também só terão efeito real após o precessamento das informações dos usuários, que a seu critério, reprocessarão as informações para si e para outros de seu grupo.

Sob essa perspectiva o uso inconsequente da internet pelos jovens que postam filmes inadequados, por exemplo, pode ter até uma leitura filosófica. O jovem atual, alimentado por ideais de niilismo, de descrença no amanhã, do uso da inconsequência como ferramenta de libertação da impossibilidade de lidar com a realidade, acredita que o ato impensado difundido pelos bites no mundo além fronteiras da internet, será uma ato apenas. Mal orientado pelo adulto, o jovem acredita na virtualidade pura da rede e que seu gesto tresloucado apenas durará o ato de sua inconsequência, numa negação sequencial, num gesto de negação da própria história, o que é um grande engano. A foto, ou o filme inadequado protagonizado por um casal pode ter inúmeras leituras por vários usuários, sendo que os protagonistas iniciais perdem seus direitos sobre a própria imagem e talvez temporariamente sobre seus destinos. Se não fosse assim, Scarlett não ficaria preocupada com a divulgação não autorizada de suas fotos nua, visto que a número de leituras dessas fotos é enormemente variado. E em um mundo onde as imagens são importantes na construção da identidade e de referencias de credibilidade, não quis ela se arriscar, apesar de nesse caso, já ter sido o material amplamente divulgado pelo fato de ela ser atriz de grande sucesso.

Partindo desse princípio, poderíamos adotar argumentos de caráter educativo e que transmitisse ao jovem uma alternativa para o pensamento inconsequente. Se tal inconsequência faz parte da juventude (atualmente bem acentuada devido à omissão dos pais, educação deficiente e falta de perspectivas de vida) ela pode ser revertida com sua força para uma construção de uma imagem mais positiva sobre o próprio jovem. Isso baseado na constatação de que o jovem busca uma imagem, quer construir uma nova perspectiva sobre si que resultará na leitura que os outros farão dele. Ao perceber que a divulgação inconsequente de imagens inapropriadas através da internet é algo que não possibilitará de modo algum que ele reconstrua a própria imagem após o ato tresloucado, ele pensará muito antes de cometer tal ato, pois não deseja que o domínio sobre sua imagem pertença a outras pessoas. E perceberá que o seu ato de agora trará consequências no futuro, para si e para seu grupo social.

Alertar sobre os riscos reais do mundo 'virtual', que são causados pelas inconsequências do mau uso da rede,  é mais do que urgente na educação para o uso ético da internet. Assim como na vida real, onde todos temos deveres e responsabilidades de cidadão, o 'mundo virtual' também tem suas representações éticas e morais, sendo de escolha do participante acatá-las ou não. Se não quiser acatar as representações, isso é um risco que não pode ser compartilhado, é intransferível. A prudência evita o desassossego. Se não houver prudência, não haverá FBI com toda a sua capacitação que poderá dar cobertura para investigar todos os casos envolvendo crimes cibernéticos com seus perigos do mundo digital. Não existe, na rede mundial, sistema cem por cento seguro - hackers tem feito verdadeiras proezas, invadindo sistemas de órgãos acima de qualquer suspeita em quesito de segurança como governos e agências de inteligência como a CIA. Tal qual no mundo não virtual, o cuidado com a própria segurança dos dados pessoais na internet é uma grande arma de prevenção contra criminosos e pessoas mal intencionadas. 


4 de set. de 2011

Menina-mulher, mulher-menina

Thylane Blondeau, modelo de apenas dez anos, foi destaque da revista Vogue de janeiro de 2011. Filha de um jogador de futebol e de uma também modelo, teve fotos divulgadas na revista de moda, o que não seria relevante se não fosse por um pequeno detalhe - as fotos possuem alta carga de sensualidade, indo além de uma suposta representação da vida adulta feita com frequência por crianças em ensaios fotográficos, o que pode ser algo saudável e até lúdico, pois faz parte do processo de desenvolvimento infantil a imitação dos modelos adultos e as situações por eles vividas. As fotos estão disponíveis no portal IG.

O comentário da professora de psicologia e pesquisadora do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Jane Felipe de Souza reflete bem em seu raciocínio o caso específico que pode, a partir daí, ser utilizado de modo genérico na sociedade contemporânea: "A expressão da sexualidade parece ser uma obrigação para as mulheres hoje em dia, e, consequentemente, é também para as meninas. A idealização de beleza e juventude afeta também as crianças, que não querem mais ser tão crianças assim". Ela prossegue: "Quando se coloca o corpo infantil como corpo desejável, o que estamos querendo com isso? Nesse sentido, estamos nos tornando uma sociedade pedófila. Estamos construindo um olhar pedófilo em cima das crianças, principalmente das meninas."

A sociedade atual é pautada por um certo utilitarismo social. Laços afetivos, por exemplo, são construídos muitas vezes com o direcionamento de uma visão que almeja agregar valores do senso comum, e muito pouco de uma tentativa de se estabelecer a longo prazo os alicerces necessários para a verdadeira coesão destes laços. Isso se reflete em relações matrimoniais, sociais, familiares. No caso específico da criação de filhos, muitos pais também tem essa visão para com eles. Certa vez, vi numa reportagem televisiva, uma mãe justificando que não pretendia ter mais do que um filho, devido à alta competitividade do mercado de trabalho - a mãe já vislumbrava o quanto gastaria na formação do filho, levando em conta apenas o aspecto financeiro na criação da criança. O que certamente é importante, mas não o único fator representativo das necessidades essenciais da infância bem desenvolvida e bem protegida pelos pais ou responsáveis.

No caso específico da modelo-mirim, foge-se de um tradicional roteiro de precocidades que existe em situações onde a criança deve desenvolver responsabilidades e potencialidades que a façam parecer um adulto, tudo isso em circunstâncias que não prejudiquem seu desenvolvimento, por exemplo no caso de crianças que tem atividades direcionadas desde cedo conciliando vida escolar e brincadeiras com seus afazeres de 'gente grande' - alguns 'artistas mirins' podem ser referência aqui. Não é este o caso. As fotos de Thylane Blondeau vão além disso, elas parecem simbolizar um ideal, um nicho de mercado que sobrepuja até mesmo a simples representação de uma criança vestindo roupas de uma grife famosa - elas são, em essência, a última fronteira de um ideal de desconstrução da simbologia da infância e de sua importância para a sociedade. Na verdade, a pequena modelo não representa uma parcela de mercado, ela é a própria mercadoria, a mercadoria que disponibiliza uma nova perspectiva social de resultados obscuros.

A psicóloga norte-americana Diane Levin, autora do livro "A Infância Perdida" explica o fenômeno: "Crianças mais novas estão agindo e fazendo coisas de crianças mais velhas. Parece que o tempo está correndo cada vez mais rápido para elas". A autora complementa: "As meninas querem se parecer com adultas e as adultas, cada vez mais, querem se parecer com meninas". Aqui algo que merece maior destaque: a falta de paradigmas para uma fase e outra da vida, a quebra da linha que separa essas duas fases - a vida infantil da vida adulta, que se misturam como algo intercambiável, uma espécie de permuta social que foi constituída sem nenhuma grande objeção das características das partes, que não tinham como ser dimensionadas no 'outro lado'. 
 
De um lado temos a criança que, cada vez mais indefesa, é alvo de representações nefastas que vão contra sua estrutura biológica e psicológica e que visam alimentar interesses que vão desde o simples mercado, passando pela visão política e social (em regimes de exceção como os comunistas, as crianças são 'meninas dos olhos' de ditadores, que veem nelas o material revolucionário essencial para seus projetos). No outro extremo temos a mulher que, direcionada pelo ideal da sensualidade irrestrita como algo de grande potencial e capital social, enxerga em si um ser em formação perpétua - não como alguém em uma necessária e louvável transformação contínua, mas alguém que apenas almeja o eterno bônus por seus atos e por sua existência em si mesma, sem que autorize uma visualização mais detalhada de seus atributos e competências de mulher adulta, sendo que poderá ser chamado de opressor quem o fizer. Em nossa sociedade, a crítica à postura infantilizada da mulher contemporânea em certas circunstâncias é tida como um ultraje desmerecido para com alguém que se legitima em ser substancialmente hedonista, que se vê como merecedora de inúmeros diretos e disponibilidades possíveis (há tempos atrás, isso seria prerrogativa de meninas mimadas).

Uma prova empírica desse raciocínio, que vê a dificuldade de separação de etapas distintas no processo de desenvolvimento humano desde a infância, é o próprio episódio envolvendo a pequena modelo francesa. Sua mãe, Veronika Loubry, ao ver a repercussão das fotos na internet disse: "Thylane não sabe sobre nada disso e eu quero protegê-la. Ela é tão nova! Por isso, resolvemos fechar esta página". Esse discurso é cheio de dubiedades e mostra a falta de maturidade da mãe da menina. Será que ela não conseguiu abstrair a possibilidade de que as fotos da filha em um ensaio sensual pudessem causar polêmica, além de uma superexposição por causa da temática escolhida? Ou melhor, porque permitiu que a filha fizesse o material? Ela não viu as fotos? Não percebeu a simbologia erotizante contida nelas, que poderia causar traumas em seu desenvolvimento como criança? Não viu que, psicologicamente poderia - ou poderá - ter disfunções em seu desenvolvimento que acarretarão problemas em sua fase adulta? Tantos questionamentos, tantos indicadores de que uma mulher-menina no papel de mãe está cuidando de uma menina-mulher como filha, ambas desnorteadas - a mãe arrogando a si o direito de surpreender-se perante sua própria inconsequência e a filha desprotegida pela mãe e pelo pai, numa perspectiva que poderá trazer-lhe sérios problema na vida adulta. Eles são o reflexo da anarquia social que tem atingido as famílias em vários países, e a sociedade parece adormecida sobre esse problema que ainda não teve sua dimensão analisada e medida a contento.


Fontes:

http://delas.ig.com.br/filhos/supermodelo+mirim+levanta+discussao+sobre+exposicao+infantil/n1597161332841.html
http://i0.ig.com/bancodeimagens/0i/kw/91/0ikw911osakxtsa4u9y5x4tky.jpg
http://i0.ig.com/bancodeimagens/bc/qk/we/bcqkweqy881ibvfzufhpks2tn.jpg

5 de jun. de 2011

A marcha das cabeças vadias

Aconteceu no dia 04/06/2011 na Av. Paulista, São Paulo, a primeira 'Marcha das Vadias'. O evento que pretendia reunir 2500 pessoas, reuniu apenas cerca de 300 no sábado frio da capital. A idéia original da marcha ocorreu após um seminário numa universidade de Toronto, Canadá, onde um policial disse que estupros seriam evitados se as alunas não se vestissem como vadias - sluts em inglês. Então as alunas, revoltadas com a afirmação do policial, organizaram um protesto e saíram vestindo roupas sumárias e gritando palavras de ordem contra a opressão masculina. Foram as pioneiras na marcha que já ocorreu em 15 lugares diferentes até agora, desde Janeiro de 2011, data da primeira marcha.

Nas ruas de São Paulo, as manifestantes - algumas - desfilaram de roupas íntimas,  segurando cartazes e ecoando slogans da causa feminista. As fotos das participantes do evento são interessantes. Uma delas, com óculos de aros pretos e cabelos aparados, se destacava pelo modelo com um recurso estranho de sustentação que tentava segurar os 'quilinhos' a mais. Porém mais estranho era o fato de ela estar segurando um cartaz em inglês (talvez um pouco confusa e acreditando estar no fuso horário de Londres), onde se lia: "I'm a human, not a sandwich!" ("Sou um ser humano, não um sanduíche!"). Fazendo parte do recheio do protesto, uma outra segurava um cartaz - por coincidência rosa - onde, talvez num possível exercício de afirmação existencial, estava escrito: "Não sou puta". 

Uma das organizadoras do desolado evento, Solange Del Ré, 30, expressa sua linha de pensamento sobre o assunto:"É um problema corriqueiro que toda mulher enfrenta. Se você vai comprar um cigarro no bar, pode ser intimidada, como se estivesse provocando essa reação só por ser mulher", afirma. Ela prossegue: "A gente sabe que tem mulheres sendo espancadas no Brasil. Mulheres que são estupradas por causa da roupa que estão usando".  Ou seja, ela não dissocia uma investida elegante ou uma cantada elogiosa do homem da grosseria ou da rudeza encontrada em algumas atitudes masculinas ao abordar uma mulher. Também  na visão de Solange, a probabilidade de estupro ocorrer num país islâmico como o Irã seria nula, pois lá existe um código rigoroso de conduta para a vestimenta feminina, que é representada por véus e vestidos longos.

O movimento feminista é reconhecido pelas incoerências de discursos, de atitudes, pela imprecisão de sua análise da realidade econômico-social e do eterno discurso da independência feminina utilizando-se não da originalidade, mas de uma reprodução inconsequente de comportamentos equivocados de certos homens. A professora Silvia Koller do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul endossa essa perspectiva afirmando:"Uma massa dessas na rua expõe esses pontos para a sociedade: se os homens podem andar de qualquer jeito, por que as mulheres não podem? Nem por isso os homens são agredidos, xingados, estuprados". Há aqui uma tentativa de impor a igualdade através da construção social, como se homens e mulheres pudessem ser ''moldados'' excetuando as características físico-biológicas em suas vidas. Certamente Silvia Koller não exigiria equidade em campos da vida cidadã feminina, como por exemplo na obrigatoriedade do serviço militar para mulheres (que existem em alguns países como Israel), assim como defesa de casamentos de mulheres com potencial econômico/social um pouco acima da média do homem. O discurso feminista certamente quer mostrar idoneidade, porém ela é escassa em vários setores da vida humana, mesmo em épocas recentes onde uma presumível igualdade de direitos não tem sido representada pelo empreendimento feminino em áreas afins com resultados visíveis.

A incoerência ronda grandes nomes da ideologia feminista. Simone de Beauvoir, um das principais deidades do feminismo, saía de bicicleta pela França ocupada durante a Segunda Guerra atrás de namorados, livrando-se de obrigações para com seu país na resistência francesa ao nazismo. Foi partidária, junto com o marido Jean-Paul Sartre, da 'promiscuidade consciente', onde de comum acordo tinham práticas pouco ortodoxas em um relacionamento conjugal. Seguindo esse acordo, Beauvoir tinha livre trânsito em laços fora do matrimônio, sendo talvez uma das precursoras a assumir esse ideal de vida amorosa. Assim, Beauvoir assinava a carta de alforria, graças ao seu prestígio como líder feminista, a todas as mulheres que veem nela um ideal de mulher independente e à frente e seu tempo. Entretanto essa parece ser uma alforria falsa, pois essas mesmas mulheres alforriadas querem, seguindo os ensinamentos de Simone de Beauvoir, se dissociar do referencial de vulgaridade que ronda o ideário coletivo em relação a certas mulheres no mundo atual: a 'mulher objeto' que atingiu esse patamar graças à liberação sexual, mas que é relatada como produto do machismo que se aproveita dessa 'mulher objeto' de todas as formas. A mulher independente que mostra sua sensualidade na mídia, graças ao engajamento libertário feminista ("Meu corpo, minhas regras" dizia um dos cartazes da marcha) e que alimenta os anseios do homem machista. Num sistema onde o pensamento parece um acessório apenas para a divulgação de ideais incoerentes, não existe a possibilidade de se destacar o criador da criatura - todos estão no mesmo patamar. O feminismo e o machismo parecem fazer parte de um sistema mercadológico de 'oferta e procura'.

Uma desafeta de  Simone de Beauvoir,  Antoinette Fouque, afirmou que a frase "Ninguém nasce mulher, mas se torna mulher" foi o pronunciamento mais imbecil do século. Fouque também é crítica do modelo de 'mulher sem filhos' e aponta uma certa frigidez mental da mulher de Sartre. Talvez até nisso as feministas de lingerie da Paulista tenham algo similar a Beauvoir. A frouxidão de idéias e de metas é algo visível na marcha. E frouxidão mental não é recomendável, pois daí para a 'mente vadia' é um passo. Não, as moças da Paulista não são vadias em seus trajes, mais podem ser em suas idéias. Que seja lembrado o ditado "mente vazia é oficina do demônio". Oficina das idéias esdrúxulas guiando cabeças vadias.

Uma história íntima da humanidade, Teodore Zeldin, Best Bolso,RJ, 2008