11 de abr. de 2010

Massas, cavalos e Eliane Cantanhêde


João Batista de Oliveira Figueiredo (1918-1999), último presidente durante o regime militar implantado em Abril de 1964, disse certa vez que preferia cheiro de cavalo ao cheiro do povo. Esta frase foi tomada de assalto pela mídia e muito utilizada pelos adversários da 'redentora'. Não se sabe o contexto real em que foi dita - fala-se que foi uma resposta à pergunta de uma jornalista ao então presidente: 'O senhor gosta do cheiro do povo?'. Daí a resposta referindo-se aos cavalos. Figueiredo assumia publicamente esta imagem truculenta, anti-diplomática, obtusa. Certa vez, ele se recusou a comer cérebro de macacos num jantar em visita oficial à China -  depois  se justificou dizendo: "Eu já sou um macaco, porque iria comer aquilo?' Quando saiu da presidencia pediu para que esquecessem dele. Parece que foi atendido, mas suas gafes vez por outra encontram ressonâncias em discursos, geralmente ligados setores da  direita brasileira, esta direita que está cada vez mais reacionária.

Eliane Cantanhêde, colunista da Folha de S. Paulo retratou bem esta ressonância vista periodicamente, principalmente na imprensa. As gafes 'figueiredianas' puderam ser relembradas na cobertura do lançamento da candidatura de José Serra à Presidência da República feita pela jornalista. Num vídeo do site Folha Online , Cantanhêde dá uma aula de jornalismo-tietagem, numa cobertura onde não esconde o entusiasmo por estar cobrindo o importante evento. Sem dúvida, foi importante. Entretanto a colunista da Folha deixa mostrar algo além do entusiasmo profissional-pessoal até certo ponto justificável, dependendo da ótica do observador. Este 'algo' desabonador é o ressurgimento do discurso de preconceito de classe, estratificador, recorrente em discursos daqueles que são contrários ao bem estar coletivo por meio de políticas estatais que beneficiem a todos, indistintamente. Um velho discurso 'casa grande e senzala' aliviado por nuances cantadas em verso e prosa neste país do futuro liderado por uma elite vergonhosa (mas não envergonhada por seus atos).

Ao reportar sobre a festa do lançamento da candidatura de Serra (que impressionou pela falta de organização,  pela confusão e pelo desbragamento nos discursos incomum entre tucanos), Cantanhêde citou o comentário de um 'assessor veterano' do PSDB que afirmou que o partido estaria virando um partido de massas, mas de 'massas cheirosas'. Completando, a colunista disse que os ônibus que trouxeram os partidários eram 'novinhos'. A colunista da Folha reproduziu a expressão - 'massas cheirosas' - como que saboreando as palavras, tal qual  o faria uma dondoca num evento do Jockey Clube de São Paulo ao passar a receita de um bolo para as colegas de bonança. Mas Cantanhêde não é dondoca, ela está mais para porta-voz de setores da direita que tem encontrado em veículos de comunicação, principalmente nos de São Paulo e Rio de Janeiro, um canal de divulgação de seus ideais antiquados, ultrapassados, que evocam tempos do atraso social e econômico, onde apenas poucos tinham acesso a serviços básicos assegurados por lei para todos.

Nas palavras entusiasmadas de Cantanhêde temos o ressussitar da mentalidade tacanha e opressora vinda desde os tempos das capitanias hereditárias, passando pelos senhores de engenho, chegando até os coronéis eletrônicos gerindo seus currais eleitorais.  Em suas palavras bucéfalas poderemos encontrar o suporte para os argumentos que fazem do Brasil um dos mais injustos em distribuição de renda no mundo.  No discurso 'figueirediano' do assessor tucano que   Cantanhêde reproduziu com prazer  há a personificação jocosa do desprezo e da insensibilidade elitista. Há a elite cheirosa, há os cavalos do jóquei (que devem ser tratados melhor do que o povo) há o povo - supostamente mal cheiroso. Cantanhêde faria melhor se apenas trocasse receitas de bolo no Jockey Clube. Mas evidente ela não faria o bolo, isso é trabalho de povo, das empregadas que viajam duas horas para chegar ao trabalho como sardinhas em lata nos ônibus velhos - ou como cavalos indo para o Jockey Clube.   

Foi dado o início para a corrida  presidencial. Isso é apenas uma pequena amostra do que vem por aí. Que possamos votar não como quem faz uma aposta, mas como quem faz algo consciente e que mudará - ou não - nosso futuro como país.


Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/videocasts/ult10038u719002.shtml

3 comentários:

  1. Olá, tudo bem? Tenho vagas lembranças do fim do Regime Militar no Brasil.... Meus primeiros registros na memória... Sobre a cobertura da mídia... Isso é normal.. Não existe isenção na cobertura jornalística... Quem prega isso, mente... O Brasil precisa se desenvolver.. Ir para frente.. Não vejo isso em Dilma... Os eleitores irão votar no menos pior, digamos assim.. Abraços, Fabio www.fabiotv.zip.net

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  2. Fábio,

    Isso é verdade, não há isenção, mas é possível ser 'não tendencioso'. Abraços.

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  3. Como o Fabio disse, não existe isenção na cobertura jornalística. Isso é utopia. Sobre o texto, não entendo as palavras da colunista como uma ode à segregação. Ela realmente não disfarçou o entusiasmo, mas temos que ter em mente que Eliane é uma colunista de opinião e, portanto, está mais livre para expor suas ideias diante do fato comentado. E quem a lê (ou a assiste) tem consciência disso e concorda ou não com ela. Abraço!
    André San, www.tele-visao.zip.net

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