O impasse em relação ao encerramento das atividades do Cine Belas Artes na Rua da Consolação, em São Paulo mostra o quanto desimportante é a cultura para o brasileiro. Não me refiro ao desprezo cultural ligado à população mais pobre - que na visão simplista dos cultos somente aprecia a 'cultura de massa'. Me refiro sim ao ideal de cultura como algo diletante, um estigma pessoal que ecoa por onde passa, uma cultura sem referencial social, pouco efetiva na vida cotidiana.
O Belas Artes, que apresenta filmes do circuito alternativo é freqüentado por um público específico - o que aprecia filmes 'de arte', com orçamento baixo, também chamado de 'cinema de autor'. Uma pergunta que poderia ser feita é: onde estava esse público que aprecia os filmes deste e de outros cinemas alternativos quando estes começaram a dar prejuízo? (supostamente pela baixa receita de caixa, apesar de alguns afirmarem que 'a arte não é mercadoria', como se o artista vivesse de brisa). Onde estavam aqueles que fizeram passeata com nariz de palhaço contra o fechamento do cinema?
A cultura, essa coisa tão indescritível e tão abstrata nessa terra de cegos sempre foi um lustro imensurável para quem a tem e algo irrelevante no alheio, ou naquele que a busca de forma aprimorada, visando novos horizontes e novos referenciais. Quem tem cultura no Brasil sempre arrogou a si um direito inalienável, algo como 'hereditário' que, de tão fatídico como o fator genético, possibilita certos conceitos como 'herdei a cultura de minha família...' ou 'cresci rodeado de livros, pois meu avô tinha uma biblioteca magnífica', entre outras frases de demonstram o pretenso 'DNA cultural' de quem as diz.
Imagino que os que protestam contra o fechamento do cinema são os mesmos que protestam contra o sucateamento da TV Cultura. Dirão alguns: 'É uma emissora indispensável para a difusão da cultura e educação, etc'. Uma afirmativa pouco sincera, pois esses que defendem a emissora, alimentam os canais a cabo dos grandes grupos. Alguns replicarão: 'Sim, mas é uma questão de escolha, vejo os dois, além do mais tenho uma cultura nata e me preocupo com a população mais carente que não tem acesso à arte e à cultura'. É o argumento do 'minha cultura' ou 'meu pirão' primeiro. Fazem isso também em relação ao Belas.
Imagino ainda que os que protestam contra o fechamento do Belas Artes não estejam preocupados com o cinema em si e a impossibilidade de não mais assistirem aos filmes preferidos, mas sim estariam preocupados com a perda do status que ocorreria com o fechamento da sala. Afinal cult que é cult não basta em si mesmo, tem que aparecer e mostrar refinamento. Mas é preciso palco - no cinema de arte um bom lugar é a fila, para mostrar conhecimentos cinematográficos, incluindo semiótica, análise do discurso e simbolos psicanalíticos encontrados no último filme visto. Outro possível palco é a livraria, de preferência as da moda como a Fnac, onde é comum ver aquelas criaturas destilando cultura pelos corredores - geralmente um homem acompanhado de uma ou duas mulheres - que sempre tem um comentário sobre algum autor, apontando-o na prateleira e dizendo: "Eu vi fulano quando estive em Paris e o cumprimentei!".
Como ex-freqüentador assíduo do Belas Artes e hoje já não tão assíduo assim, lamento pelo desfecho de sua história, mas também lamento pela cegueira dos revoltados que, graças à sua falta de noção de que cultura é mais do que apenas refinamento egocêntrico e brilho opaco da falta de originalidade, carregam a própria derrota, produzida por um mecanismo fracassado de um sistema perverso que foi subestimado por eles, por conveniência ou por indiferença.
Fonte
http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,em-sp-cine-belas-artes-pode-ganhar-sobrevida,666140,0.htm
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http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,em-sp-cine-belas-artes-pode-ganhar-sobrevida,666140,0.htm