25 de jul. de 2010

A educação que não é levada a sério

O Brasil não leva a educação a sério. Esta é uma frase que soa como uma redundância, a qual  todo mundo reconhece. Mas não sabemos o motivo de a termos como slogan de nossa falta de incompetência para difundir uma educação universal, que englobe a todos os cidadãos sem distinção, visando um país mais justo e próspero, não apenas no sentido econômico, mas de desenvolvimento humano e social. A notícia de que a Editora Abril comprou a rede de ensino Anglo passou despercebida pela maioria da população, que talvez desconheça a simbologia que esta transação representa. Estamos num país livre e ninguém quer causar empecilhos à livre iniciativa e isso abraça também no setor educacional, lucrativo por sinal. Entretanto esta simbologia vai além de uma simples transação.

A Abril edita a revista Veja, que frequentemente em seus textos, tanto em matérias quanto em artigos de 'especialistas' como Cláudio de Moura Castro e Gustavo Ioschpe, discute a educação no país. Coloquei especialistas entre aspas não por menosprezar alguma contribuição que pudese ser dada pelos colunistas de Veja à educação, mas por serem eles adeptos do tecnicismo pedagógico, tão em voga nas escolas particulares com suas apostilas e que tem encontrado espaço também no ensino público, principalmente em escolas sob administração do PSDB.

Moura Castro e Ioschpe veem a educação apenas sob o aspecto custo-benefício. Em seus artigos é comum a crítica maciça  aos professores do ensino público, que são classificados pelos ilustres colunistas como coorporativistas, adeptos de práticas que são ultrapassadas ou ainda desfavoráveis à meritocracia (num país onde as pessoas pobres são classificadas como 'menos favorecidas', soa estranho o uso da palavra 'meritocracia', mas isso não vem ao caso agora). São lugares comuns em suas análises, ideias como 'somente quando os salários melhorarem, os melhores professores estarão na educação pública', ou 'a escola pública somente melhorará quando a classe-média voltar a estudar nela'. Peguemos estas duas ideias comuns nos artigos de Veja (e de outros veículos como a Folha de S Paulo que tem outro 'especialista' - Gilberto Dimenstein) para tentar extrair uma explicação.

A idéia de melhores salários parece ótima de início. Mas não basta apenas isso, é necessário condições de trabalho, equipamentos adequados, livros, recursos que pelo menos indiquem uma direção rumo a uma qualidade no ensino público. Não basta aumentar o salário numa medida imediatista para que se tenha melhora nos serviços educacionais públicos; a educação se faz paulatinamente, num esforço conjunto entre sociedade e governos visando resultados a médio e longo prazos.Se apenas salários fossem atrativos, não haveria evasão de professores  em redes onde os salários são os maiores atrativos para uma carreira, aparentemente, promissora.  E levando a questão salarial para outras áreas do serviço público um pouco mais atrativas nos salários, tais como o serviço judiciário por exemplo, teríamos  neste setor desempenho iguais aos de países de primeiro mundo.

Quanto à ideia de retorno da classe-média à escola pública, essa parece ser uma utopia, devido ao nosso passado histórico e social excludente. Frequentemente se ouve de ex-alunos de escolas públicas, que as frequentaram há 50 ou 60 anos, que estas escolas eram excelentes. Elas poderiam em alguns aspectos serem excelentes, porém excludentes, visto que apenas a 'burguesia' tinha condições de frequentá-las - os poucos  filhos da classe trabalhadora, se quisessem frenquentá-las deveriam se submeter ao padrão escolar vigente. Não eram levados em conta por esta escola 'excelente' os desníveis sociais encontrados na sociedade brasileira, a origem dos alunos, o seu conhecimento de mundo, quais seus anseios. Era uma escola elitizada, para uma classe que não aceitava a diversidade em seu ambiente. E este pensamento perdura no Brasil, pois há o pensamento enraizado  entre nós de que tudo que é público, é 'coisa para pobre'.

Essas ideias, tão difundidas ultimamente por colunistas 'especializados',  sempre estiveram presentes no meio educacional brasileiro. O Brasil é um país que não privilegia a educação e a cultura como estimuladores do crescimento e desenvolvimento humano. Aqui a educação sempre foi vista como 'lustro', 'erudição',  a exaltação do saber 'enciclopédico' que não transforma a realidade, apenas reproduz modelos impostos pelos detentores do poder. Mesmo com a mobilidade social atual e diminuição das desigualdades, parece que este pensamento está mais forte do que nunca, com seus divulgadores na mídia e  na burocracia do Estado - vários donos de escolas particulares fazem parte de conselhos de educação pelo Brasil afora, definindo critérios para escolas em geral. Um caso notável de relação espúria entre interesses particulares e públicos na educação é o do ex-secretário de educação de São Paulo, Paulo Renato de Souza, que presta serviços de consultoria educacional a grupos editoriais multinacionais com interesses em licitações públicas. A administração da educação no Brasil parece estar se tornando um suculento prato, onde a promiscuidade governamental reina, setores da mídia visando interesses comerciais próprios manipulam a verdade e poucos apenas saem lucrando, em prejuízo de uma nação que ainda não acordou para a importância primordial da educação em suas vidas.


Fonte: http://economia.estadao.com.br/noticias/not_27129.htm

19 de jul. de 2010

Uma Copa de surpresas


O escritor  português Eça de Queiroz disse em um de seus textos que o negro africano era o único que  podia sorrir abertamente. Isso, porque, na visão do escritor do fim do século 19, o desenvolvimento havia tornado o homem cético e por consequência triste, e somente alguém, como o habitante da África - continente colonizado e bem afastado da ciência e do progresso - poderia sorrir. Parece que Eça fez essa observação com o intuíto velado de criticar o andamento cientificista da Europa de então, que influenciava todos os setores da sociedade, contrapondo este ideal à capacidade do habitante da África de surpreender-se, sorrir, diferente do homem europeu. Essa idéia de associarmos simplicidade à felicidade e harmonia perdura até hoje, mas é interessante notar que na época em que este texto referido foi escrito, a ciência dava seus primeiros passos, abrindo portas para o século do avanço científico e tecnolígico - o século 20.

Passado mais de cem anos da afirmação queiroziana, o continente negro abrigou uma Copa do  Mundo de Futebol, num país com um passado de colonização européia, escravidão negra, lutas pela liberdade, prisões. Um país que há vinte anos atrás elegia seu primeiro presidente negro, um homem que lutou junto com uma nação contra a opressão de um pensamento segregacionista - Nelson Mandela, ganhador do Nobel da Paz. Ele como presidente e líder, lançou a idéia de Nação do Arco-Íris, uma terra que abraçaria diferentes etnias e culturas, num ideal agregador, que apagasse da memória, os séculos de opressão. Este ideal ainda não foi plenamente alcançado, pois a África do Sul ainda traz traços dos anos do apartheid - a renda é mal distribuída, ficando a maioria da riqueza ainda nas mãos dos brancos; a violência é mais visível nos bairros de maioria negra, que também sofre a precariedade nos serviços básicos como educação e saúde. Entretanto o ideal de Mandela e da população oprimida continua em busca de soluções ao problema secular do racismo.

A Copa da África do Sul foi uma das mais surpreendentes dos últimos tempos. Seleções campeãs - Itália e França tidas como favoritas foram eliminadas na primeira fase, outras que nunca tiveram um histórico relevante de participações em Copas do Mundo, como o Paraguai, chegaram a surpreender indo até as quartas de final. Tivemos ainda surpresas individuais como por exemplo Diego Maradona, que aparentemente recuperado da fase obscura como usuário de drogas, apresentou-se como um show-man, comandando seus jogadores de modo ímpar -  além de ter sido muito mais diplomático se comparado com o técnico Dunga. E a seleção do melhor futebol do mundo,  que já lançou tantos talentos para o esporte, deu adeus ao torneio nas quartas de final, perdendo para a Holanda. Incompetência do técnico, dos jogadores que não jogaram com garra, não honrando a camisa verde-amarela? Culpa dos cartolas, da imprensa? Não se sabe, pouco se pode afirmar ainda sobre esta Copa de surpresas, o que significou para o esporte e para o povo sul-africano e para a África em geral.

Mas podemos, chegar a algumas constatações. A primeira é que nas estatísticas existem variáveis, o que foi comprovado com eliminações de seleções favoritas e classificação de seleções desacreditadas - quem acreditaria que a Espanha venceria a campeã Alemanha? A segunda constatação é que a tecnologia não anula o lado humano do empreendimento e vice-versa. Após lances duvidosos não observados por árbitros nesta copa, a FIFA começa a estudar a possibilidade de utilização de recursos tecnológicos para auxiliar no andamento das partidas. Já não era sem tempo. Existe um argumento falacioso de que o interessante no futebol é a polêmica. Até certo ponto é, mas deixa de ser interessante quando um lance não é observado pelo árbitro e este lance favorece uma equipe em detrimento de outra. E se o futebol utilizar os recursos eletrônicos, não deixará de ser 'apaixonante' e 'emocionante'. Um  exemplo disso é o atletismo que é um esporte que utiliza alguns recursos para avaliação da performance individual, pois o olho humano seria incapaz de medir centésimos de segundos de diferença entre os participantes de uma prova. Assim também, outros esportes usam sensores e outros recursos, como a natação. E a última constatação é a de que , se a seleção do Brasil quiser continuar surpreendendo o país e  o  mundo, deve fazê-lo a base de muito esforço e dedicação, não confiando em números e estatísticas apenas. Porque, assim como aconteceu na África do Sul  de Mandela, somente surpreenderam aqueles que não foram surpreendidos.

6 de jun. de 2010

Abaixo a política bossa-nova


Novas eleições. Novas promessas, novos planos, novos projetos; certamente somente alguns sairão dos discursos inflamados e do papel timbrado. Neste momento em que todos respiramos de modo incomum (se tratando de Brasil) esta atmosfera de cidadania, de coletividade, de zelo pelo que é público precisamos ter em mente que a participação política nunca acaba, nem é uma festa ocorrida de dois em dois anos, apenas. A política transpassa a esfera do jogo do poder, ela está inserida em gestos e ações que, a primeira vista, não demonstram o mínimo elo com os destinos do país - por consequência,  com nossos próprios destinos. A verdadeira política não combina com contemplação, nem com passividade.

A vida política é de todos - dos eleitos democraticamente para cargos executivos e legislativos ou dos cidadãos que não são filiados a nenhum partido político. A vida política está no exercício da cidadania (palavra tão dita, mas tão pouco praticada), na busca por soluções para o bem comum. Participar da vida política é exigir dos nossos representantes que o dinheiro público seja gerido de modo racional, evitando-se desperdícios e utopias que esvaziam os cofres e trazem injustiças para a maioria da população. Devemos pensar que a política, apesar de repetidamente ter sido instrumento de autossatisfação de alguns que detem currais eleitorais há décadas, é o instrumento ideal para que tenhamos uma sociedade mais justa e integrada.

A vida política não é sectária, apesar da pluralidade de partidos. Esta pluralidade é a representação de que o ideal político não pode ser aliado à individualidade. É um engano o pensamento como  aquele do cidadão que diz que não quer saber de política, pois tem muito  o que fazer e não tem tempo para tal 'excentricidade'. Ele pode não ter uma vida política eletiva ou militante, mas tem uma vida política - em seu cotidiano, por meio de atitudes, pelo meio de ações que visam o bem estar coletivo. Se o serviço de coleta de lixo, por exemplo é deficiente, é dever do estado torná-lo eficiente; mas para isso o cidadão deve também ter o dever de cobrar um serviço bom. Daí podemos concluir que não há direitos sem deveres na esfera da vida política.

O Brasil tem passado por bons momentos de crescimento e prosperidade, o que não é suficiente. Ainda as injustiças de séculos permeiam a vida cotidiana, algumas mais expostas, outras menos. A violência contra mulheres e crianças ainda é alta e a impunidade a favor de seus agressores também. A miséria, apesar de ter diminuído, tem ainda  força nas grandes cidades e também em bolsões de pobreza pelo interior. A vida nas cidades grandes está se tornando cada vez mais impraticável com seu trânsito caótico e falta de espírito cidadão; já no interior são crescentes os números da violência. A cada dia que passa estamos nos aquartelando em residências falsamente protegidas. A educação ainda é um privilégio, assim como atendimento médico digno. Estes são apenas alguns dos problemas que atingem a todos - se bem que nem todos os cidadãos, inclusive aqueles que deveriam ser considerados 'esclarecidos' percebem. Para saná-los não existem fórmulas prontas, somente com esforço coletivo, com uma mentalidade política poderemos vislumbrar algo melhor. A democracia tem um preço, e o preço é a vigilância, mas a vigilância do dia-a-dia, do cidadão que sabe de seus direitos e deveres, que não se ilude com discursos e que sabe que é componente indispensável para a construção de uma sociedade mais equalitária.


25 de abr. de 2010

O sutiã e a sustentabilidade

Há alguns anos atrás a televisão brasileira tinha na publicidade veiculada nos intervalos de seus programas um teor de criatividade muito mais eficiente do que o atual. Poderia haver menos recursos tecnológicos para filmagens ou ainda poucos efeitos especiais disponíveis numa época pré-internet. Mas mesmo assim os comerciais dialogavam com o telespectador de modo único, fazendo parte até mesmo da cultura nacional. Inúmeros comerciais daqueles tempos com seus slogans e jingles ficaram na memória dos telespectadores-consumidores de produtos e serviços veiculados. 

A publicidade valia-se de slogans criativos e marcantes que podiam ser notados em frases como 'bonita camisa, Fernandinho', passando pelo anti-caspa 'parece mas não é', ou o bancário 'o tempo passa, o tempo voa'. Somado a isso, havia um repertório de personagens - sim, a publicidade teve em momentos passados uma característica narrativa - que perduraram por anos e ainda são citados por aí. Havia o detetive do aditivo automotivo que procurava a 'gangue' de malfeitores que 'danificavam o motor do carro', num ótimo exercício de personificação. Também havia o 'comercial dos mamíferos' com crianças representando filhotes de mamíferos - um clássico da publicidade nacional. E finalizando temos o internacionalmente premiado 'comercial do primeiro sutiã' onde a protagonista - também conhecida como 'a garota do primeiro sutiã' representava a fase de transição para a idade adulta de inúmeras adolescentes, numa peça publicitária que ficou marcada pelo teor poético e singelo, mesmo numa época já de costumes liberais.

Entretanto os tempos são outros, os comerciais não tem mais jingles criativos, personagens, ou slogans que adentrem no dia a dia do idioma. Agora existe uma estagnação na criatividade, onde poderíamos citar os bancos e suas mensagens de 'sustentabilidade' que de certa maneira são insustentáveis, bastando observar as filas enormes nas agências com um consequente aumento no consumo de ar condicionado, não condizendo com as frases 'nós nos importamos com o meio ambiente'. O mesmo vale para a indústria automobilística que, sem nenhum constrangimento toma o discurso ambientalista em suas propagandas - basta lançar um carro com o selo 'eco' e a empresa se tornará 'amiga da natureza'. Isso não citando as propagandas com animais silvestres correndo ao lado dos carros ou, mais insensato ainda, carros urbanos transitando em local improváveis, tais como regiões montanhosas, riachos, trilhas. 

Existem inúmeros outros aspectos que facilmente são percebidos num comparativo entre a propaganda de tempos não tão distantes com a contemporânea. Nem na parte musical há cuidado, não existem mais canções bem elaboradas, pega-se uma música (internacional principalmente) e em trinta segundos tenta-se vender produtos e serviços com pinceladas de discursos esquisitos. Não há mais personagens consistentes em peças publicitárias. Não há mais espaço para a 'garota do primeiro sutiã' e a descoberta do novo mundo feminino representado pelo acessório que representa como poucos a feminilidade. Há apenas a pseudo-sustentabilidade em serviços e produtos e uma feminilidade forçada, que não reflete o caráter da mulher de modo real. Não que eu despreze o pensamento ecológico, mas penso que havia um aspecto duradouro nas mensagens publicitárias de antes. Trocaram o sutiã pela sustentabilidade falsa. E entre os dois, fico com o primeiro.

Fontes:

11 de abr. de 2010

Massas, cavalos e Eliane Cantanhêde


João Batista de Oliveira Figueiredo (1918-1999), último presidente durante o regime militar implantado em Abril de 1964, disse certa vez que preferia cheiro de cavalo ao cheiro do povo. Esta frase foi tomada de assalto pela mídia e muito utilizada pelos adversários da 'redentora'. Não se sabe o contexto real em que foi dita - fala-se que foi uma resposta à pergunta de uma jornalista ao então presidente: 'O senhor gosta do cheiro do povo?'. Daí a resposta referindo-se aos cavalos. Figueiredo assumia publicamente esta imagem truculenta, anti-diplomática, obtusa. Certa vez, ele se recusou a comer cérebro de macacos num jantar em visita oficial à China -  depois  se justificou dizendo: "Eu já sou um macaco, porque iria comer aquilo?' Quando saiu da presidencia pediu para que esquecessem dele. Parece que foi atendido, mas suas gafes vez por outra encontram ressonâncias em discursos, geralmente ligados setores da  direita brasileira, esta direita que está cada vez mais reacionária.

Eliane Cantanhêde, colunista da Folha de S. Paulo retratou bem esta ressonância vista periodicamente, principalmente na imprensa. As gafes 'figueiredianas' puderam ser relembradas na cobertura do lançamento da candidatura de José Serra à Presidência da República feita pela jornalista. Num vídeo do site Folha Online , Cantanhêde dá uma aula de jornalismo-tietagem, numa cobertura onde não esconde o entusiasmo por estar cobrindo o importante evento. Sem dúvida, foi importante. Entretanto a colunista da Folha deixa mostrar algo além do entusiasmo profissional-pessoal até certo ponto justificável, dependendo da ótica do observador. Este 'algo' desabonador é o ressurgimento do discurso de preconceito de classe, estratificador, recorrente em discursos daqueles que são contrários ao bem estar coletivo por meio de políticas estatais que beneficiem a todos, indistintamente. Um velho discurso 'casa grande e senzala' aliviado por nuances cantadas em verso e prosa neste país do futuro liderado por uma elite vergonhosa (mas não envergonhada por seus atos).

Ao reportar sobre a festa do lançamento da candidatura de Serra (que impressionou pela falta de organização,  pela confusão e pelo desbragamento nos discursos incomum entre tucanos), Cantanhêde citou o comentário de um 'assessor veterano' do PSDB que afirmou que o partido estaria virando um partido de massas, mas de 'massas cheirosas'. Completando, a colunista disse que os ônibus que trouxeram os partidários eram 'novinhos'. A colunista da Folha reproduziu a expressão - 'massas cheirosas' - como que saboreando as palavras, tal qual  o faria uma dondoca num evento do Jockey Clube de São Paulo ao passar a receita de um bolo para as colegas de bonança. Mas Cantanhêde não é dondoca, ela está mais para porta-voz de setores da direita que tem encontrado em veículos de comunicação, principalmente nos de São Paulo e Rio de Janeiro, um canal de divulgação de seus ideais antiquados, ultrapassados, que evocam tempos do atraso social e econômico, onde apenas poucos tinham acesso a serviços básicos assegurados por lei para todos.

Nas palavras entusiasmadas de Cantanhêde temos o ressussitar da mentalidade tacanha e opressora vinda desde os tempos das capitanias hereditárias, passando pelos senhores de engenho, chegando até os coronéis eletrônicos gerindo seus currais eleitorais.  Em suas palavras bucéfalas poderemos encontrar o suporte para os argumentos que fazem do Brasil um dos mais injustos em distribuição de renda no mundo.  No discurso 'figueirediano' do assessor tucano que   Cantanhêde reproduziu com prazer  há a personificação jocosa do desprezo e da insensibilidade elitista. Há a elite cheirosa, há os cavalos do jóquei (que devem ser tratados melhor do que o povo) há o povo - supostamente mal cheiroso. Cantanhêde faria melhor se apenas trocasse receitas de bolo no Jockey Clube. Mas evidente ela não faria o bolo, isso é trabalho de povo, das empregadas que viajam duas horas para chegar ao trabalho como sardinhas em lata nos ônibus velhos - ou como cavalos indo para o Jockey Clube.   

Foi dado o início para a corrida  presidencial. Isso é apenas uma pequena amostra do que vem por aí. Que possamos votar não como quem faz uma aposta, mas como quem faz algo consciente e que mudará - ou não - nosso futuro como país.


Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/videocasts/ult10038u719002.shtml

4 de abr. de 2010

Eduard Khil, ou 'o homem mais feliz do mundo'

O título pode sugerir alguém que tenha ganho algum prêmio de loteria, ou então que tenha achado a sorte grande nos negócios ou que tenha conseguido algo mais pessoal como a conquista (ou a reconquista) da pessoa amada. Entretanto nenhuma destas possibilidades descrevem o que está por detrás das palavras do lead. Na verdade Eduard Khil é um cantor russo aposentado de 75 anos, ex-barítono e viajou por vários países em turnês de apresentações. Num período de cerceamento de liberdades ele desenvolveu sua arte na medida do possível, possível este determinado pela mente burocrática e opressora dos líderes da antiga União Soviética.

Eduard Khil  está num vídeo do site Youtube . Ali está o clipe onde ele canta uma música   nos anos setenta para a TV estatal soviética. 'Eu  estou tão feliz por finalmente voltar para casa', é uma música original americana que retrata a vida  de um caubói. A letra não teria  nada de excepcional e diz: 'Eu estou montando meu cavalo mustang nas pradarias, enquanto minha adorada Maria está a milhas de distância costurando minhas meias'. E nesta letra singela que o viés burocrático  da ex-União Soviética se mostrou latente - a ponto de censurarem a letra da música por ser  uma 'canção de faroeste' (lembremos que Estados Unidos e União Soviética foram forças opostas na 'Guerra Fria', movimento armamentista pós Segunda Guerra Mundial e que acabou apenas com o desmanche do bloco soviético liderado pela Rússia; daí a justificativa da censura, que na cabeça dos burocratas russos seria uma 'exaltação' à cultura americana, ...)

Restou então para Khil gravar o clipe da música apenas 'cantarolando' sem referir-se à letra então censurada. Talvez em épocas recentes, principalmente no 'mundo ocidental' liderado pelos Estados Unidos o clipe passaria despercebido. Afinal, não havia esta certa pasteurização da música pop,  e não havia divas que parecem saídas do forno no esquema Lady Gaga ou Beyoncé que ditassem tendências na indústria fonográfica. O que chama a atenção é a originalidade da canção, a técnica, o fato de um cantor erudito tentar expressar algo através de uma canção censurada apenas cantarolando, tentando emocionar o espectador.

E isso Eduard Khil parece que conseguiu vários anos depois de gravar o clipe. O elegante barítono virou hit na internet. Antes de saber da fama inesperada e tardia, seu neto chegou em casa cantarolando a música - também conhecida como 'Trololo' - e, questionado pelo avô barítono, o garoto disse que estavam todos cantando sua música da net, fazendo versões, paródias. Era o começo do 'estrelato tardio' de Khil. Os acessos de seu 'hit cantarolado' atingiram  a casa dos milhões em pouco tempo. Versões da canção em estilos diversos como 'dance-music' assim como a venda de camisetas com a estampa do cantor russo podem ser adquiridas pela internet.

O cantor russo disse em entrevista ao canal de notícias Russia Today que passou a adorar a internet, pois ela possibilita um 'encontro de gerações'. Khil parece estar certo, e este episódio traz inúmeras reflexões sobre nossos conceitos de liberdade individual, liberdade de expressão, divulgação de conhecimento, ideologias políticas, censura, manipulação midiática, enfim, um apanhado de temas que muitas vezes tem suas essências pouco analizadas por nós. Seria um bom momento de pensarmos sobre estes temas. Mas, é claro, ouvindo 'Trololo', ou a canção do 'homem mais feliz do mundo'.

Fontes:

Cartão Verde para Armando Nogueira


Armando Nogueira (1927-2010) atravessou duas épocas distintas do jornalismo: viveu numa época dourada, representada em parte significativa pela imprensa carioca. Trabalhou  com jornalistas - escritores de renome como Nelson Rodrigues,  Paulo Mendes Campos , Fernando Sabino,  Rubem Braga em veículos históricos numa convivência harmônica, quando o jornalismo permitia uma certo flertar com  a literatura  e este texto jornalístico/literário dava o tom  nos textos árduos das notícias do cotidiano. O Brasil ainda acreditava ser o país do futuro, tínhamos uma visão romântica de nossa sociedade, escondíamos - ou fingímos não ver as mazelas históricas vindas desde os séculos  de colonialismo e escravismo patrocinadas por  uma sociedade estratificada, hierarquizada, opressora e  corporativista. A capital do país, o Rio de Janeiro ditava tendências, modas, era o centro cultural e político nacional. A Bossa Nova veio compensar a aura que foi perdida devido à mudança da capital para Brassília e por certo tempo a Cidade Maravilhosa pode sustentar o seu  ego e sua economia.

Mas vieram os tempos difíceis pós-64 e tudo mudou. A liberdade foi  reduzida e em alguns casos a censura fez esta palavra 'liberdade' - hoje tão banalizada - em algo precioso, fosse ela liberdade de expressão, de pensamento, cultural, política. Mais de vinte anos se seguiram de retenção de liberdades que nos custam problemas até hoje, o país se desenvolveu apenas para parte da população, excluindo milhões do progresso humano, social e econômico.

Armando Nogueira seguiu sua carreira jornalística  na televisão, notadamente na Rede Globo onde criou o 'Jornal Nacional'. Levou para o jornalismo da emissora  sua tendência poética que ia ao encontro da ideologia de Roberto Marinho e seu jeito de fazer jornalismo 'morno', sem querer expor diretamente ao leitor - e ao espectador - o que havia por detrás das entrelinhas editoriais. Neste ambiente, Nogueira pode desenvolver e profissionalizar o ofício de jornalista que foi essencial para o fortalecimento institucional da emissora de Marinho, tanto por afinidade como por dever de ofício.

Nesta atmosfera, Nogueira liderou o 'JN' com seu jornalismo perfumaria, manipulado pela censura dos militares apoiados pelo dono da Globo. O jornalismo da emissora foi um laboratório de intervenções onde o interesse pessoal superou o papel de um veículo de comunicação - o de informar, formar opiniões, conceitos, de ser isento, apartidário, de ser democrático e mostrar a realidade mesmo sabendo o custo que isso irá causar. Foram vários episódios ligados aos veículos de Marinho (Rede Globo e Jornal O Globo), que os acusam de manipulação de informações visando interesses imediatos, até mesquinhos, numa mistura nefasta entre o público e o privado. Lembremos do caso da manipulação de dados das pesquisas de boca de urna nas eleições de 1982 quando Leonel Brizola (inimigo ferrenho de Marinho) venceu, além da manipulação na edição do debate da eleição à presidência em 1989 onde Lula foi prejudicado em favor de Fernando Collor - preferido das Organizações Globo.

Este episódio foi o fim da era ' Armando Nogueira' no comando do jornalismo da emissora de Marinho. Nogueira criticou a edição imposta  do debate Collor x Lula exibida no JN o que lhe custou o cargo. Mas mesmo sem Armando e sua poesia jornalístca, a emissora carioca continuou sua sina de maquiar a realidade em favor de 'x' ou 'y' num coronelismo eletrônico que somente encontrou paralelo nas empresas de comunicação do norte e nordeste brasileiros - lugares com seu 'jornalismo cabresto' favorecendo os donos destas empresas - geralmente políticos a serviços de oligarquias familiares.

É difícil afirmar se Armando Nogueira foi responsável pelo status que a emissora de televisão que mais cresceu no regime militar atingiu. É certo afirmar que a Globo e seu jornalismo parcial seria a Globo de hoje com ou sem Nogueira, mas o que favoreceu sua permanência há tanto tempo como diretor de jornalismo foi a já citada empatia patrão - empregado, emissora - jornalista. Hoje, após sua morte, circulam por aí textos de ex-subordinados fazendo uma leitura piedosa de Nogueira, que mesmo reverendicando  o jornalista, o acusam de ter sido conivente com o regime. E estes que o criticam, não eram de certa maneira coniventes também? Algum deles foram jornalistas por anos a fio da Rede Globo e atualmente sob o manto protetor desta nova Vênus midiática chamada Edir Macedo, destilam uma independência  que não tiveram coragem de fazer em tempos de vacas magras.

Nogueira após sair da 'Vênus Platinada' seguiu outros caminhos, entre eles na TV Cultura de São Paulo onde participou do 'Cartão Verde', programa de debates esportivos de domingo à noite, onde o enfoque era dar à mesa redonda um ar de elegância e refinamento, destoando dos tradicionais formatos pautados pela paixão exacerbada e por partidarismos de jornalistas. Ele numa entrevista explicou que no futebol havia o cartão amarelo para advertir e o cartão vermelho para punir o atleta com sua saída. Daí o nome da mesa redonda 'Cartão Verde' onde o atleta, o esporte seriam brindados com este cartão inexistente no futebol, um cartão que mostraria o lado bom, poético, singelo da pratica esportiva mais popular do mundo. Bem adequado à característica jornalística de Nogueira que foi literária, poética, simbólica, com  metáforas, paradoxos, enfim um apuro esquecido nos textos e imagens contemporâneas que chegam até nós. Nogueira foi o último representante da safra romântica de jornalistas que poderia ser classificada como 'Bossa Nova'.  E pegando de empréstimo esta tendência, aqui vai um 'Cartão Verde' para Armando Nogueira, o jornalista das metáforas.

7 de mar. de 2010

José Mindlin, os livros e a mídia


José Mindlin (1914-2010) foi uma exceção num país que não preza a leitura - e que  quando o faz,  faz de modo equivocado. Um exemplo raro na plutocracia (classe capitalista) de apreço pelos livros. Ele foi na contramão de seus colegas de classe social abastados. Em vez de sair mundo afora procurando obras de arte, quadros, móveis usados por estadistas europeus de séculos passados, ele viajava para comprar livros raros. Seu  qualificação como apreciador de livros recebia um nome estranho: bibliófilo.

A TV Cultura reapresentou esta semana uma entrevista  com José  Mindlin  no 'Roda Viva'  feita em 2006 como  homenagem  ao colecionador. Ali ele contou como começou sua coleção, os percalços para conseguir obras raras em sebos. Contou também algo sobre sua vida empresarial na Metal Leve, empresa metalúrgica do ramo automobilístico. Houve espaço também para anedotas. Entre elas, contou o episódio onde ladrões entraram em sua biblioteca e ele quis oferecer um emprego em sua empresa. Outra, quando estava numa livraria, ouviu de uma senhora da alta sociedade um pedido inusitado: ela queria comprar uns livros para preencher sua prateleira, pois iria receber uma visita ilustre e não queria passar vergonha.  Antes de morrer, Mindlin doou  sua coleção para a Universidade de São Paulo que está digitalizando o acervo. A biblioteca com seu nome não ficou pronta ainda e o homenageado não pode vê-la como a viu no projeto.

O livro, que muitas vezes é tranformado num objeto de fetiche entre nós, teve para Mindlin uma função diferente. Ele dizia que a biblioteca não era sua e sim um bem coletivo. ´"A gente passa, os livros ficam", dizia. Sua entrevista para a TV Cultura foi um dos raros momentos onde a leitura  e os livros foram o foco central  e isso de modo bem sucedido. Isso talvez porque ele não fosse escritor. Era um leitor. Geralmente entrevistas com escritores são maçantes, há uma luta entre entrevistador e entrevistado - no caso o autor. Há egos e esquisitices. Isso sem falar nos programas literários que pecam pelo excessivo didatismo - a TV Cultura por exemplo tem o soporífero 'Entre Linhas' (de entrevistas com autores) e o 'Tudo que é sólido pode derreter' (destinado ao público adolescente). Mas na entrevista com José Mindlin, o hábito de leitura foi realmente valorizado, sem as afetações frequentes, vistas quando a televisão aborda o tema literatura e livros. Espera-se que o exemplo de José Mindlin de apreço pelos livros não fique apenas no nosso  imaginário de extravagâncias, mas que colabore para que novos apreciadores da leitura e dos livros surjam no nosso país.