Ao discursar na sede do PSDB comemorando sua vitória sobre Fernando Haddad na disputa pela prefeitura de São Paulo, João Dória Jr. fez o que todo político faz, porém com um ingrediente especial. Este ingrediente foi o apelo veemente pelo imperativo moral alicerçado em pessoas que não fazem mais parte do mundo dos vivos, além do uso do discurso piedoso-cristão remetendo-se a uma religiosidade improvável , principalmente quando o prefeito eleito é lembrado em suas performances no seu programa de entrevistas ''Show Business'', no reality-show ''O Aprendiz'' (quando fez uma versão ''queridinha da vovó'' do programa), ou ainda em seus empreendimentos impressos, entre os quais a nada transcendental revista Caviar Lifestyle.
Há que se destacar que políticos em seus discursos vitoriosos sempre recorrem à lembranças de lideranças, familiares e correligionários que já faleceram, trazendo para si a responsabilidade de prosseguir com seus legados para as futuras gerações, não sendo nada de excepcional tal ato. Mas no caso de João Dória, a rememoração vai além da mera dedicatória in memoriam justificável no calor da emoção que o momento exige. Ela dá uma pista dos reais motivadores de sua vitória, consequência de uma guinada recente de seu partido rumo à extrema direita no campo político, renegando uma perspectiva da administração atual baseada em conquistas sociais como diretriz de políticas públicas e de uma visão menos utilitarista e imediatista de se fazer política.
Dória, evidentemente, foi vitaminado (52% dos votos) pela parcela mais conservadora do eleitorado paulistano, aquela mesma que de panelas em punho foi recorrentemente vista nos últimos meses nas sacadas gourmet dos elegantes condomínios fechados da capital bandeirante, como signo de desaprovação de um governo democraticamente eleito com uma plataforma social que destoava do ideário de sustentação deste mesmo eleitorado paulistano médio-classista / alto-médio-classista. Os ''coxinhas-paneleiros'' foram o símbolo da discordância e da dissonância social sempre engambelada pelos discursos midiáticos de um Brasil harmonioso e das análises dos processos históricos direcionadas por uma pretensa conciliação de classes: eles tinham percebido o quão danoso para suas castas privilegiadas seria permanecer passivos diante um projeto de ínfimas proporções que buscava a instituição da justiça social e da ampliação de horizontes para uma grande parte da população brasileira frequentemente legada a último plano pelos donos do poder desde tempos imemoriais.
Assim, nada mais adequado para João Dória do que entrar em sintonia com o que o pensamento mediano paulistano mais queria. Mas para atingir esta meta, não bastaria endossar o fim do ciclo de governança de um partido subversivo (!) que, segundo a mentalidade política pouco elaborada da parte ressentida, estaria sendo responsável pela destruição da nação com esquemas de corrupção e jogadas políticas nunca antes vistas nas terras macunaímicas. Seria necessário mais do que isto, seria preciso um instrumento psicológico em consonância com os anseios dessa população seleta tão deseperada e que estava vendo seus sonhos de gente de bem irem pelo ralo com o surgimento de uma outra gente que já não aceitava ser tratada como extensões simbólicas de uma genealogia associada aos escravos trazidos do continente africano para sustentar as elites. E, para combater o pensamento progressista, nada mais adequado do que se apropriar do discurso da contrapartida do pensamento reacionário.
Como intrumento antiprogressista, o ideário reacionário é a estratégia mais elementar para estancar a ruptura das estruturas, fazendo com que coletivamente haja o deslocamento da condução dos anseios de um povo para o campo obtuso e refreador das ideias conservadoras. O reacionário é antes de tudo negador daquilo que se chamou entre o século 18 de Iluminismo, que é a base para a civilização ocidental contemporânea no campo filosófico, político e social. E para atigir este patamar de negação iluminista, o reacionário busca na regressão histórica, na simbologia mítico-religiosa e nacionalista e na tradição o material para suas teses, encontrando no pantanoso campo da negação da razão o instrumento de condução rumo à felicidade (no sentido filosófico) humana, o seu farol existencial.
Daí o uso do discurso ''político-transcendental'' proferido por Dória quando, numa mistura entre emocionado e empolgado, agradecia àqueles que lhes ajudaram a vencer o adversário Haddad por meio de seus ensinamentos dados enquanto vivos, somado às referências à simbologias religiosas como por exemplo a oração como elemento de conduta política ética — ''Eu sempre oro''— afirmou extasiado, como se justificasse a si e aos presentes sua missão suprema de libertador escolhido, recompensado apenas por ter feito preces ao ser supremo. Estes são indícios da direcionalidade de seu repertório político ao encontro da parcela reacionária dos eleitores da cidade de São Paulo e isto sob as bençãos políticas do já piedoso governador Geraldo Alkmin, conhecido político ligado a setores mais reacionários da Igreja Católica, como a Opus Dei.
Há que se destacar que políticos em seus discursos vitoriosos sempre recorrem à lembranças de lideranças, familiares e correligionários que já faleceram, trazendo para si a responsabilidade de prosseguir com seus legados para as futuras gerações, não sendo nada de excepcional tal ato. Mas no caso de João Dória, a rememoração vai além da mera dedicatória in memoriam justificável no calor da emoção que o momento exige. Ela dá uma pista dos reais motivadores de sua vitória, consequência de uma guinada recente de seu partido rumo à extrema direita no campo político, renegando uma perspectiva da administração atual baseada em conquistas sociais como diretriz de políticas públicas e de uma visão menos utilitarista e imediatista de se fazer política.
Dória, evidentemente, foi vitaminado (52% dos votos) pela parcela mais conservadora do eleitorado paulistano, aquela mesma que de panelas em punho foi recorrentemente vista nos últimos meses nas sacadas gourmet dos elegantes condomínios fechados da capital bandeirante, como signo de desaprovação de um governo democraticamente eleito com uma plataforma social que destoava do ideário de sustentação deste mesmo eleitorado paulistano médio-classista / alto-médio-classista. Os ''coxinhas-paneleiros'' foram o símbolo da discordância e da dissonância social sempre engambelada pelos discursos midiáticos de um Brasil harmonioso e das análises dos processos históricos direcionadas por uma pretensa conciliação de classes: eles tinham percebido o quão danoso para suas castas privilegiadas seria permanecer passivos diante um projeto de ínfimas proporções que buscava a instituição da justiça social e da ampliação de horizontes para uma grande parte da população brasileira frequentemente legada a último plano pelos donos do poder desde tempos imemoriais.
Assim, nada mais adequado para João Dória do que entrar em sintonia com o que o pensamento mediano paulistano mais queria. Mas para atingir esta meta, não bastaria endossar o fim do ciclo de governança de um partido subversivo (!) que, segundo a mentalidade política pouco elaborada da parte ressentida, estaria sendo responsável pela destruição da nação com esquemas de corrupção e jogadas políticas nunca antes vistas nas terras macunaímicas. Seria necessário mais do que isto, seria preciso um instrumento psicológico em consonância com os anseios dessa população seleta tão deseperada e que estava vendo seus sonhos de gente de bem irem pelo ralo com o surgimento de uma outra gente que já não aceitava ser tratada como extensões simbólicas de uma genealogia associada aos escravos trazidos do continente africano para sustentar as elites. E, para combater o pensamento progressista, nada mais adequado do que se apropriar do discurso da contrapartida do pensamento reacionário.
Como intrumento antiprogressista, o ideário reacionário é a estratégia mais elementar para estancar a ruptura das estruturas, fazendo com que coletivamente haja o deslocamento da condução dos anseios de um povo para o campo obtuso e refreador das ideias conservadoras. O reacionário é antes de tudo negador daquilo que se chamou entre o século 18 de Iluminismo, que é a base para a civilização ocidental contemporânea no campo filosófico, político e social. E para atigir este patamar de negação iluminista, o reacionário busca na regressão histórica, na simbologia mítico-religiosa e nacionalista e na tradição o material para suas teses, encontrando no pantanoso campo da negação da razão o instrumento de condução rumo à felicidade (no sentido filosófico) humana, o seu farol existencial.
Daí o uso do discurso ''político-transcendental'' proferido por Dória quando, numa mistura entre emocionado e empolgado, agradecia àqueles que lhes ajudaram a vencer o adversário Haddad por meio de seus ensinamentos dados enquanto vivos, somado às referências à simbologias religiosas como por exemplo a oração como elemento de conduta política ética — ''Eu sempre oro''— afirmou extasiado, como se justificasse a si e aos presentes sua missão suprema de libertador escolhido, recompensado apenas por ter feito preces ao ser supremo. Estes são indícios da direcionalidade de seu repertório político ao encontro da parcela reacionária dos eleitores da cidade de São Paulo e isto sob as bençãos políticas do já piedoso governador Geraldo Alkmin, conhecido político ligado a setores mais reacionários da Igreja Católica, como a Opus Dei.
Cabe ressaltar que nem todo crente é reacionário, mas todo reacionário tem sua fé afirmada, nem que o seja de modo utilitarista. Deve-se a este fenômeno pelo fato da fé do reacionário ser em busca de um imperativo moral acima da razão, nem que para isto haja a necessidade de instrumentalizar a religião (e por conseguinte a moral), negando o seu uso como ''testemunho de vida''— pois reacionários são gregários e pouco dados a individualidades subjetivas notadas até mesmo no cristianismo da Idade Média. Isso explica o fato de políticos de extrema-direita como Jair Bolsonaro terem de um lado um discurso de essência anticristã (racista, misógino, intolerante, virulento) e de outro lado serem ''propagadores'' do ideário do cristianismo como exclusivo meio de conduta moral e de vida, exaltando suas pretensas virtudes, evidentemente moldadas às suas práticas pessoais religiosas pouco ou nada ortodoxas.
Fechando o pacote reacionário na fala de Dória, houve ainda a exaltação a simbolos nacionalistas, como a bandeira nacional, junto com a cafonice — algo recorrente no discurso conservador — de fechar seu discurso tocando o ''Tema da Vitória'' dedicado ao falecido piloto Ayrton Senna e repetindo ao fundo o slogam ''Acelera! Acelera! Acelera!''. Senna, sabemos, foi elencado goela abaixo pela Vênus Platinada como ícone esportivo de uma nação e é tido como referencial de caráter e determinação, um lugar comum nas referências bibliograficas no campo da autoajuda empresarial ou espiritual. O piloto, neste contexto, se encaixa perfeitamente em todo este repertório antiprogressista vislumbrado por Dória, pois ícones da sociedade do marketing são apaixonadamente admirados e potencializados ao extremo ainda mais quando atingem o grau de mitos humanos ao terem suas trajetórias marcadas pela tragédia, sejam eles desportistas, artistas, políticos ou empresários. O inexplicável é o alimento da mente reacionária.
Aliás, nada mais mitológico — leia-se falso — do que a improvável eleição de um candidato que sempre transitou nos campos do poder político, tendo sido até secretário de estado e que se elegeu com um discurso onde nega a própria política. Que apregoa a ética, mas que se apossou de uma área pública em Campos do Jordão como se fosse sua. Que se arroga como empreendedor liberal e que sempre recebeu polpudas verbas estatais para seus empreendimentos. Que diz que não recebeu herança mesmo sendo descendente de família historicamente rica e dona de engenhos desde os tempos coloniais. Estes qualificantes, evidente, passarão batidos pelos eleitores, pois a tarefa maior de Dória é apagar o progressismo e mitologicamente trazer a velha política com ares de novidade para satisfação coletiva. Na terra que se esforça frequentemente para divulgar seus tradicionais mitos duvidosos — indo da ''Revolução'' de 1932, passando pelos desbravadores bandeirantes e de ser a locomotiva da nação — isto, provavelmente, não será tarefa muito difícil de se realizar.