4 de abr. de 2010

Eduard Khil, ou 'o homem mais feliz do mundo'

O título pode sugerir alguém que tenha ganho algum prêmio de loteria, ou então que tenha achado a sorte grande nos negócios ou que tenha conseguido algo mais pessoal como a conquista (ou a reconquista) da pessoa amada. Entretanto nenhuma destas possibilidades descrevem o que está por detrás das palavras do lead. Na verdade Eduard Khil é um cantor russo aposentado de 75 anos, ex-barítono e viajou por vários países em turnês de apresentações. Num período de cerceamento de liberdades ele desenvolveu sua arte na medida do possível, possível este determinado pela mente burocrática e opressora dos líderes da antiga União Soviética.

Eduard Khil  está num vídeo do site Youtube . Ali está o clipe onde ele canta uma música   nos anos setenta para a TV estatal soviética. 'Eu  estou tão feliz por finalmente voltar para casa', é uma música original americana que retrata a vida  de um caubói. A letra não teria  nada de excepcional e diz: 'Eu estou montando meu cavalo mustang nas pradarias, enquanto minha adorada Maria está a milhas de distância costurando minhas meias'. E nesta letra singela que o viés burocrático  da ex-União Soviética se mostrou latente - a ponto de censurarem a letra da música por ser  uma 'canção de faroeste' (lembremos que Estados Unidos e União Soviética foram forças opostas na 'Guerra Fria', movimento armamentista pós Segunda Guerra Mundial e que acabou apenas com o desmanche do bloco soviético liderado pela Rússia; daí a justificativa da censura, que na cabeça dos burocratas russos seria uma 'exaltação' à cultura americana, ...)

Restou então para Khil gravar o clipe da música apenas 'cantarolando' sem referir-se à letra então censurada. Talvez em épocas recentes, principalmente no 'mundo ocidental' liderado pelos Estados Unidos o clipe passaria despercebido. Afinal, não havia esta certa pasteurização da música pop,  e não havia divas que parecem saídas do forno no esquema Lady Gaga ou Beyoncé que ditassem tendências na indústria fonográfica. O que chama a atenção é a originalidade da canção, a técnica, o fato de um cantor erudito tentar expressar algo através de uma canção censurada apenas cantarolando, tentando emocionar o espectador.

E isso Eduard Khil parece que conseguiu vários anos depois de gravar o clipe. O elegante barítono virou hit na internet. Antes de saber da fama inesperada e tardia, seu neto chegou em casa cantarolando a música - também conhecida como 'Trololo' - e, questionado pelo avô barítono, o garoto disse que estavam todos cantando sua música da net, fazendo versões, paródias. Era o começo do 'estrelato tardio' de Khil. Os acessos de seu 'hit cantarolado' atingiram  a casa dos milhões em pouco tempo. Versões da canção em estilos diversos como 'dance-music' assim como a venda de camisetas com a estampa do cantor russo podem ser adquiridas pela internet.

O cantor russo disse em entrevista ao canal de notícias Russia Today que passou a adorar a internet, pois ela possibilita um 'encontro de gerações'. Khil parece estar certo, e este episódio traz inúmeras reflexões sobre nossos conceitos de liberdade individual, liberdade de expressão, divulgação de conhecimento, ideologias políticas, censura, manipulação midiática, enfim, um apanhado de temas que muitas vezes tem suas essências pouco analizadas por nós. Seria um bom momento de pensarmos sobre estes temas. Mas, é claro, ouvindo 'Trololo', ou a canção do 'homem mais feliz do mundo'.

Fontes:

Cartão Verde para Armando Nogueira


Armando Nogueira (1927-2010) atravessou duas épocas distintas do jornalismo: viveu numa época dourada, representada em parte significativa pela imprensa carioca. Trabalhou  com jornalistas - escritores de renome como Nelson Rodrigues,  Paulo Mendes Campos , Fernando Sabino,  Rubem Braga em veículos históricos numa convivência harmônica, quando o jornalismo permitia uma certo flertar com  a literatura  e este texto jornalístico/literário dava o tom  nos textos árduos das notícias do cotidiano. O Brasil ainda acreditava ser o país do futuro, tínhamos uma visão romântica de nossa sociedade, escondíamos - ou fingímos não ver as mazelas históricas vindas desde os séculos  de colonialismo e escravismo patrocinadas por  uma sociedade estratificada, hierarquizada, opressora e  corporativista. A capital do país, o Rio de Janeiro ditava tendências, modas, era o centro cultural e político nacional. A Bossa Nova veio compensar a aura que foi perdida devido à mudança da capital para Brassília e por certo tempo a Cidade Maravilhosa pode sustentar o seu  ego e sua economia.

Mas vieram os tempos difíceis pós-64 e tudo mudou. A liberdade foi  reduzida e em alguns casos a censura fez esta palavra 'liberdade' - hoje tão banalizada - em algo precioso, fosse ela liberdade de expressão, de pensamento, cultural, política. Mais de vinte anos se seguiram de retenção de liberdades que nos custam problemas até hoje, o país se desenvolveu apenas para parte da população, excluindo milhões do progresso humano, social e econômico.

Armando Nogueira seguiu sua carreira jornalística  na televisão, notadamente na Rede Globo onde criou o 'Jornal Nacional'. Levou para o jornalismo da emissora  sua tendência poética que ia ao encontro da ideologia de Roberto Marinho e seu jeito de fazer jornalismo 'morno', sem querer expor diretamente ao leitor - e ao espectador - o que havia por detrás das entrelinhas editoriais. Neste ambiente, Nogueira pode desenvolver e profissionalizar o ofício de jornalista que foi essencial para o fortalecimento institucional da emissora de Marinho, tanto por afinidade como por dever de ofício.

Nesta atmosfera, Nogueira liderou o 'JN' com seu jornalismo perfumaria, manipulado pela censura dos militares apoiados pelo dono da Globo. O jornalismo da emissora foi um laboratório de intervenções onde o interesse pessoal superou o papel de um veículo de comunicação - o de informar, formar opiniões, conceitos, de ser isento, apartidário, de ser democrático e mostrar a realidade mesmo sabendo o custo que isso irá causar. Foram vários episódios ligados aos veículos de Marinho (Rede Globo e Jornal O Globo), que os acusam de manipulação de informações visando interesses imediatos, até mesquinhos, numa mistura nefasta entre o público e o privado. Lembremos do caso da manipulação de dados das pesquisas de boca de urna nas eleições de 1982 quando Leonel Brizola (inimigo ferrenho de Marinho) venceu, além da manipulação na edição do debate da eleição à presidência em 1989 onde Lula foi prejudicado em favor de Fernando Collor - preferido das Organizações Globo.

Este episódio foi o fim da era ' Armando Nogueira' no comando do jornalismo da emissora de Marinho. Nogueira criticou a edição imposta  do debate Collor x Lula exibida no JN o que lhe custou o cargo. Mas mesmo sem Armando e sua poesia jornalístca, a emissora carioca continuou sua sina de maquiar a realidade em favor de 'x' ou 'y' num coronelismo eletrônico que somente encontrou paralelo nas empresas de comunicação do norte e nordeste brasileiros - lugares com seu 'jornalismo cabresto' favorecendo os donos destas empresas - geralmente políticos a serviços de oligarquias familiares.

É difícil afirmar se Armando Nogueira foi responsável pelo status que a emissora de televisão que mais cresceu no regime militar atingiu. É certo afirmar que a Globo e seu jornalismo parcial seria a Globo de hoje com ou sem Nogueira, mas o que favoreceu sua permanência há tanto tempo como diretor de jornalismo foi a já citada empatia patrão - empregado, emissora - jornalista. Hoje, após sua morte, circulam por aí textos de ex-subordinados fazendo uma leitura piedosa de Nogueira, que mesmo reverendicando  o jornalista, o acusam de ter sido conivente com o regime. E estes que o criticam, não eram de certa maneira coniventes também? Algum deles foram jornalistas por anos a fio da Rede Globo e atualmente sob o manto protetor desta nova Vênus midiática chamada Edir Macedo, destilam uma independência  que não tiveram coragem de fazer em tempos de vacas magras.

Nogueira após sair da 'Vênus Platinada' seguiu outros caminhos, entre eles na TV Cultura de São Paulo onde participou do 'Cartão Verde', programa de debates esportivos de domingo à noite, onde o enfoque era dar à mesa redonda um ar de elegância e refinamento, destoando dos tradicionais formatos pautados pela paixão exacerbada e por partidarismos de jornalistas. Ele numa entrevista explicou que no futebol havia o cartão amarelo para advertir e o cartão vermelho para punir o atleta com sua saída. Daí o nome da mesa redonda 'Cartão Verde' onde o atleta, o esporte seriam brindados com este cartão inexistente no futebol, um cartão que mostraria o lado bom, poético, singelo da pratica esportiva mais popular do mundo. Bem adequado à característica jornalística de Nogueira que foi literária, poética, simbólica, com  metáforas, paradoxos, enfim um apuro esquecido nos textos e imagens contemporâneas que chegam até nós. Nogueira foi o último representante da safra romântica de jornalistas que poderia ser classificada como 'Bossa Nova'.  E pegando de empréstimo esta tendência, aqui vai um 'Cartão Verde' para Armando Nogueira, o jornalista das metáforas.

7 de mar. de 2010

José Mindlin, os livros e a mídia


José Mindlin (1914-2010) foi uma exceção num país que não preza a leitura - e que  quando o faz,  faz de modo equivocado. Um exemplo raro na plutocracia (classe capitalista) de apreço pelos livros. Ele foi na contramão de seus colegas de classe social abastados. Em vez de sair mundo afora procurando obras de arte, quadros, móveis usados por estadistas europeus de séculos passados, ele viajava para comprar livros raros. Seu  qualificação como apreciador de livros recebia um nome estranho: bibliófilo.

A TV Cultura reapresentou esta semana uma entrevista  com José  Mindlin  no 'Roda Viva'  feita em 2006 como  homenagem  ao colecionador. Ali ele contou como começou sua coleção, os percalços para conseguir obras raras em sebos. Contou também algo sobre sua vida empresarial na Metal Leve, empresa metalúrgica do ramo automobilístico. Houve espaço também para anedotas. Entre elas, contou o episódio onde ladrões entraram em sua biblioteca e ele quis oferecer um emprego em sua empresa. Outra, quando estava numa livraria, ouviu de uma senhora da alta sociedade um pedido inusitado: ela queria comprar uns livros para preencher sua prateleira, pois iria receber uma visita ilustre e não queria passar vergonha.  Antes de morrer, Mindlin doou  sua coleção para a Universidade de São Paulo que está digitalizando o acervo. A biblioteca com seu nome não ficou pronta ainda e o homenageado não pode vê-la como a viu no projeto.

O livro, que muitas vezes é tranformado num objeto de fetiche entre nós, teve para Mindlin uma função diferente. Ele dizia que a biblioteca não era sua e sim um bem coletivo. ´"A gente passa, os livros ficam", dizia. Sua entrevista para a TV Cultura foi um dos raros momentos onde a leitura  e os livros foram o foco central  e isso de modo bem sucedido. Isso talvez porque ele não fosse escritor. Era um leitor. Geralmente entrevistas com escritores são maçantes, há uma luta entre entrevistador e entrevistado - no caso o autor. Há egos e esquisitices. Isso sem falar nos programas literários que pecam pelo excessivo didatismo - a TV Cultura por exemplo tem o soporífero 'Entre Linhas' (de entrevistas com autores) e o 'Tudo que é sólido pode derreter' (destinado ao público adolescente). Mas na entrevista com José Mindlin, o hábito de leitura foi realmente valorizado, sem as afetações frequentes, vistas quando a televisão aborda o tema literatura e livros. Espera-se que o exemplo de José Mindlin de apreço pelos livros não fique apenas no nosso  imaginário de extravagâncias, mas que colabore para que novos apreciadores da leitura e dos livros surjam no nosso país.

28 de fev. de 2010

Coronelismo eletrônico em São Paulo


Se São Paulo sempre se orgulhou de ter uma mídia de certa forma independente do poder político, este orgulho deixou de existir nos últimos tempos, principalmente na administração do governador José Serra. Sob sua liderança, o governo do estado mais rico do país esbanja verbas públicas em publicidade em diversos órgãos de imprensa, principalmente rádio e televisão. É impossível ficar meia hora acompanhando estes veículos sem se deparar com a frase 'São Paulo é um estado cada vez melhor' - o slogan atual da administração. Serra gastou  cerca de R$ 227.000.000,00 em publicidade no ano de 2009. São propagandas ressaltando as obras do metrô, do rodoanel, da educação - que diga-se de passagem está sucateada, entre outros feitos da administração.

Entretanto esta publicidade substancial não é apenas para a divulgação das obras do governo Serra - que afirmou recentemente que os tucanos não são muito dados à publicidade. (devemos lembrar que nos kits escolares entregues em 2009, todo o material mostrava o logotipo do governo do estado e seu slogan citado acima). José Serra, com seu estilo personalista e que chama para si toda as virtudes de sua equipe, pede contrapartida à imprensa paulista pelo investimento financeiro através da publicidade. Nunca se viu tanto partidarismo em veículos de comunicação paulistas, historicamente associados à pluralidade de idéias e tendências. Temos a Folha com seus deslizes em afirmar que a ditadura militar fora uma 'ditabranda', temos Veja numa explícita proteção à Serra nos recentes episódios onde foi acusado de incompetência administrativa (desabamento da construção da estação Pinheiros do metrô, desabamento do viaduto em construção do rodoanel metropolitano, transbordamento do rio Tietê). Temos ainda a  Rede Globo em sua já conhecida parcialidade discreta na voz de seus comentaristas políticos e econômicos.

Todos estes fatores serão lembrados nestas eleições próximas, não só pelos eleitores, mas também pelos telespectadores, ouvintes e leitores. Cada vez mais o leitor paulista deixa de acreditar que os veículos de comunicação locais sejam tão isentos quanto se faziam crer há tempos atrás. E o leitor que também é leitor e telespectador parece estar reagindo a este coronelismo eletrônico paulista. Podemos deduzir isso pelos números atuais baseados na queda de tiragem de grandes jornais paulistas (Folha e Estadão) e na queda de audiência de alguns veículos como TV e rádio paulistas antes líderes de audiência.  Isso é um indicador de mudança de mentalidades, que o eleitor-leitor-telespectador não se deixa mais manipular pelo marketing, quando sabe que os serviços públicos mais essenciais não condizem com a excelência mostrada nos jingles radiofônicos, nas páginas dos jornais e revistas ou nas milionárias campanhas televisivas. 

15 de fev. de 2010

'Bye-bye' São Paulo


Nos últimos dias a mídia tem noticiado os estragos que as chuvas vem causando na cidade de São Paulo. Com muitas  perdas ocorridas, procuram-se culpados enquanto as autoridades se eximem da responsabilidade de cuidar do planejamento da terceira maior cidade do planeta.

O prefeito Gilberto Kassab disse que o problema é que chove muito. Ele está certo, não tem  sua afirmativa nada de descabido ou insensato. O problema é que ele e seus antecessores não tem dado a atenção necessária no quesito planejamento urbano. "A verticalização da cidade é muito grande. Esse é um grande problema, apesar de que também está chovendo muito em São Paulo", diz Augusto Pereira Filho, especialista em ciências atmosféricas da USP em entrevista ao site Folha Online. Também há dados que revelam que nos últimos dez anos a impermeabilização aumentou cinquenta por cento na cidade. A antes chamda capital das oportunidades agora é um martírio coletivo que  atormenta a todos, não  escolhendo renda, bairro, horário, dia da semana. Ainda estamos no meio do verão e os problemas poderão dobrar se nada for feito.

O problema é que São Paulo parou. Se não parou, está próxima da estagnação em todos os sentidos. O 'boom' imobiliário é um dos causadores do caos que vem em forma de enchente. A impermeabilização do solo pelo mercado imobiliário impossibilita o escoamento da chuva, causando alagamentos. Mas quem quer peitar as grandes construtoras que 'geram emprego', e trazem o progresso para a cidade?

Outro problema difícil de se resolver devido a interesses econômicos é a questão dos veículos na capital que gera trânsito excessivo, demora na locomoção, perdas na produção, estresse, doenças. Um dia o ex-prefeito Paulo Maluf (fiel seguidor do 'progressismo de concreto armado') disse que trânsito era sinal de progresso. Já ouvi por estas bandas paulistanas pessoas dizerem que 'o Piauí daria tudo para ter um trânsito como o de São Paulo' O estado com menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país talvez não tenha tantos carros  assim, entretanto eles tem sossego para  poder se deslocar pelas cidades ou pela capital do estado sem sofrer  o custo coletivo que um trânsito como São Paulo tem para oferecer. Afinal a cada dia mil automóveis são emplacados na capital paulista.

Um  fator que também  tem sua parcela de culpa no caos urbano da capital é a característica anti-coletiva do paulistano, que de certa forma reflete a mentalidade do país. Precisa a população de São Paulo - e do país - parar de classificar aquilo que é público como sendo algo para alguém que não pode pagar por determinado serviço, algo para 'pobres'. Com esta visão canhestra, São Paulo virou a cidade dos condomínios fechados, das praças fechadas, das ruas fechadas (um grupo de moradores decide fechar uma rua e eis que temos um quarteirão inteiro fechado, justificado pelo argumento 'classe média' de 'segurança 24 horas'). Idem para a via pública, esta um reflexo do desleixo e da falta de educação do paulistano que, seja dentro de um popular 1.0 ou dentro de uma perua SUV, julga  a via expressa  um lixão a céu aberto, onde os copinhos de plástico, bitucas de cigarro, frutas e outros detritos podem ser jogados sem constrangimento. E esta falta de civilidade está embasada no seguinte argumento: se é pública, não é minha, pois tenho dinheiro para pagar´; público é para quem não pode. Daí não sendo minha, não há em minha consciencia nenhum fardo coletivo que me acuse de indiferença para o bem comum (público).

Os números da pesquisa do Ibope de Janeiro último dizendo que 57% dos paulistanos deixariam a cidade se pudessem, mostram o caos  que São Paulo chegou. Outrora capital dos migrantes e imigrantes, da diversidade cultural, de oportunidades infindáveis e de uma certa maneira (sem ufanismos ou xenofibias) o 'Brasil que deu certo', São Paulo é hoje  um arremedo dos sonhos de nosso avós, o berço onde apenas o interesse mercantil tem voz,  uma cidade que é um exemplo a não ser seguido de desprezo pelo planejamento visando o bem estar coletivo, o ambiente saudável, o bem público. Bem público, palavra tão vazia de conteúdo na mente dos dirigentes subservientes aos 'donos da cidade', destruidores de sonhos, encastelados em suas torres de marfim.  Será que os governantes estão esperando o caos completo para tomarem posicionamentos há tanto aguardados pela coletividade? Ou tomarão atitude apenas quando boa parte da população cansada disser: 'Bye-bye São Paulo'?

7 de fev. de 2010

"A Inglaterra é uma cloaca", diz Nobel de Literatura


"A Inglaterra é uma cloaca". Foi com esta afirmativa que o ganhador do Nobel de Literatura de 1986, o nigeriano Wole Soyinka resumiu seu sentimento para com os ex-colonizadores de seu país e de tantos outros países da Africa subssaariana. O escritor, que divide residência entre Nigéria e Estados Unidos deu entrevista a Tunku Varadarajan, do site americano de notícias The Daily Beast .

Soyinka - autor de The Road - é um ativista pela democracia em seu país, que considera injustamente classificado pelos Estados Unidos como incubadores do terrorismo islâmico. "Foi uma reação irracional, ignorante dos americanos. O terrorista não se torna radical na Nigéria. Isto acontece na Inglaterra, onde ele vai para a universidade estudar", argumenta.

Continuando sua linha de raciocínio, Soyinka diz:" É socialmente coerente permitir que todas as religiões orem abertamente. Mas isto é ilógico, porque nenhuma das outras religiões pregam a violência apocalíptica. E a Inglaterra autoriza isso. Lembre-se, aquele país foi um campo fértil para o comunismo, também. Karl Marx fez todo seu trabalho nas bibliotecas dali".

Para o ganhador do Nobel há uma justificativa nesta 'abertura' à religião islâmica:"O colonialismo cria uma arrogância inata, mas quando você assume um tipo de aventura imperial, aquela arrogância dá lugar a um sentimento de acomodação. Você tem orgulho de sua abertura". Esta seria para ele uma confirmação da auto-imagem de grandiosidade - a Grã-Bretanha  deixa  todo mundo pregar o que quiser sem constrangimentos. A educação, na sua avaliação é a saída contra o extremismo religioso e a intolerância: "Educação. E punição rigorosa para aqueles que acham, não 'eu estou certo, você errado', e 'eu estou certo, você está morto' ".

Na opinião de Wole Soyinka, esta fase de batalhas no mundo religioso (que tem inclusive atingido a Nigéria em conflitos religiosos entre muçulmanos e cristãos) iniciou-se quando o Aiatolá Khomeini proferiu sua fatwa (pena religiosa do Islã) contra o escritor Salman Rushidie em 1989. A partir daí a agressão doutrinária tornou-se agressão física e a presunção de poder sobre a vida e a morte passor a fazer parte da ideologia de muçulmanos inconsequentes em todo o mundo.

Segundo o escritor, o islamismo não tem condições de se tornar racidal nos Estados Unidos, ao contrário do Reino Unido, isso porque nos EUA os muçulmanos são mais abertos, já na Inglaterra eles se escondem em guetos.

Finalizando a entrevista Wole Soyinka lamentou que a Nigéria esteja doente - assim como o chefe da nação Umaru Yar'Adua, em coma num hospital da Arábia Saudita. Disse que seu país tivesse um governante à altura, eles teriam resistido à idéia americana de listar a Nigéria como país terrorista ao lado de Afeganistão e outros. Lamentou a impossibilidade de ter em seu país um chefe de estado que estivesse capacitado para dialogar com Barack Obama. "Mas qual chefe de estado nigeriano poderia falar com Obama? Não há nenhum governando neste gigante que é a África!".

Fonte: www.thedailybeast.com

7 de dez. de 2009

Robin Williams e a 'Síndrome do Amigo Universal'

O ator americano Robin Williams em entrevista ao 'Late Show' de David Letterman fez uma piada relacionada à conquista das Olimpíadas de 2016 pelo Rio de Janeiro - o Rio desbancou fortes cidades concorrentes como Madri, Praga e Tóquio, além de Chicago. Williams disse que a cidade de Chicago enviou Oprah Winfrey e Michelle Obama nas disputa, mas o Rio de Janeiro tinha mandado 50 strippers e meio quilo de cocaína (e segundo ele isso foi uma competição injusta). A entrevista está no Youtube com inúmeros acessos e vários comentários criticando a piada do humorista.

Não é a primeira vez que os brasileiros se sentem incomodados com estereótipos que os estrangeiros associam a nós. Essas declarações, como a de Williams, são feitas por personalidades, políticos ou são então colocadas em obras de ficção, referindo-se ao Brasil ora como um lugar corrupto ou violento, ora sexualmente paradisíaco. Um episódio notável e que pode ser relacionado aos comentários equivocados de Williams é o da série animada Os Simpsons ,  onde a família que dá nome ao seriado vem ao Rio passear e encontra apenas uma cidade selvagem, habitada por cobras e macacos enfim, uma cidade violenta, degradada e lasciva.
 
Foi-se o tempo em que o brasileiro era excessivamente complexado. O jornalista e escritor Nelson Rodrigues até analisou nosso complexo de inferioridade, nossa pouca auto-estima classificando-a como 'complexo de cachorro vira-lata'. Hoje o brasileiro parece mais confiante em si e no país, mesmo com os incontáveis problemas sociais e estruturais que impedem nosso pleno desenvolvimento. 

Entretanto o brasileiro ainda precisa, no geral, de indicadores externos que alavanquem sua autoconfiança numa leitura de si mesmo. Vejamos uma situação onde o sentimento de nação é mais notado - no esporte. É comum em transmissões de eventos esportivos internacionais um ufanismo nacionalista misturado com uma miopia sobre a visão que o brasileiro tem de si . Se o complexo de vira-latas é coisa do passado, agora o que reina é uma espécie de 'Síndrome do Amigo Universal'. A 'Síndrome do Amigo Universal' seria o sentimento coletivo de que somos boa gente, amado por todos. Enquanto outros povos aniquilam-se em conflitos, questões territoriais, em xenofobias, massacres nós, brasileiros, vivemos harmoniosamente, cordialmente e fazemos questão de que os estrangeiros vejam estas virtudes em nós. E ficamos orgulhosos quando os outros tem esta mesma percepção. É o mito do 'homem cordial' versão globalizada, exportada para vários países.
 
Lembro-me de uma transmissão de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008 onde o narrador Galvão Bueno comentava a boa recepção da delegação brasileira no Estádio Olímpico no dia da inauguração dos jogos. Ele asociou a relativa ovação dos atletas brasileiros pelas torcidas rivais ao 'sentimento de simpatia' que o brasileiro desperta no imaginário estrangeiro. Algo que é nato a todos nós, aquela coisa meio 'o mundo nos ama, vejam só!'. Este sentimento que Galvão quis exaltar na ocasião parece-se mais com o antigo complexo de vira-lata, mas só que repaginado: nós somos bons no que fazemos (em algumas coisas), somos amistosos, simpáticos, cordiais. É a imagem de que eles tem de nós é essa. Gostamos disso e isso nos basta.

Se quisermos amadurecer como povo e nação, esta visão distorcida - a 'Síndrome do Amigo Universal' - que encobre problemas seculares enraizados em nosso país precisa ser substituída por algo mais consistente e que traga benefícios efetivos a todo o nosso país. Para começar, poderíamos prestar mais atenção ao que escreveu Stanislaw Ponte Preta em uma de suas crônicas onde afirmava: "O brasileiro precisa parar de achar que é mais esperto que os outros". É disso que precisamos. Robin Williams não é culpado por toda a tragédia social que é o tráfico de drogas no Brasil, juntamente com a cultura da exploração sexual e violência contra mulheres. Estes problemas estão aí, apenas encobertos pela nuvem do ufanismo, do auto-engano que não nos deixa planejarmos alternativas e buscarmos saídas para estas questões. 

Precisamos deixar de sermos os 'espertos' que apenas buscam paliativos, evitando ao máximo procurar o problema na raiz, não querendo correr os riscos e as consequências que esta atitude possa ocasionar. Enquanto não aprendermos a buscar nossos problemas a fundo, continuaremos reféns dos melindres a todos os comentários que cheguem até nós mostrando nossas feridas mais latentes, algumas aberta há séculos e ainda não totalmente cicatrizadas.

27 de out. de 2009

O estado 'marginal'


Semana passada durante o intervalo na escola onde leciono em São Paulo, observei alguns alunos que cantavam uma letra de rap, ritmo muito difundido entre os jovens, principalmente os da periferia das grandes cidades. Aproximando-me deles, percebi que a letra que cantavam não tratava de problemas da comunidade onde viviam, nem tinha algo de protesto social ou político, semelhante às letras de rappers famosos que são ouvidos nas rádios e tevês. Pedi para analisar a letra escrita numa folha e vi que o rap era um exemplo explícito de apologia à criminalidade. Resumindo, a letra ilustrava uma ação criminosa imaginária onde um grupo delinqüente bem armado assaltaria um banco e levaria a melhor sobre a polícia. A polícia neste caso era tratada com desdém na letra da música.

Tomamos algumas medidas em relação a esse episódio lastimável. A letra do rap foi confiscada e houve uma conversa com os alunos que escreveram a letra. São alunos de quinta série, vale ressaltar, diferenciados. E estes alunos que escreveram e cantaram esta música nunca tiveram problema de mau comportamento escolar. Podem ser classificados como alunos aplicados e interessados apesar das dificuldades familiares, sociais e econômicas que os rodeiam. Estes fatores podem indicar uma incoerência, pois não havendo histórico de delinqüência entre os garotos compositores do rap subversivo, como poderiam eles ter tanta familiaridade com um linguajar conhecido apenas entre os iniciados na marginalidade?

A questão aqui é mais ampla. Deve ser vista de um ângulo diverso daquele já tentado com freqüência e muitas das vezes sem sucesso. Não se devem apontar a esmo responsáveis imediatos, algo muito comum em terras brasileiras, nem tão pouco sermos condescendentes com a atitude inconseqüente dos adolescentes. Pergunta-se então quem poderia ser o patrocinador, senão direto, ao menos indireto dessa virada de paradigmas, onde o nocivo torna-se agradável e o certo, duvidoso? O fomentador dessa descrença dos jovens no poder público, vetor do bem estar coletivo, da justiça da igualdade. Jovens, futuro – e mais do que isso, o presente – do Brasil?

São vários, mas entre eles fiquemos com um responsável importante, o próprio ultrajado e desacreditado estado. Estado que há tempos torna-se cada vez mais marginal, marginal no sentido mais irrestrito, conduzido por conceitos políticos e econômicos que o acusam de ser um mal ao desenvolvimento e progresso. Há uma idéia comum de ‘estado mínimo’ reinante pelos meios de poder contemporâneos que reduz a importância do estado, principalmente em áreas prioritárias onde o estado deve se fazer presente constantemente.

Se alguém perguntasse aos garotos da letra do ‘rap do mal’ porque tamanha aversão ao estado(polícia) eles responderiam que ela, a polícia (ou estado) representa o mal, a injustiça, pois é imparcial, favorecendo apenas a poucos. O estado oficial-marginal, suplantado por outro paralelo, antes marginal, agora visível. E esta justificativa teria a ver com a percepção coletiva da ingerência e corrupção no estado, conhecidos há tempos em todos os cantos do país. A animosidade em relação ao estado e a seus serviços essenciais que cada vez são mais precários (graças à mentalidade que diz que o que é público não é de ninguém e, portanto deve ser visto como algo que pode ser tratado com descaso e de modo desqualificado) vão além de episódios isolados de violência por parte dos operadores da segurança pública. A polícia é a representação mais latente do estado numa sociedade que tem escassa noção do que é o estado, como é a brasileira. E ainda é inúmeras vezes mais latente essa representação do estado pela polícia em regiões desassistidas pelo mesmo estado (a saúde vem em segundo lugar como representação e por último a educação). Se apenas indicarmos fatores isolados que causam na geração desassistida este fascínio temeroso pela perversão, não nos dando ao trabalho de desenterrar e extirpar suas raízes causadoras continuaremos nossa árdua e inócua corrida em busca dos responsáveis. E este incômodo sentimento de desprezo e descrença no bem comum(patrocinado a priori pelo estado), prosseguirá.