4 de abr. de 2010

Eduard Khil, ou 'o homem mais feliz do mundo'

O título pode sugerir alguém que tenha ganho algum prêmio de loteria, ou então que tenha achado a sorte grande nos negócios ou que tenha conseguido algo mais pessoal como a conquista (ou a reconquista) da pessoa amada. Entretanto nenhuma destas possibilidades descrevem o que está por detrás das palavras do lead. Na verdade Eduard Khil é um cantor russo aposentado de 75 anos, ex-barítono e viajou por vários países em turnês de apresentações. Num período de cerceamento de liberdades ele desenvolveu sua arte na medida do possível, possível este determinado pela mente burocrática e opressora dos líderes da antiga União Soviética.

Eduard Khil  está num vídeo do site Youtube . Ali está o clipe onde ele canta uma música   nos anos setenta para a TV estatal soviética. 'Eu  estou tão feliz por finalmente voltar para casa', é uma música original americana que retrata a vida  de um caubói. A letra não teria  nada de excepcional e diz: 'Eu estou montando meu cavalo mustang nas pradarias, enquanto minha adorada Maria está a milhas de distância costurando minhas meias'. E nesta letra singela que o viés burocrático  da ex-União Soviética se mostrou latente - a ponto de censurarem a letra da música por ser  uma 'canção de faroeste' (lembremos que Estados Unidos e União Soviética foram forças opostas na 'Guerra Fria', movimento armamentista pós Segunda Guerra Mundial e que acabou apenas com o desmanche do bloco soviético liderado pela Rússia; daí a justificativa da censura, que na cabeça dos burocratas russos seria uma 'exaltação' à cultura americana, ...)

Restou então para Khil gravar o clipe da música apenas 'cantarolando' sem referir-se à letra então censurada. Talvez em épocas recentes, principalmente no 'mundo ocidental' liderado pelos Estados Unidos o clipe passaria despercebido. Afinal, não havia esta certa pasteurização da música pop,  e não havia divas que parecem saídas do forno no esquema Lady Gaga ou Beyoncé que ditassem tendências na indústria fonográfica. O que chama a atenção é a originalidade da canção, a técnica, o fato de um cantor erudito tentar expressar algo através de uma canção censurada apenas cantarolando, tentando emocionar o espectador.

E isso Eduard Khil parece que conseguiu vários anos depois de gravar o clipe. O elegante barítono virou hit na internet. Antes de saber da fama inesperada e tardia, seu neto chegou em casa cantarolando a música - também conhecida como 'Trololo' - e, questionado pelo avô barítono, o garoto disse que estavam todos cantando sua música da net, fazendo versões, paródias. Era o começo do 'estrelato tardio' de Khil. Os acessos de seu 'hit cantarolado' atingiram  a casa dos milhões em pouco tempo. Versões da canção em estilos diversos como 'dance-music' assim como a venda de camisetas com a estampa do cantor russo podem ser adquiridas pela internet.

O cantor russo disse em entrevista ao canal de notícias Russia Today que passou a adorar a internet, pois ela possibilita um 'encontro de gerações'. Khil parece estar certo, e este episódio traz inúmeras reflexões sobre nossos conceitos de liberdade individual, liberdade de expressão, divulgação de conhecimento, ideologias políticas, censura, manipulação midiática, enfim, um apanhado de temas que muitas vezes tem suas essências pouco analizadas por nós. Seria um bom momento de pensarmos sobre estes temas. Mas, é claro, ouvindo 'Trololo', ou a canção do 'homem mais feliz do mundo'.

Fontes:

4 comentários:

  1. O único comentário que eu posso fazer, depois de sua conclusão no texto, é que vou reproduzí-lo no meu blog textos-livres, com grande satisfação.
    Abraço,

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  2. Eu li o texto e vi a mão de Deus, justiça divina. Sou pouco religioso, mas não pude deixar de notar que Eduard teve, mesmo que tarde a fama que sempre mereceu. Fico imaginando a felicidade dele e até me emociono com isso. Pelo texto, vi que ele era um homem sem preconceitos e tudo o que queria era fazer o que amava.
    Antes tarde do que nunca.

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  3. Quando assisti o vídeo, me assustei, parece que eu estou vendo um programa qualquer da TV Brasil! Do cenário ao figurino, tudo lembra a emissora gerida pela EBC. Ou seja, a TV Brasil se inspirou na TV estatal Soviática dos anos 70...(Rsrsrsrsr)

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  4. Danilo,

    É verdade, apesar que naquela época, fim dos anos 60 a televisão tinha poucos recursos em geral, o que se dirá da soviética, num regime burocrata e nada democrático.

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