25 de jul. de 2010

A educação que não é levada a sério

O Brasil não leva a educação a sério. Esta é uma frase que soa como uma redundância, a qual  todo mundo reconhece. Mas não sabemos o motivo de a termos como slogan de nossa falta de incompetência para difundir uma educação universal, que englobe a todos os cidadãos sem distinção, visando um país mais justo e próspero, não apenas no sentido econômico, mas de desenvolvimento humano e social. A notícia de que a Editora Abril comprou a rede de ensino Anglo passou despercebida pela maioria da população, que talvez desconheça a simbologia que esta transação representa. Estamos num país livre e ninguém quer causar empecilhos à livre iniciativa e isso abraça também no setor educacional, lucrativo por sinal. Entretanto esta simbologia vai além de uma simples transação.

A Abril edita a revista Veja, que frequentemente em seus textos, tanto em matérias quanto em artigos de 'especialistas' como Cláudio de Moura Castro e Gustavo Ioschpe, discute a educação no país. Coloquei especialistas entre aspas não por menosprezar alguma contribuição que pudese ser dada pelos colunistas de Veja à educação, mas por serem eles adeptos do tecnicismo pedagógico, tão em voga nas escolas particulares com suas apostilas e que tem encontrado espaço também no ensino público, principalmente em escolas sob administração do PSDB.

Moura Castro e Ioschpe veem a educação apenas sob o aspecto custo-benefício. Em seus artigos é comum a crítica maciça  aos professores do ensino público, que são classificados pelos ilustres colunistas como coorporativistas, adeptos de práticas que são ultrapassadas ou ainda desfavoráveis à meritocracia (num país onde as pessoas pobres são classificadas como 'menos favorecidas', soa estranho o uso da palavra 'meritocracia', mas isso não vem ao caso agora). São lugares comuns em suas análises, ideias como 'somente quando os salários melhorarem, os melhores professores estarão na educação pública', ou 'a escola pública somente melhorará quando a classe-média voltar a estudar nela'. Peguemos estas duas ideias comuns nos artigos de Veja (e de outros veículos como a Folha de S Paulo que tem outro 'especialista' - Gilberto Dimenstein) para tentar extrair uma explicação.

A idéia de melhores salários parece ótima de início. Mas não basta apenas isso, é necessário condições de trabalho, equipamentos adequados, livros, recursos que pelo menos indiquem uma direção rumo a uma qualidade no ensino público. Não basta aumentar o salário numa medida imediatista para que se tenha melhora nos serviços educacionais públicos; a educação se faz paulatinamente, num esforço conjunto entre sociedade e governos visando resultados a médio e longo prazos.Se apenas salários fossem atrativos, não haveria evasão de professores  em redes onde os salários são os maiores atrativos para uma carreira, aparentemente, promissora.  E levando a questão salarial para outras áreas do serviço público um pouco mais atrativas nos salários, tais como o serviço judiciário por exemplo, teríamos  neste setor desempenho iguais aos de países de primeiro mundo.

Quanto à ideia de retorno da classe-média à escola pública, essa parece ser uma utopia, devido ao nosso passado histórico e social excludente. Frequentemente se ouve de ex-alunos de escolas públicas, que as frequentaram há 50 ou 60 anos, que estas escolas eram excelentes. Elas poderiam em alguns aspectos serem excelentes, porém excludentes, visto que apenas a 'burguesia' tinha condições de frequentá-las - os poucos  filhos da classe trabalhadora, se quisessem frenquentá-las deveriam se submeter ao padrão escolar vigente. Não eram levados em conta por esta escola 'excelente' os desníveis sociais encontrados na sociedade brasileira, a origem dos alunos, o seu conhecimento de mundo, quais seus anseios. Era uma escola elitizada, para uma classe que não aceitava a diversidade em seu ambiente. E este pensamento perdura no Brasil, pois há o pensamento enraizado  entre nós de que tudo que é público, é 'coisa para pobre'.

Essas ideias, tão difundidas ultimamente por colunistas 'especializados',  sempre estiveram presentes no meio educacional brasileiro. O Brasil é um país que não privilegia a educação e a cultura como estimuladores do crescimento e desenvolvimento humano. Aqui a educação sempre foi vista como 'lustro', 'erudição',  a exaltação do saber 'enciclopédico' que não transforma a realidade, apenas reproduz modelos impostos pelos detentores do poder. Mesmo com a mobilidade social atual e diminuição das desigualdades, parece que este pensamento está mais forte do que nunca, com seus divulgadores na mídia e  na burocracia do Estado - vários donos de escolas particulares fazem parte de conselhos de educação pelo Brasil afora, definindo critérios para escolas em geral. Um caso notável de relação espúria entre interesses particulares e públicos na educação é o do ex-secretário de educação de São Paulo, Paulo Renato de Souza, que presta serviços de consultoria educacional a grupos editoriais multinacionais com interesses em licitações públicas. A administração da educação no Brasil parece estar se tornando um suculento prato, onde a promiscuidade governamental reina, setores da mídia visando interesses comerciais próprios manipulam a verdade e poucos apenas saem lucrando, em prejuízo de uma nação que ainda não acordou para a importância primordial da educação em suas vidas.


Fonte: http://economia.estadao.com.br/noticias/not_27129.htm

19 de jul. de 2010

Uma Copa de surpresas


O escritor  português Eça de Queiroz disse em um de seus textos que o negro africano era o único que  podia sorrir abertamente. Isso, porque, na visão do escritor do fim do século 19, o desenvolvimento havia tornado o homem cético e por consequência triste, e somente alguém, como o habitante da África - continente colonizado e bem afastado da ciência e do progresso - poderia sorrir. Parece que Eça fez essa observação com o intuíto velado de criticar o andamento cientificista da Europa de então, que influenciava todos os setores da sociedade, contrapondo este ideal à capacidade do habitante da África de surpreender-se, sorrir, diferente do homem europeu. Essa idéia de associarmos simplicidade à felicidade e harmonia perdura até hoje, mas é interessante notar que na época em que este texto referido foi escrito, a ciência dava seus primeiros passos, abrindo portas para o século do avanço científico e tecnolígico - o século 20.

Passado mais de cem anos da afirmação queiroziana, o continente negro abrigou uma Copa do  Mundo de Futebol, num país com um passado de colonização européia, escravidão negra, lutas pela liberdade, prisões. Um país que há vinte anos atrás elegia seu primeiro presidente negro, um homem que lutou junto com uma nação contra a opressão de um pensamento segregacionista - Nelson Mandela, ganhador do Nobel da Paz. Ele como presidente e líder, lançou a idéia de Nação do Arco-Íris, uma terra que abraçaria diferentes etnias e culturas, num ideal agregador, que apagasse da memória, os séculos de opressão. Este ideal ainda não foi plenamente alcançado, pois a África do Sul ainda traz traços dos anos do apartheid - a renda é mal distribuída, ficando a maioria da riqueza ainda nas mãos dos brancos; a violência é mais visível nos bairros de maioria negra, que também sofre a precariedade nos serviços básicos como educação e saúde. Entretanto o ideal de Mandela e da população oprimida continua em busca de soluções ao problema secular do racismo.

A Copa da África do Sul foi uma das mais surpreendentes dos últimos tempos. Seleções campeãs - Itália e França tidas como favoritas foram eliminadas na primeira fase, outras que nunca tiveram um histórico relevante de participações em Copas do Mundo, como o Paraguai, chegaram a surpreender indo até as quartas de final. Tivemos ainda surpresas individuais como por exemplo Diego Maradona, que aparentemente recuperado da fase obscura como usuário de drogas, apresentou-se como um show-man, comandando seus jogadores de modo ímpar -  além de ter sido muito mais diplomático se comparado com o técnico Dunga. E a seleção do melhor futebol do mundo,  que já lançou tantos talentos para o esporte, deu adeus ao torneio nas quartas de final, perdendo para a Holanda. Incompetência do técnico, dos jogadores que não jogaram com garra, não honrando a camisa verde-amarela? Culpa dos cartolas, da imprensa? Não se sabe, pouco se pode afirmar ainda sobre esta Copa de surpresas, o que significou para o esporte e para o povo sul-africano e para a África em geral.

Mas podemos, chegar a algumas constatações. A primeira é que nas estatísticas existem variáveis, o que foi comprovado com eliminações de seleções favoritas e classificação de seleções desacreditadas - quem acreditaria que a Espanha venceria a campeã Alemanha? A segunda constatação é que a tecnologia não anula o lado humano do empreendimento e vice-versa. Após lances duvidosos não observados por árbitros nesta copa, a FIFA começa a estudar a possibilidade de utilização de recursos tecnológicos para auxiliar no andamento das partidas. Já não era sem tempo. Existe um argumento falacioso de que o interessante no futebol é a polêmica. Até certo ponto é, mas deixa de ser interessante quando um lance não é observado pelo árbitro e este lance favorece uma equipe em detrimento de outra. E se o futebol utilizar os recursos eletrônicos, não deixará de ser 'apaixonante' e 'emocionante'. Um  exemplo disso é o atletismo que é um esporte que utiliza alguns recursos para avaliação da performance individual, pois o olho humano seria incapaz de medir centésimos de segundos de diferença entre os participantes de uma prova. Assim também, outros esportes usam sensores e outros recursos, como a natação. E a última constatação é a de que , se a seleção do Brasil quiser continuar surpreendendo o país e  o  mundo, deve fazê-lo a base de muito esforço e dedicação, não confiando em números e estatísticas apenas. Porque, assim como aconteceu na África do Sul  de Mandela, somente surpreenderam aqueles que não foram surpreendidos.