7 de dez. de 2009

Robin Williams e a 'Síndrome do Amigo Universal'

O ator americano Robin Williams em entrevista ao 'Late Show' de David Letterman fez uma piada relacionada à conquista das Olimpíadas de 2016 pelo Rio de Janeiro - o Rio desbancou fortes cidades concorrentes como Madri, Praga e Tóquio, além de Chicago. Williams disse que a cidade de Chicago enviou Oprah Winfrey e Michelle Obama nas disputa, mas o Rio de Janeiro tinha mandado 50 strippers e meio quilo de cocaína (e segundo ele isso foi uma competição injusta). A entrevista está no Youtube com inúmeros acessos e vários comentários criticando a piada do humorista.

Não é a primeira vez que os brasileiros se sentem incomodados com estereótipos que os estrangeiros associam a nós. Essas declarações, como a de Williams, são feitas por personalidades, políticos ou são então colocadas em obras de ficção, referindo-se ao Brasil ora como um lugar corrupto ou violento, ora sexualmente paradisíaco. Um episódio notável e que pode ser relacionado aos comentários equivocados de Williams é o da série animada Os Simpsons ,  onde a família que dá nome ao seriado vem ao Rio passear e encontra apenas uma cidade selvagem, habitada por cobras e macacos enfim, uma cidade violenta, degradada e lasciva.
 
Foi-se o tempo em que o brasileiro era excessivamente complexado. O jornalista e escritor Nelson Rodrigues até analisou nosso complexo de inferioridade, nossa pouca auto-estima classificando-a como 'complexo de cachorro vira-lata'. Hoje o brasileiro parece mais confiante em si e no país, mesmo com os incontáveis problemas sociais e estruturais que impedem nosso pleno desenvolvimento. 

Entretanto o brasileiro ainda precisa, no geral, de indicadores externos que alavanquem sua autoconfiança numa leitura de si mesmo. Vejamos uma situação onde o sentimento de nação é mais notado - no esporte. É comum em transmissões de eventos esportivos internacionais um ufanismo nacionalista misturado com uma miopia sobre a visão que o brasileiro tem de si . Se o complexo de vira-latas é coisa do passado, agora o que reina é uma espécie de 'Síndrome do Amigo Universal'. A 'Síndrome do Amigo Universal' seria o sentimento coletivo de que somos boa gente, amado por todos. Enquanto outros povos aniquilam-se em conflitos, questões territoriais, em xenofobias, massacres nós, brasileiros, vivemos harmoniosamente, cordialmente e fazemos questão de que os estrangeiros vejam estas virtudes em nós. E ficamos orgulhosos quando os outros tem esta mesma percepção. É o mito do 'homem cordial' versão globalizada, exportada para vários países.
 
Lembro-me de uma transmissão de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008 onde o narrador Galvão Bueno comentava a boa recepção da delegação brasileira no Estádio Olímpico no dia da inauguração dos jogos. Ele asociou a relativa ovação dos atletas brasileiros pelas torcidas rivais ao 'sentimento de simpatia' que o brasileiro desperta no imaginário estrangeiro. Algo que é nato a todos nós, aquela coisa meio 'o mundo nos ama, vejam só!'. Este sentimento que Galvão quis exaltar na ocasião parece-se mais com o antigo complexo de vira-lata, mas só que repaginado: nós somos bons no que fazemos (em algumas coisas), somos amistosos, simpáticos, cordiais. É a imagem de que eles tem de nós é essa. Gostamos disso e isso nos basta.

Se quisermos amadurecer como povo e nação, esta visão distorcida - a 'Síndrome do Amigo Universal' - que encobre problemas seculares enraizados em nosso país precisa ser substituída por algo mais consistente e que traga benefícios efetivos a todo o nosso país. Para começar, poderíamos prestar mais atenção ao que escreveu Stanislaw Ponte Preta em uma de suas crônicas onde afirmava: "O brasileiro precisa parar de achar que é mais esperto que os outros". É disso que precisamos. Robin Williams não é culpado por toda a tragédia social que é o tráfico de drogas no Brasil, juntamente com a cultura da exploração sexual e violência contra mulheres. Estes problemas estão aí, apenas encobertos pela nuvem do ufanismo, do auto-engano que não nos deixa planejarmos alternativas e buscarmos saídas para estas questões. 

Precisamos deixar de sermos os 'espertos' que apenas buscam paliativos, evitando ao máximo procurar o problema na raiz, não querendo correr os riscos e as consequências que esta atitude possa ocasionar. Enquanto não aprendermos a buscar nossos problemas a fundo, continuaremos reféns dos melindres a todos os comentários que cheguem até nós mostrando nossas feridas mais latentes, algumas aberta há séculos e ainda não totalmente cicatrizadas.

27 de out. de 2009

O estado 'marginal'


Semana passada durante o intervalo na escola onde leciono em São Paulo, observei alguns alunos que cantavam uma letra de rap, ritmo muito difundido entre os jovens, principalmente os da periferia das grandes cidades. Aproximando-me deles, percebi que a letra que cantavam não tratava de problemas da comunidade onde viviam, nem tinha algo de protesto social ou político, semelhante às letras de rappers famosos que são ouvidos nas rádios e tevês. Pedi para analisar a letra escrita numa folha e vi que o rap era um exemplo explícito de apologia à criminalidade. Resumindo, a letra ilustrava uma ação criminosa imaginária onde um grupo delinqüente bem armado assaltaria um banco e levaria a melhor sobre a polícia. A polícia neste caso era tratada com desdém na letra da música.

Tomamos algumas medidas em relação a esse episódio lastimável. A letra do rap foi confiscada e houve uma conversa com os alunos que escreveram a letra. São alunos de quinta série, vale ressaltar, diferenciados. E estes alunos que escreveram e cantaram esta música nunca tiveram problema de mau comportamento escolar. Podem ser classificados como alunos aplicados e interessados apesar das dificuldades familiares, sociais e econômicas que os rodeiam. Estes fatores podem indicar uma incoerência, pois não havendo histórico de delinqüência entre os garotos compositores do rap subversivo, como poderiam eles ter tanta familiaridade com um linguajar conhecido apenas entre os iniciados na marginalidade?

A questão aqui é mais ampla. Deve ser vista de um ângulo diverso daquele já tentado com freqüência e muitas das vezes sem sucesso. Não se devem apontar a esmo responsáveis imediatos, algo muito comum em terras brasileiras, nem tão pouco sermos condescendentes com a atitude inconseqüente dos adolescentes. Pergunta-se então quem poderia ser o patrocinador, senão direto, ao menos indireto dessa virada de paradigmas, onde o nocivo torna-se agradável e o certo, duvidoso? O fomentador dessa descrença dos jovens no poder público, vetor do bem estar coletivo, da justiça da igualdade. Jovens, futuro – e mais do que isso, o presente – do Brasil?

São vários, mas entre eles fiquemos com um responsável importante, o próprio ultrajado e desacreditado estado. Estado que há tempos torna-se cada vez mais marginal, marginal no sentido mais irrestrito, conduzido por conceitos políticos e econômicos que o acusam de ser um mal ao desenvolvimento e progresso. Há uma idéia comum de ‘estado mínimo’ reinante pelos meios de poder contemporâneos que reduz a importância do estado, principalmente em áreas prioritárias onde o estado deve se fazer presente constantemente.

Se alguém perguntasse aos garotos da letra do ‘rap do mal’ porque tamanha aversão ao estado(polícia) eles responderiam que ela, a polícia (ou estado) representa o mal, a injustiça, pois é imparcial, favorecendo apenas a poucos. O estado oficial-marginal, suplantado por outro paralelo, antes marginal, agora visível. E esta justificativa teria a ver com a percepção coletiva da ingerência e corrupção no estado, conhecidos há tempos em todos os cantos do país. A animosidade em relação ao estado e a seus serviços essenciais que cada vez são mais precários (graças à mentalidade que diz que o que é público não é de ninguém e, portanto deve ser visto como algo que pode ser tratado com descaso e de modo desqualificado) vão além de episódios isolados de violência por parte dos operadores da segurança pública. A polícia é a representação mais latente do estado numa sociedade que tem escassa noção do que é o estado, como é a brasileira. E ainda é inúmeras vezes mais latente essa representação do estado pela polícia em regiões desassistidas pelo mesmo estado (a saúde vem em segundo lugar como representação e por último a educação). Se apenas indicarmos fatores isolados que causam na geração desassistida este fascínio temeroso pela perversão, não nos dando ao trabalho de desenterrar e extirpar suas raízes causadoras continuaremos nossa árdua e inócua corrida em busca dos responsáveis. E este incômodo sentimento de desprezo e descrença no bem comum(patrocinado a priori pelo estado), prosseguirá.

21 de mai. de 2009

Discurso da estupidez televisiva

A apresentadora Maria Cândida entrevistava dias atrás no programa "Entrevista Record Cultura"(da Record News)o Cantor Kid Vinil e os integrantes da banda Biquini Cavadão, dois grandes representantes do rock nacional dos anos 80. Ali tentou-se traçar um panorama do movimento roqueiro no período de grande clamor popular-democrático e do seu legado. Chegou-se então a um consenso por parte dos músicos, durante a entrevista,de que a música brasileira decaiu com a ascenção sertaneja e de grupos de musicais baianos, num evidente análise mercadológica. Por fim Maria Cândida saiu-se com o pensamento "Mas o Brasil é um país sem educação mesmo, não é?", num pensamento de onde se deduz que a culpa pela baixa qualidade musical adviria da população mais pobre e consequentemente menos escolarizada do Brasil.

Recentemente Miguel Falabella deu entrevista afirmando que o nível mental do telespectador brasileiro é de uma criança de nove anos. Argumentou dizendo que algumas piadas elaboradas por ele não são entrendidas por falta de capacidade intelectual do telespectador brasileiro.Comparou jovens franceses que "lêem duzentas vezes mais" com os jovens brasileiros pouco cultos, nas palavras do ator.Terminou afirmando que a saída é a melhoria na educação.

O inferno são os outros 

Maria Cândida é uma jornalista experiente.Trabalhou na Rede Globo, no SBT, onde fez participações no "Domingo Legal" de Gugu Liberato. Atualmente pode ser vista sorridente nas tardes da Rede Record apresentando pegadinhas em seu programa "Melhor da Tarde". Sua afirmação de que o Brasil é um país sem educação é verossímel,e estivéssemos num país bem educado talvez ela estivesse desempregada ou trabalhando "no chão da fábrica do jornalismo" em vez de ser estrela bem paga. Falabella tem vinte e sete anos de televisão como ator, autor e apresentador e é reconhecido por seu trabalho no teatro. Em seus comentários percebe-se um certo rancor devido a sua incapacidade de alavancar os números de audiência de seus recentes projetos, depositando assim a culpa no telespectador, ignorante e inculto ao não perceber sua proposta artística.

A metalinguagem da estupidez

Deixemos Maria Cândida e Miguel Falabella de lado. Eles apenas são ecos distantes de um mea culpa televisivo, algo como "a metalinguagem da estupidez televisiva". A metalinguagem da estupidez televisiva é um recurso, às vezes inconsciente, que a TV usa para falar de si mesma ou para atribuir culpabilidades que ela mesma tem mas que tem pudor de fazê-lo, ou não quer fazê-lo.

A metalinguagem ocorre quando uma certa linguagem fala de si mesma. Quando um poeta fala do ofício do poeta em seus poemas,está usando metalinguagem, assim quando o cinema usa o making off para divulgar o filme, está usando metalinguagem.Também há metalinguagem em programas televisivos de bastidores da TV no estilo "Video Show". O recurso da metalinguagem necessita de senso crítico, pois pode soar falso.

No caso de Cândida e Falabella a metalinguagem da estupidez (da TV), soa despercebida, é quase subliminar, pois o telespectador já sabe dos mecanismos para captação de audiência, de certas estratégias para desvirtuar notícias no jornalismo atendendo a interesses políticos, ele já sabe do pouco apreço pela cultura que certos programas exalam em suas transmissões. Daí que a metalinguagem da estupidez televisiva é nulo, é como um relógio sem ponteiros ou um carro sem direção para conduzí-lo. Daí que Maria Cândida pode se esforçar ao máximo para "ser auto-crítica", mas o telespectador saberá que ela trabalha numa rede de televisão onde seus acionistas têm práticas religiosas que beiram o charlatanismo, e que se utilizam da falta de educação do povo brasileiro a qual Cândida se referiu - é o famoso "telhado de vidro". 

Já Falabella, enriqueceu e ganhou fama com suas novelas e personagens fomentados em audiência pelos telespectadores com intelecto de nove anos, como ele se referiu, numa emissora que tem um histórico de manipulação eleitoral, isso já na era pós-ditadura. Soa demagogo seu brado clamando por educação e cultura,sendo que essas duas tivessem sido promovidas há anos, talvez ele, juntamente com a emissora onde trabalha não figurassem no "panteão artístico-cultural", mantido com patrocínio estatal e que produz produtos culturais de gosto duvidoso.

O público deve julgar

Maria Cândida e Miguel Falabella soam inócuos em seus discursos. Melhor fariam se resignados deixassem que a TV e a música fossem julgados pelo público e pelo espectador, únicos motivos pelo qual existem. Jogar a própria culpa da mediocridade cultural televisiva em cima das costas daqueles que lhe aplaudem é deselegante e pouco inteligente, num meio já tão pouco estético e crítico como é a televisão atual.