14 de out. de 2013

Etnias e culturas

Muita coisa equivocada se diz sobre a questão étnica no Brasil. Um dos argumentos mais impressionantes (e com certeza um pensamento preguiçoso) é de que a discriminação, junto com o racismo, seria algo ''da cabeça das pessoas'', pessoas essas, evidente, que fazem parte do lado desfavorável das relações sociais, econômicas e étnicas do Brasil. Ou seja, se uma pessoa se sente discriminada por sua cor/etnia, essa percepção/sensação se daria mais por um estado psicológico da parte ofendida — uma espécie de defesa, um complexo — do que por um sistema simbólico injusto de um país que foi um dos últimos a abolir a escravidão no mundo.

Nós somos seres racionais, naturalmente. Evidente que uma ação, ideia ou ideologia se dá inicialmente no campo da construção de sentidos para depois partirmos para o campo pragmático. Tudo ''vem da mente'', isso é óbvio. Mesmo na área do Direito, onde se julga um assassinato, por exemplo, se observa e se analisa se houve ou não a intenção (ideia) de se matar, sendo algo sempre muito subjetivo na análise das intenções do réu, e daí se parte para a valoração moral que foi, essa sim, construída em sociedade (assim como a simbologia de racismo e superioridade nas sociedades) e essa mesma moral será utilizada para que se puna o culpado pelo ato concreto. No Brasil, quando se fala de injúria ou preconceito racial sempre partimos da premissa (senso comum) de que isso é algo subjetivo, mas na verdade é concebido por meio da construção de sentidos em conjunto com a sociedade.

Daí o absurdo de se dizer que o ''racismo está na cabeça das pessoas'' - seria o mesmo que dizer que ''a defesa da pedofilia está na cabeça dos pedófilos'' ou que ''o nazismo está na cabeça das pessoas nazistas'', sendo que essas ideologias partiram obviamente de ideias (ou da mente) de certos indivíduos, mas que precisam de todo um referencial simbólico e cultural para que sejam disseminadas por todas as sociedades, incluindo publicidade, produções artísticas, livros, etc.

Em alguns setores da mídia — televisão, cinema, publicidade — há, mesmo que de modo não intencional, a construção social do ideário de ''eugenia estética'' — um dos mais elementares instrumentos de afirmação do racismo. Em tempos de pré-racismo científico, o escritor francês Montesquieu (1689-1755) dizia que os negros não poderiam ser considerados gente, pois Deus não seria capaz de colocar alma em pessoas como eles (ele usava o argumento estético para argumentar seu ponto de vista). Isso é um argumento de segregação, pois ainda não havia os tais estudos que tentavam demonstrar a superioridade racial no mundo do século 19. E mesmo estando em uma era pós-racismo científico — onde se media a capacidade mental das pessoas usando a fita métrica (!) — ainda continuamos com o argumento de estética étnica superior/inferior em nossa sociedade e em seu imenso espelho deformado da mídia.

No Brasil a televisão, principalmente, tem papel preponderante na construção da identidade nacional, identidade que todos sabemos é pautada pela tendência prioritária ao padrão estético importado, tanto na utilização de atores, quanto na referenciação de gostos nos mais diferentes campos, como música, cultura ou mesmo a moda. E assim não é difícil deduzirmos que não há, sob essa diretriz, muitas vezes imposta pelo monopólio da televisão, a possibilidade de escolhas de referenciais por cada pessoa em específico para que haja a percepção de uma adequabilidade e construção de uma identidade pessoal, algo geralmente citado por defensores do argumento de que não há discriminação racial no país. Dizer — usando a justificativa subjetiva — que o racismo é a construção do pensamento ''de cada um'' é o argumento mais pueril que se pode ouvir de uma sociedade (do latim socius = ''companheiro'') que, — como o próprio nome já diz — tem a significação gregária e que não geraria uma ''idiossincrasia étnica'' que mudaria de critério e de cor de acordo com o pensamento individual.

25 de jul. de 2013

Lua cheia 'atrapalha' uma boa noite de sono

Lua cheia pode atrapalhar uma boa noite de sono, acreditam os cientistas


Michelle Roberts, Editora de saúde, BBC News online

Pesquisadores encontraram evidências de uma 'influência lunar' em um estudo com 33 voluntários que dormiram em condições estritamente controladas em laboratório.

Quando a lua estava cheia, os voluntários demoraram para adormecer e tiveram uma pior qualidade de sono, apesar de estarem em um quarto escuro, diz o jornal científico ''Current Biology''.

Eles (os voluntários) também tiveram um declínio do hormônio chamado melatonina, que é ligado aos ciclos do relógio biológico.

Quando está escuro, o corpo produz mais melatonina. E produz menos, quando há luz.

Estar exposto à luz brilhante na noite ou com pouca luz durante o dia, pode quebrar os ciclos naturais de melatonina do corpo.

Entretanto, a pesquisa do professor Christian Cajochen e equipe da Universidade Basel, na Suiça, sugere que os efeitos da lua talvez não estejam ligados ao seu brilho. 

Ritmos lunares

Os voluntários não estavam cientes do propósito do estudo e não podiam ver a lua em suas camas durante as pesquisas no laboratório do sono. 

Cada um passou duas noites distintas no laboratório sob observação atenta. 

Os resultados revelaram que próximo à lua cheia, a atividade do cérebro ligada ao sono profundo caiu aproximadamente em um terço. Os níveis de melatonina também caíram. 

Os voluntários também levaram cinco minutos a mais para adormecer e dormiram 20 minutos a menos quando havia lua cheia. 

O professor Cajochen diz: "O ciclo lunar parece influenciar o sono humano, até mesmo quando não se vê a lua e não se sabe qual é a sua atual fase."Algumas pessoas podem ser extraordinariamente sensíveis à lua, dizem os pesquisadores. 

O estudo não foi feito originalmente estabelecido para investigar o efeito lunar. Os pesquisadores tiveram a ideia de fazer a análise lunar anos atrás, enquanto conversavam e bebiam. 

Eles retornaram a seus antigos dados e calcularam se houve ou não lua cheia nas noites que o voluntários tinham dormido no seu laboratório. 

O especialista britânico de sono, Dr. Neil Stanley disse, entretanto, que o pequeno estudo parece ter indicadores significantes. 

''Existe uma forte anedota cultural em relação à lua cheia que não seria surpreendente se ela tivesse influência." 

"É uma destas coisas folclóricas que você suspeita que tem uma raiz de verdade." 

"Agora a ciência está próxima de descobrir qual é o motivo pelo qual nós podemos dormir de modo diferente quando há lua cheia.''

(Tradução: Marcos Vinícius Gomes)

28 de jan. de 2013

Viadutos e boates

Não existem 'ex-honestos'. Ou se é honesto, ou não se é. Existem sim 'ex-corruptos', que por meio da redenção após os erros, podem chegar a esse estágio. Mas para isso não basta o esquecimento, é preciso que haja o reparo e para isso existem leis que protegem a sociedade desse tipo de conduta corrupta. O problema é que a corrupção é endêmica, e no Brasil todos temos o hábito de apontar culpados iniciais, sem percebermos as causas e os efeitos dos acontecimentos que envolvem corrupção. Em Santa Maria, no caso do incêndio da boate Kiss na madrugada de 27/01/2013 e que vitimou 233 pessoas, o que se viu é o resultado da mais pura corrupção da lei, que envolve o público (prefeitura e órgãos fiscalizadores) e o privado (boate, empresários artísticos). Inúmeros indícios mostram isso - irregularidades no funcionamento do estabelecimento, entre elas superlotação e saídas de emergências insuficientes para casos de incêndio, fato que deveria ser fiscalizado pela outra ponta corrompida, o poder público local.

A indústria do entretenimento atual é a antiga 'indústria das empreiteiras', que são lucrativas eleitoralmente tanto quanto construir pontes, viadutos, estradas e túneis e que são ainda fonte de muita corrupção no Brasil. Hoje não há tanto lucro político em mostrar construções de concreto armado, o mais provável é que prefeitos, governadores, principalmente de cidades pequenas e médias, invistam em espetáculos e shows onde essa relação de corrupção aparece. Provavelmente os proprietários da casa onde ocorreu a tragédia de S. Maria tem alto prestígio junto à prefeitura em questão. Donos de casas de shows tem grande movimentação no mundo do entretenimento, sendo alguns deles sócios com artistas e cantores nessas casas. Sendo assim, os prefeitos, na ânsia de conseguir capital eleitoral, tem nos donos de casas de entretenimento aliados importantes para seus intentos. Quem nunca já presenciou ou já foi em um 'show gratuito' em alguma cidade patrocinado pela prefeitura com grande alarde?

Isso talvez explique a negligência na verificação da validade do alvará de funcionamento da boate. O órgão fiscalizador não fez o seu papel, certamente sob orientação superior, a saber, a prefeitura. E isso não tem sido comentado na mídia em geral. Apontam-se culpados isolados, mas sem se atentar para toda essa estrutura de corrupção, do qual, de uma forma ou de outra, estamos imersos. O prefeito da cidade, Cézar Schimer, em entrevistas, apenas faz o de praxe: se exime da responsabilidade, jogando a culpa nos bombeiros. Diz que a casa 'estava liberada' não estando liberada. A boate estava funcionando com o alvará sem valor em processo de renovação desde Agosto de 2012, mas há relatos inciais de que extintores estavam zerados (vencidos) e a casa não tinha saídas necessárias em caso de incêncio. A honestidade (ética) não existiu neste lamentável episódio, então para que se possa reparar o erro irreparável em grande parte impulsionado pela corrupção, que seja aplicada a justiça, não somente apenas judicial, mas a que corrija esse sistema corrupto que tirou a paz de tantas pessoas. Pois sem justiça não há paz, e paz é a única coisa que resta para a remissão de quem teve familiares e conhecidos atingidos pela irresponsabilidade maior do poder público que alimenta toda esta cadeia de corrupção.


http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2013/01/28/boate-kiss-nao-atendia-normas-de-seguranca-diz-engenheiro-do-corpo-de-bombeiros.htm
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/01/28/presos-tentaram-obstruir-ou-manipular-provas-sobre-o-incendio-diz-mp.htm
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1221232-alvara-da-boate-kiss-estava-vencido-desde-agosto-de-2012.shtm
http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/tragedia-desperta-prefeitos-do-brasil-inteiro
http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/tragedia-em-santa-maria/rs-comeca-pericia-na-boate-kiss-em-santa maria,d14c24bd7a08c310VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html

27 de set. de 2012

As princesas lésbicas contra o rato bronzeado

A mostra War Dirty Tortures do mexicano Rodolfo Loaíza, exposta na galeria La luz de Jesus, em Los Angeles, EUA, pode ser chamada de uma exposição iconoclasta que se utiliza de recursos da pop art para seus intentos. Nela são mostrados personagens de filmes de animação clássicos produzidos pela The Walt Disney Company em cenas consideradas provocadoras. Ali há, por exemplo, personagens femininas que povoam há décadas o imaginário de crianças em diversas partes do mundo em cenas de lesbianismo, consumo de drogas ou em situações de degradação moral. Também compondo esse quadro vanguardista, há um discurso intertextual entre várias produções, onde ícones da cultura pop interagem com as criações de Disney em situações bizarras - há uma ilustração onde Branca de Neve é ameaçada de morte pelo personagem Jason, o serial killer da série de filmes de terror 'Sexta-Feira 13'. Ele, nesse quadro, se prepara para dizimar Branca, após já ter decapitado dois coelhinhos e um passarinho. Não é a primeira vez que personagens Disney são utilizados em projetos de releituras traduzidas em obras de pop art. Essas releituras são as preferenciais quando algum artista vanguardista quer transmitir uma atmosfera de engajamento, questionando a gigante do entretenimento e sua ideologia disseminada em produção cultural de escala internacional. A estética kitsch, essencial nestas situações, é amenizada pelo viés de contestação, na criação da possibilidade de reescrita dos valores arraigados nesses produtos culturais com seus ícones, que na visão do artista, são representações de uma inadequação histórica, algo que não pode, sob um olhar crítico, permanecer intocado. É uma espécie de paródia cínica de uma realidade cultural. 

E em uma primária análise de sua linguagem, a pop art contestadora poderia ser classificada como uma obra partidária do contemporâneo politicamente incorreto, expressão certamente desprovida de significado genuíno assim como o politicamente correto, pois a política (no sentido primeiro dado pelos gregos à essa palavra), visaria o bem coletivo, justo, tendo como por base a ética. Veja que a palavra político, pode ser usada no sentido de alguém cortês, polido, em situações diversas. Uma pessoa politicamente incorreta, estaria fora deste contexto e de qualquer possibilidade de ser considerada ética e justa, desprovida de referenciais necessários para a manutenção da vida política (social) plena. O que sobraria nessa classificação da proposta da arte vista na exposição do mexicano Rodolfo Loaíza, seria a nomenclatura de arte politicamente correta (redundância). Pode ser estranho isso, uma arte que visa chocar ser vista como 'correta', mas é um vetor de um mesmo processo que está constituindo as bases do pensamento correto. Na outra ponta deste vetor, está uma espécie de contrapartida. A arte de Loaíza com seus personagens contestadores não teriam razão de ser se não instigassem no observador de sua arte, o desejo de repulsa que culminaria provavelmente no sentimento de repreensão, censura. Mas não há, no atual  estágio o necessário vigor coletivo para isso, pois alguém que censurasse os intentos do artista, seria tido como retrógrado, ou insensível aos ares democráticos e libertários que a mostra se propõe a trazer. Entretanto a censura deve existir, de modo irrevogável, não neste lado do processo, mas apenas em sentido contrário, onde haveria uma tentativa de reescrita histórica, uma reparação de injustiças, para que a proposta politicamente correta tenha razão de ser em sua essência. Porém, necessário dizer, essa censura é constituída de uma representação que alardeia a justiça e a equanimidade, caso alguém questione os meios para que se chegue a esse resultado equânime por meio da patrulha e do cerceamento de ideias, indispensáveis aqui.

É o que ocorre no impasse do personagem de desenhos animados Speedy Gonzales (no Brasil conhecido por Ligeirinho) que foi banido do canal Cartoon Network americano, em uma orquestração de censura visando satisfazer as diretrizes do politicamente correto em voga nos EUA. O personagem da Warner Bros, outra gigante do entretenimento, foi enjaulado por conter, segundo a relações públicas da CN Laurie Goldberg em entrevista ao site FoxNews, mensagens inadequadas para o século 21. E qual seriam essas mensagens? O uso de estereótipos étnicos na construção do personagem de desenho animado. Para Goldberg, é inaceitável o fato de existir um ratinho mexicano que convive com outros ratos (alguns deles que bebem) em aventuras onde os gatos gringos inimigos como Sylvester (no Brasil, chamado de Frajola) são sempre enfrentados com habilidade e inteligência. Nem mesmo a premiação de seu desenho com o Oscar em 1955 e indicações ao prêmio em filmes em 1957 e 1961 foram suficientes para que Speedy fosse liberado da censura no canal para o público americano, o que contemplaria a vontade de centenas de milhares de fãs, inclusive fãs mexicanos. Mas ironicamente, ele não foi banido da versão do Cartoon Network Latin America, direcionado ao público latino, onde é muito popular. Neste caso, o mexicano Rodolfo Loaíza levou a melhor sobre o 'conterrâneo' Ligeirinho. Neste contexto, eles 'formam' forças contrárias, são uma espécie de vetor, um de cabo de guerra que se puxa em apenas um sentido.

Daí a impossibilidade de que se afirme ser o politicamente incorreto a antítese do seu correlato correto. Um mesmo possível apreciador da iconoclastia da exposição War Dirty Tortures que defenda a liberdade de expressão na utilização irrestrita de ícones da cultura pop, dos desenhos infantis em situações de quebra de paradigmas morais, provavelmente seja favorável à censura da exibição de Speedy Gonzales e seu sombrero, juntamente com seus brados de Arriba! Arriba! no Cartoon Network. E este apreciador usaria os argumentos mais desconexos para tal - a preservação das crianças de estereótipos, de situações de violência, de disputa, de concorrência irrestrita entre protagonistas e antagonistas. A censura de um simples personagem de desenho animado seria a reescrita como 'preservação da integridade' das crianças. É uma da pontas do processo, a outra é a tentativa de desconstruir os referenciais que representem a 'cultura indesejável' a ser eliminada (no caso a cultura americana com os personagens Disney). É um paradoxo a situação descrita, ainda mais quando está vinculada às simbologias lúdicas apreendidas pelas crianças. Esse processo de paradoxos politicamente corretos também tem sido visto na justiça - principalmente na brasileira, onde de um lado temos um excessivo instrumental jurídico que favorece de certa forma a não responsabilização de atos infracfionais de menores perante a lei nos mais diversos contextos, sendo que na outra ponta temos o processo de desconstrução das simbologias mais elementares que são a base de uma sociedade justa e que proteja suas crianças e adolescentes. Um exemplo prático de desconstrução de simbologias mais elementares, é a absolvição de um rapaz de 20 anos, acusado de estupro de uma garota de 12, feita pela justiça gaúcha em 2009, sob a alegação de que a garota não era mais virgem quando iniciou o namoro com o jovem maior de idade. Quando existe em um mesmo contexto o nonsense que choca e parece apenas querer desconstruir de modo iconoclástico jogando fora toda uma possibilidade de construção, ao lado de uma certa reescrita das significações de paradigmas justificando-se para isso a reparação de injustiças, temos a mais elementar e contraditória face do politicamente correto.