6 de nov. de 2010

Uma mulher para arrumar a casa

A eleição da primeira mulher presidente da República é algo notável, principalmente quando estamos adiante de países desenvolvidos como Estados Unidos, França e outros da Europa que ainda não tiveram chefes de Estado mulheres. E é  mais notável ainda quando mesmo antes da sua posse, o nome de Dilma Rousseff já criou frisson entre as feministas, sexistas e a turma do 'exótico por natureza' que com seus discursos exaltados, suas brados históricos, suas frases lapidares nos deixam constrangidos e desmontam o ideal de progressismo que a eleição de uma mulher presidente pode trazer.

As feministas em particular, que pareciam sossegadas com seus textos contra o patriarcado, contra o serviço doméstico, contra os salários maiores dos homens em relação aos das mulheres, a favor do domínio irrestrito do corpo,  ressurgiram do sono profundo. Dilma, numa situação inesperada,  foi vítima da patrulha ideológica de suas próprias companheiras de partido. Numa plenária nacional de mulheres do PT uma de suas 'companheiras', Sueli de Oliveira, saiu-se com a observação: "Quando Dilma diz: “Nós, mulheres, nascemos com o sentimento de cuidar, amparar e proteger. Somos imbatíveis na defesa de nossos filhos e de nossa família”, valorizando estas funções como grande qualidade das mulheres, ela colabora com os valores do patriarcado e dos fundamentalistas na defesa de que lugar de mulher é na casa, no lar e na família".

Este é um exemplo da originalidade do pensamento feminista contemporâneo. E parece que vem mais por aí. Mas deve-se ressaltar que por mais que feministas e congêneres esperneiem, difundindo uma simbologia sexista nesta disputa eleitoral na qual Dilma saiu vitoriosa, houve nessa disputa algo inverso ao ideal daquelas que exigem de modo precário, o igualitarismo de gêneros. Basta observar a trajetória política recente de Dilma Rousseff - chamada para assumir a Chefia da Casa Civil num período de crise, criou uma relação de confiança com o presidente Lula e assim se estabeleceu a estrutura para uma possível sucessão ao fim do mandato do presidente-operário. Houve dentro desse processo muita crítica míope, mais por causa de incompetência da oposição do que por limitações da ministra preferida de Lula. Claro que limitações, Dilma tem, mas tem se empenhado e os resultados são visíveis: um melhor diálogo e uma melhor desenvoltura - apesar de ainda pecar nos jargões econômicos - e o sucesso na reorganização da imagem de 'durona' que foi abrandada.

Porém o mais importante é a simbologia de harmonização entre os dois sexos vista na relação entre Lula e Dilma; é impossível não notar nos discursos a cumplicidade entre os dois, algo até mesmo raro entre relações matrimoniais. A troca de olhares que mostravam confiança, a sintonia entre eles, o respeito mútuo. Lula confiou em Dilma e ela confiou nele, sem melindres ou egocentrismos. E para isso, não foi preciso o hasteamento de bandeiras narcisistas ou o discurso preconceituoso-sem-querer-ser do tipo 'ela trará um toque de sensibilidade ao governo...' (isso faz lembrar da ex-prefeita e ícone feminista Marta Suplicy e seu Projeto Belezura que plantava coqueiros em bairros chiques, enquanto os bairros não nobres afundavam nas enchentes). Todo este processo talvez provoque incômodo na turma dos ideais fumegantes, das burocratas do pensamento feminista - professoras de sociologia e de humanas, diretoras de ONGs que mamam gostosas verbas públicas para vislumbrar o vazio e descrevê-lo como quem diz algo substancialmente importante.

Enfim, parece que Dilma não fez e não deverá fazer coro com 'as companheiras'. Dilma talvez não aguentasse dez minutos de conversa com Betty Friedan (a papisa do feminismo), acharia a messiânica dona de casa que livrou as mulheres do jugo machista uma desvairada a procura de platéia. A futura presidente pediria licença da conversa, indo fazer o que mais sabe fazer - tratar de assuntos de que domina, dando o melhor de si, sem preocupar-se com bordões e panfletagens que não indicam um caminho, uma saída. Iria mostrar serviço, honrar o voto de confiança de mulheres, homens, jovens, gente que sente no dia-a-dia a necessidade de se construir um país melhor, distribuir a renda, observar os gastos. Resumindo, pôr a casa em ordem. Esperamos que a futura presidente utilize seus conhecimentos da área econômica e saiba cuidar do orçamento 'da casa de quase  190 milhões de habitantes', para desespero das feministas, mais preocupadas com o discurso 'socialista-Channel' e a retórica de degradação das relações de gênero.


Fonte:

31 de out. de 2010

Um épico do século 21

Desconsiderando o fato de ter sido explorado em alguns momentos de modo sensacionalista pela mídia e  demagógico por políticos locais, o episódio envolvendo os 33 mineiros  que ficaram 70 dias soterrados na mina de Copíapó no Chile trouxe uma simbologia que há tempos não se percebe no mundo contemporâneo - a simbologia épica.

A narrativa épica (do grego epos = palavra, história) foi utilizada em textos que exaltavam as grandezas e coragem de um povo, como por exemplo na Ilíada e na Odisséia de Homero, que se referem aos gregos. Já no século 16 da nossa era Luis Vaz de Camões compôs Os Lusíadas onde mostra a bravura do povo português cruzando mares e descobrindo novas terras. Porém com a modernidade o épico perdeu a razão de existir por estar associado a um grupo, um povo como todo sem distinção. Atualmente, após termos uma nova visão política e social que é respaldada nas liberdades individuais, o épico perdeu força ficando apenas na recordação dos tempos antigos. 

Num tempo onde as individualidades são exaltadas para que se assegurem os direitos de todos indistintamente, há distorções sobre essa visão humanista tão importante. Uma distorção é na propagação do individualismo como algo bom para um grupo, uma sociedade, um país. Culturalmente o individualismo pode ser notado em certos filmes, romances, na dramaturgia televisiva, na música. Até mesmo na política há determinados grupos que apregoam o individualismo de modo indireto, como por exemplo no pensamento neoliberal, onde o estado deve existir em função do indivíduo e não da sociedade.

Daí esse caos contemporâneo que notamos em todos os segmentos da sociedade. A individualidade transformada em individualismo faz com que percamos cada vez mais a noção de que em toda sociedade a força motriz que a impulsiona é o bem comum. Não há individualidade que resista quando as leis são desrespeitadas em benefício de um ou outro; ou quando um ecossistema é poluído, quando os direitos do cidadão são negligenciados, quando a corrupção é tida como normal num país onde os indivíduos não tem acesso a muitos serviços negados pelo governo cada vez mais adepto do 'estado individualista (ou neoliberal).

A simbologia dos mineiros chilenos (que poderiam ser brasileiros ou americanos) sendo resgatados da mina, num parto de um novo começo é válida quando percebemos que não somos importantes individualmente quando não pensamos no outro, no grupo, na sociedade. Ali provavelmente não haveria lugar para individualismos, o mais importante era que cada um cooperasse para que o bem comum fosse atingido. Cada qual com sua história de vida, suas metas, sua visão de mundo, mas com suas prioridades voltadas para o bem comum. Os colegas na superfície esforçando-se dia e noite para que a operação de resgate saísse perfeita. As famílias torcendo pelos seus entes e pelos colegas. A população acompanhando o episódio épico contemporâneo com heróis de verdade e coragem real, muitas vezes mal remunerados e sem reconhecimento pelo trabalho que beneficia a sociedade. Na individualidade dos mineiros houve o senso de coletividade para que todos atingissem o objetivo de retornar à superfície e à vida. Foi uma histórica épica que nos faz refletir sobre o ditado que explica nosso individualismo: 'se cada um fizer a sua parte, o mundo será melhor'. O certo dever ser: 'se cada um fizer a sua parte pensando em todos, o mundo será melhor'. E para isso, não é preciso ser um herói dos textos ou dos filmes épicos; basta pensar e agir de modo solidário.


30 de ago. de 2010

A hora e a vez dos políticos nerd


Segundo o dicionário Merriam-Webster o significado da palavra nerd é: "Uma pessoa desajeitada, sem atrativos ou socialmente deslocada; uma pessoa cegamente devotada a objetivos intelectuais ou acadêmicos". Resumindo, é um estereótipo de pessoas dedicadas de modo obssessivo a determinado assunto, geralmente associado à questões tecnológicas. É um termo fortemente associado à sociedade norte-americana, favorecido pelo ambiente favorável à criatividade e à inventividade. Um personagem simbólico do estereótipo nerd é Thomas Blanchard, jovem americano que viveu no século 19  e que ficou rico inventando equipamentos para produção em série, desde peças para armas até ferramentas, além de ter patenteado vários inventos. Também representam este estereótipo Bill Gates, que através de seus programas operacionais, popularizou o uso do computador, tornando - o de fácil operação; e Steve Jobs, fundador da Apple, uma das gigantes na fabricação de computadores pessoais.

Mais associado à questões técnicas e práticas, o nerd não circularia em um primeiro momento da vida política. Num país de herança latina como o nosso, onde os grandes oradores tem boas possibilidades de ascenção e liderança política, sobra pouco espaço para técnicos e pessoas especializadas em várias áreas. Apenas em setores especializados da administração pública, como secretarias com perfil técnico e tecnológico e áreas estratégicas parecem poder abrigar pessoas com este perfil profissional. Há um consenso geral de que a política se faz apenas por políticos de palanque com retórica hipnotizante, sedutora; para nós não existe política de bastidores, a administração seria levada apenas pelo eleito e suas intuições.Esquecemos que política não se faz apenas com retórica, mas com competência e qualidade também. 

Nessas eleições, especialmente para presidente, há uma situação especial. Os três principais candidatos são políticos que possuem um perfil técnico, que poderiam se classificados como políticos nerd. Dilma Roussef, economista que nunca exerceu cargo eletivo, é conhecida  nos  bastidores como eficiente secretária de estado. Tem a complexa missão de seguir o legado de seu padrinho político, o presidente Lula - o que não será fácil, visto que Dilma é conhecida por ser técnica demais e ter inabilidade em algumas situações onde o improviso do discurso é necessário para a exposição de idéias. Apesar disso, ela demonstra que tem se aperfeiçoado  na tentativa de amenizar a imagem de política desajeitada - a imagem de Dilma foi inclusive repaginada, ela abandonou os óculos e aposta em penteados novos, além de ter melhorado na argumentação quando confrontada pelos adversários políticos.

Outro candidato desta leva é José Serra, também economista e um  político com mais tempo de estrada. Ele é conhecido pela facilidade no trato com números. Serra circula entre o perfil técnico e político, mas recentemente devido a falhas estratégicas em sua candidatura, o seu lado técnico (ou nerd) tem sido mais destacado. Os adversários o acusam de ser inábil no contato com a população, de ser personalista demais, arrogante e de não gostar de trabalhar em equipe. Serra, se fosse avaliado pelo lado da experiência política, talvez seria vitorioso no embate com Dilma. Mas como se destacar numa disputa onde a adversária é apadrinhada por um presidente que é ícone do brasileiro comum, por se enxergar nele? - um ex-sindicalista que vencendo preconceitos históricos se tornou líder de uma país com uma oratória cativante e simpatia popular e que na sua administração tem mostrado números expressivos de desenvolvimento, sendo este desenvolvimento reconhecido até no exterior? E ainda mais tendo essa candidata participado desse processo de desenvolvimento?

Também na corrida presidencial há uma candidata nerd com perfil diferenciado: Marina Silva, historiadora, que de origem simples e vida sofrida (aprendeu a ler aos doze anos), tornou-se lider de sua comunidade e pelo estudo conseguiu reconhecimento pessoal e político. Ela poderia ser classificada como uma eco-nerd, pois tem se empenhado no discurso ambientalista e defesa dos trabalhadores que vivem dos recursos naturais principalmente na amazônia. Finalizando, temos outro candidato nerd nas eleições deste ano, só que concorrendo para o governo de São Paulo: o ex-governador e candidato Geraldo Alckmin. Alckmin pode ser encaixado na lista de político-nerd: é adepto da administração técnica, não é um excelente orador, apesar de ser político de carreira. Quando foi vice-governador ao lado de Mário Covas, se diferenciava deste, um político tradicional de posições e discursos inflamados. Um jornalista paulista o apelidou de 'picolé de chuchu' devido a sua forma diferenciada de praticar política, sem grandes discursos e sem utilizar o personalismo que é algo tão característico da política nacional.

Seriam os políticos-nerd um novo horizonte na administração brasileira? Talvez sim, mas eles certamente se adequarão a esses novos tempos, transitando entre o lado técnico de administração pública e entre o lado político propriamente dito. São possivelmente o reflexo de uma nova era, onde lutamos para buscar o equilíbrio entre a administração da técnica - tecnologia e o lado humano. E o lado humano jamais pode  ser ofuscado, seja pela valorização exagerada do tecnicismo (que no setor público vira tecnoburocracia) ou pelo culto cego à  retórica inflamada, às vezes demagógica e com resultados sociais desatrosos. Tendendo para qualquer um dos lados, quem perde somos nós eleitores e cidadãos, que pouco nos importamos se o candidato eleito tem o perfil tradicional ou nerd  (técnico), mas apenas que sejam competentes e honrem nosso voto de confiança.

Fontes
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u427946.shtml

15 de ago. de 2010

Maitê, Dilma e os 'jeitinhos'

Maitê Proença em recente entrevista no site do Estadão tratou de vários assuntos envolvendo sua carreira, sua vida familiar, projetos e  política. Em determinado trecho da entrevista Maitê disse que o machismo brasileiro poderia salvar o país da eleição de  Dilma Rousseff  para a presidência da república. Esta observação - considerada retrógrada por envolver um problema que é a raiz de problemas sociais históricos no Brasil - causou indignação em vários lugares, principalmente em blogs de esquerda como o de Paulo Henrique Amorim.

Interessante notar que apesar de toda esta polêmica da fala da atriz, que foi oportunamente usada de modo pejorativo pelos opositores dos tucanos para denunciar uma suposta apologia à violência doméstica, ao estupro, ao assédio sexual e moral, males que afligem não só mulheres em si, mas toda a sociedade  e que tem raiz no machismo, essa denúncia, apóia-se na demagogia partidária que nos ronda atualmente, este clima de torcida que está mais forte do que nunca nestas eleições, inclusive na mídia.

É interessante ainda o fato  de Maitê apoiar Serra  e de receber pensão permanente por morte dos pais que eram  funcionários públicos de São Paulo, mesmo sendo casada. Isso porque, como se sabe, o partido dos tucanos não tem afeição pelos benefícios sociais conquistados, usando o argumento do 'estado mínimo' em tudo: na saúde, na educação, nos transportes (com pedágios), na segurança,  na previdência. FHC em seus tempos áureos  de presidente afimou que os aposentados 'jovens' eram 'vagabundos', num discurso onde defendia a reforma da previdência.

Mas voltando ao tema demagogia de ambos os lados - da esquerda que afirmou coisas supostas na fala de Maitê,  e da direita que quer apenas beneficiar o  lado de  cima da pirâmide social (Maitê com sua pensão de R$ 13.000,00 é certamente um ícone direitista), queria focar na posição demagógica que é geralmente vista  entre todos nós, sejamos de direita, esquerda ou centro. Maitê afirmou que o machismo poderia 'salvar' o país de eleger Dilma e possivelmente quando fez essa afimação não pretendia dizer que homens brutos ou mulheres alienadas que admitem que o homem 'pode fazer o que quiser com elas' iriam até as urnas para impedir uma possivel eleição da candidata petista. Evidente que ela não teve essa intenção. Entretanto a fala conservadora da atriz, talvez traga um ranço que tem nos ajudado em situações onde não vemos alternativas a curto prazo  e que alimentam o 'jeitinho brasileiro' ou o 'jeitinho de pensar brasileiro' para situações menos desgastantes possíveis.

Uma situação como exemplo. Quantos já não presenciaram na  mídia, crimes hediondos de violência sexual contra mulheres ou crianças e quando na captura do criminoso há um coro que diz: "Que bom, agora ele será 'donzela' na cadeia" - isso devido a um 'código de honra' entre presidiários, que não aceita estupradores entre eles e que pune com violência condenados por crimes sexuais.  E quando alguém se posiciona desfavorável a  esse 'código de honra da prisão' é visto como 'imoral', 'condescendente com maníacos', etc. Isso seria uma variante do 'jeitinho brasileiro', onde se exalta a violência para conter a violência, onde se deseja corrigir  a estupidez com doses reforçadas do mesmo remédio.

Essa variante da exaltação do 'jeitinho brasileiro' (a crença de que se a lei não ajuda, vamos criar uma 'lei paralela') também é notada em situações onde uma pessoa inocente é morta por engano por  policiais mercenários.  Já ouvi jornalistas de grandes veículos de comunicação de São Paulo dizerem em casos assim que 'foi apenas um caso isolado', como se a perda de uma vida de um cidadão correto não fosse nada, perante à simbologia negativa que isso causa na instituição polícial.  Esta banalização da 'violência contra a violência' é antiga no país, que o diga a Scuderie Le coq (também chamado de Esquadrão da Morte), famoso grupo que atuava à margem da lei no Rio dos anos 1960 e 1970 com ampla aprovação popular de seu caráter bandoleiro. 

Tanto o discurso de Maitê onde um 'mal'  - machismo - atacaria outro 'mal' - para Maitê,  Dilma - quanto o da exaltação da 'lei' marginal - refletem uma dura realidade. A de que não aprendemos ainda que não se constrói  justiça usando recursos condenáveis para atingir um objetivo, ou vencer um problema. Pensar somente em soluções imediatistas pode ser 'bom' em determinado momento, mas as consequências podem ser graves. Seja na vida pessoal ou pública, o jeitinho inocente de agora certamente pode trazer um  problema difícil de resolver na frente. E ficará mais caro do que se dispensarmos tempo e energia para resolvê-lo agora de forma correta , dentro da lei e  visando o bem comum.


Fontes:
http://www2.uol.com.br/JC/_1998/1205/br1205n.htm