7 de mar. de 2010

José Mindlin, os livros e a mídia


José Mindlin (1914-2010) foi uma exceção num país que não preza a leitura - e que  quando o faz,  faz de modo equivocado. Um exemplo raro na plutocracia (classe capitalista) de apreço pelos livros. Ele foi na contramão de seus colegas de classe social abastados. Em vez de sair mundo afora procurando obras de arte, quadros, móveis usados por estadistas europeus de séculos passados, ele viajava para comprar livros raros. Seu  qualificação como apreciador de livros recebia um nome estranho: bibliófilo.

A TV Cultura reapresentou esta semana uma entrevista  com José  Mindlin  no 'Roda Viva'  feita em 2006 como  homenagem  ao colecionador. Ali ele contou como começou sua coleção, os percalços para conseguir obras raras em sebos. Contou também algo sobre sua vida empresarial na Metal Leve, empresa metalúrgica do ramo automobilístico. Houve espaço também para anedotas. Entre elas, contou o episódio onde ladrões entraram em sua biblioteca e ele quis oferecer um emprego em sua empresa. Outra, quando estava numa livraria, ouviu de uma senhora da alta sociedade um pedido inusitado: ela queria comprar uns livros para preencher sua prateleira, pois iria receber uma visita ilustre e não queria passar vergonha.  Antes de morrer, Mindlin doou  sua coleção para a Universidade de São Paulo que está digitalizando o acervo. A biblioteca com seu nome não ficou pronta ainda e o homenageado não pode vê-la como a viu no projeto.

O livro, que muitas vezes é tranformado num objeto de fetiche entre nós, teve para Mindlin uma função diferente. Ele dizia que a biblioteca não era sua e sim um bem coletivo. ´"A gente passa, os livros ficam", dizia. Sua entrevista para a TV Cultura foi um dos raros momentos onde a leitura  e os livros foram o foco central  e isso de modo bem sucedido. Isso talvez porque ele não fosse escritor. Era um leitor. Geralmente entrevistas com escritores são maçantes, há uma luta entre entrevistador e entrevistado - no caso o autor. Há egos e esquisitices. Isso sem falar nos programas literários que pecam pelo excessivo didatismo - a TV Cultura por exemplo tem o soporífero 'Entre Linhas' (de entrevistas com autores) e o 'Tudo que é sólido pode derreter' (destinado ao público adolescente). Mas na entrevista com José Mindlin, o hábito de leitura foi realmente valorizado, sem as afetações frequentes, vistas quando a televisão aborda o tema literatura e livros. Espera-se que o exemplo de José Mindlin de apreço pelos livros não fique apenas no nosso  imaginário de extravagâncias, mas que colabore para que novos apreciadores da leitura e dos livros surjam no nosso país.

28 de fev. de 2010

Coronelismo eletrônico em São Paulo


Se São Paulo sempre se orgulhou de ter uma mídia de certa forma independente do poder político, este orgulho deixou de existir nos últimos tempos, principalmente na administração do governador José Serra. Sob sua liderança, o governo do estado mais rico do país esbanja verbas públicas em publicidade em diversos órgãos de imprensa, principalmente rádio e televisão. É impossível ficar meia hora acompanhando estes veículos sem se deparar com a frase 'São Paulo é um estado cada vez melhor' - o slogan atual da administração. Serra gastou  cerca de R$ 227.000.000,00 em publicidade no ano de 2009. São propagandas ressaltando as obras do metrô, do rodoanel, da educação - que diga-se de passagem está sucateada, entre outros feitos da administração.

Entretanto esta publicidade substancial não é apenas para a divulgação das obras do governo Serra - que afirmou recentemente que os tucanos não são muito dados à publicidade. (devemos lembrar que nos kits escolares entregues em 2009, todo o material mostrava o logotipo do governo do estado e seu slogan citado acima). José Serra, com seu estilo personalista e que chama para si toda as virtudes de sua equipe, pede contrapartida à imprensa paulista pelo investimento financeiro através da publicidade. Nunca se viu tanto partidarismo em veículos de comunicação paulistas, historicamente associados à pluralidade de idéias e tendências. Temos a Folha com seus deslizes em afirmar que a ditadura militar fora uma 'ditabranda', temos Veja numa explícita proteção à Serra nos recentes episódios onde foi acusado de incompetência administrativa (desabamento da construção da estação Pinheiros do metrô, desabamento do viaduto em construção do rodoanel metropolitano, transbordamento do rio Tietê). Temos ainda a  Rede Globo em sua já conhecida parcialidade discreta na voz de seus comentaristas políticos e econômicos.

Todos estes fatores serão lembrados nestas eleições próximas, não só pelos eleitores, mas também pelos telespectadores, ouvintes e leitores. Cada vez mais o leitor paulista deixa de acreditar que os veículos de comunicação locais sejam tão isentos quanto se faziam crer há tempos atrás. E o leitor que também é leitor e telespectador parece estar reagindo a este coronelismo eletrônico paulista. Podemos deduzir isso pelos números atuais baseados na queda de tiragem de grandes jornais paulistas (Folha e Estadão) e na queda de audiência de alguns veículos como TV e rádio paulistas antes líderes de audiência.  Isso é um indicador de mudança de mentalidades, que o eleitor-leitor-telespectador não se deixa mais manipular pelo marketing, quando sabe que os serviços públicos mais essenciais não condizem com a excelência mostrada nos jingles radiofônicos, nas páginas dos jornais e revistas ou nas milionárias campanhas televisivas. 

15 de fev. de 2010

'Bye-bye' São Paulo


Nos últimos dias a mídia tem noticiado os estragos que as chuvas vem causando na cidade de São Paulo. Com muitas  perdas ocorridas, procuram-se culpados enquanto as autoridades se eximem da responsabilidade de cuidar do planejamento da terceira maior cidade do planeta.

O prefeito Gilberto Kassab disse que o problema é que chove muito. Ele está certo, não tem  sua afirmativa nada de descabido ou insensato. O problema é que ele e seus antecessores não tem dado a atenção necessária no quesito planejamento urbano. "A verticalização da cidade é muito grande. Esse é um grande problema, apesar de que também está chovendo muito em São Paulo", diz Augusto Pereira Filho, especialista em ciências atmosféricas da USP em entrevista ao site Folha Online. Também há dados que revelam que nos últimos dez anos a impermeabilização aumentou cinquenta por cento na cidade. A antes chamda capital das oportunidades agora é um martírio coletivo que  atormenta a todos, não  escolhendo renda, bairro, horário, dia da semana. Ainda estamos no meio do verão e os problemas poderão dobrar se nada for feito.

O problema é que São Paulo parou. Se não parou, está próxima da estagnação em todos os sentidos. O 'boom' imobiliário é um dos causadores do caos que vem em forma de enchente. A impermeabilização do solo pelo mercado imobiliário impossibilita o escoamento da chuva, causando alagamentos. Mas quem quer peitar as grandes construtoras que 'geram emprego', e trazem o progresso para a cidade?

Outro problema difícil de se resolver devido a interesses econômicos é a questão dos veículos na capital que gera trânsito excessivo, demora na locomoção, perdas na produção, estresse, doenças. Um dia o ex-prefeito Paulo Maluf (fiel seguidor do 'progressismo de concreto armado') disse que trânsito era sinal de progresso. Já ouvi por estas bandas paulistanas pessoas dizerem que 'o Piauí daria tudo para ter um trânsito como o de São Paulo' O estado com menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país talvez não tenha tantos carros  assim, entretanto eles tem sossego para  poder se deslocar pelas cidades ou pela capital do estado sem sofrer  o custo coletivo que um trânsito como São Paulo tem para oferecer. Afinal a cada dia mil automóveis são emplacados na capital paulista.

Um  fator que também  tem sua parcela de culpa no caos urbano da capital é a característica anti-coletiva do paulistano, que de certa forma reflete a mentalidade do país. Precisa a população de São Paulo - e do país - parar de classificar aquilo que é público como sendo algo para alguém que não pode pagar por determinado serviço, algo para 'pobres'. Com esta visão canhestra, São Paulo virou a cidade dos condomínios fechados, das praças fechadas, das ruas fechadas (um grupo de moradores decide fechar uma rua e eis que temos um quarteirão inteiro fechado, justificado pelo argumento 'classe média' de 'segurança 24 horas'). Idem para a via pública, esta um reflexo do desleixo e da falta de educação do paulistano que, seja dentro de um popular 1.0 ou dentro de uma perua SUV, julga  a via expressa  um lixão a céu aberto, onde os copinhos de plástico, bitucas de cigarro, frutas e outros detritos podem ser jogados sem constrangimento. E esta falta de civilidade está embasada no seguinte argumento: se é pública, não é minha, pois tenho dinheiro para pagar´; público é para quem não pode. Daí não sendo minha, não há em minha consciencia nenhum fardo coletivo que me acuse de indiferença para o bem comum (público).

Os números da pesquisa do Ibope de Janeiro último dizendo que 57% dos paulistanos deixariam a cidade se pudessem, mostram o caos  que São Paulo chegou. Outrora capital dos migrantes e imigrantes, da diversidade cultural, de oportunidades infindáveis e de uma certa maneira (sem ufanismos ou xenofibias) o 'Brasil que deu certo', São Paulo é hoje  um arremedo dos sonhos de nosso avós, o berço onde apenas o interesse mercantil tem voz,  uma cidade que é um exemplo a não ser seguido de desprezo pelo planejamento visando o bem estar coletivo, o ambiente saudável, o bem público. Bem público, palavra tão vazia de conteúdo na mente dos dirigentes subservientes aos 'donos da cidade', destruidores de sonhos, encastelados em suas torres de marfim.  Será que os governantes estão esperando o caos completo para tomarem posicionamentos há tanto aguardados pela coletividade? Ou tomarão atitude apenas quando boa parte da população cansada disser: 'Bye-bye São Paulo'?

7 de fev. de 2010

"A Inglaterra é uma cloaca", diz Nobel de Literatura


"A Inglaterra é uma cloaca". Foi com esta afirmativa que o ganhador do Nobel de Literatura de 1986, o nigeriano Wole Soyinka resumiu seu sentimento para com os ex-colonizadores de seu país e de tantos outros países da Africa subssaariana. O escritor, que divide residência entre Nigéria e Estados Unidos deu entrevista a Tunku Varadarajan, do site americano de notícias The Daily Beast .

Soyinka - autor de The Road - é um ativista pela democracia em seu país, que considera injustamente classificado pelos Estados Unidos como incubadores do terrorismo islâmico. "Foi uma reação irracional, ignorante dos americanos. O terrorista não se torna radical na Nigéria. Isto acontece na Inglaterra, onde ele vai para a universidade estudar", argumenta.

Continuando sua linha de raciocínio, Soyinka diz:" É socialmente coerente permitir que todas as religiões orem abertamente. Mas isto é ilógico, porque nenhuma das outras religiões pregam a violência apocalíptica. E a Inglaterra autoriza isso. Lembre-se, aquele país foi um campo fértil para o comunismo, também. Karl Marx fez todo seu trabalho nas bibliotecas dali".

Para o ganhador do Nobel há uma justificativa nesta 'abertura' à religião islâmica:"O colonialismo cria uma arrogância inata, mas quando você assume um tipo de aventura imperial, aquela arrogância dá lugar a um sentimento de acomodação. Você tem orgulho de sua abertura". Esta seria para ele uma confirmação da auto-imagem de grandiosidade - a Grã-Bretanha  deixa  todo mundo pregar o que quiser sem constrangimentos. A educação, na sua avaliação é a saída contra o extremismo religioso e a intolerância: "Educação. E punição rigorosa para aqueles que acham, não 'eu estou certo, você errado', e 'eu estou certo, você está morto' ".

Na opinião de Wole Soyinka, esta fase de batalhas no mundo religioso (que tem inclusive atingido a Nigéria em conflitos religiosos entre muçulmanos e cristãos) iniciou-se quando o Aiatolá Khomeini proferiu sua fatwa (pena religiosa do Islã) contra o escritor Salman Rushidie em 1989. A partir daí a agressão doutrinária tornou-se agressão física e a presunção de poder sobre a vida e a morte passor a fazer parte da ideologia de muçulmanos inconsequentes em todo o mundo.

Segundo o escritor, o islamismo não tem condições de se tornar racidal nos Estados Unidos, ao contrário do Reino Unido, isso porque nos EUA os muçulmanos são mais abertos, já na Inglaterra eles se escondem em guetos.

Finalizando a entrevista Wole Soyinka lamentou que a Nigéria esteja doente - assim como o chefe da nação Umaru Yar'Adua, em coma num hospital da Arábia Saudita. Disse que seu país tivesse um governante à altura, eles teriam resistido à idéia americana de listar a Nigéria como país terrorista ao lado de Afeganistão e outros. Lamentou a impossibilidade de ter em seu país um chefe de estado que estivesse capacitado para dialogar com Barack Obama. "Mas qual chefe de estado nigeriano poderia falar com Obama? Não há nenhum governando neste gigante que é a África!".

Fonte: www.thedailybeast.com