21 de mai. de 2009

Discurso da estupidez televisiva

A apresentadora Maria Cândida entrevistava dias atrás no programa "Entrevista Record Cultura"(da Record News)o Cantor Kid Vinil e os integrantes da banda Biquini Cavadão, dois grandes representantes do rock nacional dos anos 80. Ali tentou-se traçar um panorama do movimento roqueiro no período de grande clamor popular-democrático e do seu legado. Chegou-se então a um consenso por parte dos músicos, durante a entrevista,de que a música brasileira decaiu com a ascenção sertaneja e de grupos de musicais baianos, num evidente análise mercadológica. Por fim Maria Cândida saiu-se com o pensamento "Mas o Brasil é um país sem educação mesmo, não é?", num pensamento de onde se deduz que a culpa pela baixa qualidade musical adviria da população mais pobre e consequentemente menos escolarizada do Brasil.

Recentemente Miguel Falabella deu entrevista afirmando que o nível mental do telespectador brasileiro é de uma criança de nove anos. Argumentou dizendo que algumas piadas elaboradas por ele não são entrendidas por falta de capacidade intelectual do telespectador brasileiro.Comparou jovens franceses que "lêem duzentas vezes mais" com os jovens brasileiros pouco cultos, nas palavras do ator.Terminou afirmando que a saída é a melhoria na educação.

O inferno são os outros 

Maria Cândida é uma jornalista experiente.Trabalhou na Rede Globo, no SBT, onde fez participações no "Domingo Legal" de Gugu Liberato. Atualmente pode ser vista sorridente nas tardes da Rede Record apresentando pegadinhas em seu programa "Melhor da Tarde". Sua afirmação de que o Brasil é um país sem educação é verossímel,e estivéssemos num país bem educado talvez ela estivesse desempregada ou trabalhando "no chão da fábrica do jornalismo" em vez de ser estrela bem paga. Falabella tem vinte e sete anos de televisão como ator, autor e apresentador e é reconhecido por seu trabalho no teatro. Em seus comentários percebe-se um certo rancor devido a sua incapacidade de alavancar os números de audiência de seus recentes projetos, depositando assim a culpa no telespectador, ignorante e inculto ao não perceber sua proposta artística.

A metalinguagem da estupidez

Deixemos Maria Cândida e Miguel Falabella de lado. Eles apenas são ecos distantes de um mea culpa televisivo, algo como "a metalinguagem da estupidez televisiva". A metalinguagem da estupidez televisiva é um recurso, às vezes inconsciente, que a TV usa para falar de si mesma ou para atribuir culpabilidades que ela mesma tem mas que tem pudor de fazê-lo, ou não quer fazê-lo.

A metalinguagem ocorre quando uma certa linguagem fala de si mesma. Quando um poeta fala do ofício do poeta em seus poemas,está usando metalinguagem, assim quando o cinema usa o making off para divulgar o filme, está usando metalinguagem.Também há metalinguagem em programas televisivos de bastidores da TV no estilo "Video Show". O recurso da metalinguagem necessita de senso crítico, pois pode soar falso.

No caso de Cândida e Falabella a metalinguagem da estupidez (da TV), soa despercebida, é quase subliminar, pois o telespectador já sabe dos mecanismos para captação de audiência, de certas estratégias para desvirtuar notícias no jornalismo atendendo a interesses políticos, ele já sabe do pouco apreço pela cultura que certos programas exalam em suas transmissões. Daí que a metalinguagem da estupidez televisiva é nulo, é como um relógio sem ponteiros ou um carro sem direção para conduzí-lo. Daí que Maria Cândida pode se esforçar ao máximo para "ser auto-crítica", mas o telespectador saberá que ela trabalha numa rede de televisão onde seus acionistas têm práticas religiosas que beiram o charlatanismo, e que se utilizam da falta de educação do povo brasileiro a qual Cândida se referiu - é o famoso "telhado de vidro". 

Já Falabella, enriqueceu e ganhou fama com suas novelas e personagens fomentados em audiência pelos telespectadores com intelecto de nove anos, como ele se referiu, numa emissora que tem um histórico de manipulação eleitoral, isso já na era pós-ditadura. Soa demagogo seu brado clamando por educação e cultura,sendo que essas duas tivessem sido promovidas há anos, talvez ele, juntamente com a emissora onde trabalha não figurassem no "panteão artístico-cultural", mantido com patrocínio estatal e que produz produtos culturais de gosto duvidoso.

O público deve julgar

Maria Cândida e Miguel Falabella soam inócuos em seus discursos. Melhor fariam se resignados deixassem que a TV e a música fossem julgados pelo público e pelo espectador, únicos motivos pelo qual existem. Jogar a própria culpa da mediocridade cultural televisiva em cima das costas daqueles que lhe aplaudem é deselegante e pouco inteligente, num meio já tão pouco estético e crítico como é a televisão atual.